Agricultura

Pesquisa identifica nova espécie de inseto que ataca lavouras de cana-de-açúcar

Resistência de praga à ação de defensivos usados habitualmente levou produtores agrícolas a pedirem ajuda a estudiosos da Unesp; representante dos produtores de cana afirma que existem desafios maiores no momento

1 DEZ 2025 • POR Da redação • 10h11
´A descrição do "Mahanarva diakantha" e a análise do seu DNA são os passos iniciais para o desenvolvimento de substâncias capazes de neutralizá-lo, a fim de manter plantações a salvo - divulgação

A cana-de-açúcar desempenha um papel central na economia nacional, tendo gerado, em 2020, uma receita de cerca de US$ 8,7 bilhões em exportações. Desde 2010, o Brasil produz cerca de 700 milhões de toneladas de cana por ano, destinadas a diversos fins. Somos o maior exportador de açúcar do mundo, mas a planta também é amplamente utilizada para a produção de etanol e para a geração de energia a partir da queima do bagaço.

Em São Carlos, segundo a Fundação SEADE, a cana-de-açúcar representa 71% da produção agrícola. Em Araraquara, a cana é responsável por 85% da produção. Descalvado tem 50%. Em Américo Brasiliense, a cana concentra 91,7% de toda a produção da agricultura. Em Santa Lúcia, esse volume chega a 90,8%; em Santa Rita do Passa Quatro, a 30%.

Dada sua relevância econômica, é natural que os cuidados com as plantações sejam rigorosos e que qualquer ameaça seja tratada com preocupação. Uma das pragas mais conhecidas é a cigarrinha-da-raiz, pequenos insetos de coloração marrom-avermelhada que se alimentam da seiva da cana e, ao fazê-lo, transmitem toxinas que causam a queima das folhas e a perda de sacarose. Estima-se que a infestação possa causar prejuízos de até 36 toneladas por alqueire.

Dentre as espécies identificadas como cigarrinha-da-raiz, a Mahanarva fimbriolata e a Mahanarva spectabilis são as mais conhecidas por atacar as plantações. Entretanto, pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da Unesp em Rio Claro e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) descreveram uma nova espécie de cigarrinha, já identificada em lavouras de cana-de-açúcar em todo o país. A descoberta foi publicada no Bulletin of Entomological Research, da Universidade de Cambridge.

Em entrevista exclusiva ao São Carlos Agora, Eduardo Romão, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ/USP, presidente da Associação dos Plantadores de Cana da Região de Jaú (Associcana) e da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), destaca que a nova praga é realmente uma nova espécie de cigarrinha.

“Esta é uma nova espécie de cigarrinha. Mas, por ora, não há nenhum grande alarde como temos com outras pragas, como a Murcha da Cana-de-Açúcar, que está muito agressiva no Triângulo Mineiro e em Ribeirão Preto. Na nossa região, por ora, ela não tem tanta agressividade. Mas o patógeno foi descoberto este ano. Há um grande avanço da pesquisa brasileira e já temos todo o protocolo para fazermos o manejo desta doença. É preciso uma identificação precoce para termos êxito no tratamento. Essa, sim, é um problema sério. Outro é o Sphenophorus levis, ou bicudo-da-cana-de-açúcar, que também é um inseto causador de pragas de solo e da soqueira de cana-de-açúcar, muito agressivo. Com estes repetidos períodos de seca ao longo dos anos, ele tem sido muito agressivo e danificado bastante os nossos canaviais”, destaca Romão.

Segundo Romão, existem outros inimigos da cana ainda mais perigosos. “Então, acho que, pela ordem de maiores inimigos das plantações, estaria o Sphenophorus levis, hoje o principal agressor. A murcha é um ponto de atenção severo, fora os demais que já temos. Temos que manejar constantemente. Temos que estar presentes para termos sempre mudas sadias. As mudas têm que ser de origem conhecida para termos a certeza de isenção de patógenos, pragas e doenças, e a certeza da variedade com a qual se está trabalhando. Temos que buscar um canavial sadio dentro da gama de incertezas e desafios que enfrentamos. O preço da produção neste ano tem sido muito alto para nós, produtores. Então, devemos ter atenção especial no manejo de pragas. É uma premissa muito importante”, conclui o especialista.

Docente do IB e um dos autores do artigo, Diogo Cavalcanti Cabral-de-Mello atua há 14 anos em um laboratório do Departamento de Biologia Geral e Aplicada dedicado ao estudo da evolução genômica de insetos. Mello diz que sua especialização na investigação da diferenciação genômica de insetos fez com que, há dez anos, recebesse o contato de empresas agrícolas. “Alguns produtores estavam enfrentando dificuldades para controlar a praga por meio de defensivos químicos, por isso pediram nossa ajuda”, diz.

“Os produtos que eles aplicavam não estavam se mostrando eficazes no combate às pragas, e isso gerava problemas. Cogitou-se que talvez os insetos tivessem desenvolvido resistência. Porém, uma pesquisadora da unidade da Embrapa em Araras formulou a hipótese de que talvez se tratasse de uma espécie diferente e enviou amostras para serem analisadas por um grupo de pesquisadores da PUC-RS que atua na área de taxonomia de insetos”, conta.

A partir dessa suspeita, os grupos de pesquisadores da Unesp e da PUC-RS começaram a trabalhar em conjunto por duas vias: a análise morfológica, feita pelos cientistas Andressa Paladini e Gervásio Silva Carvalho, e a análise genética, conduzida por Mello. Cada equipe estudou as amostras fornecidas pela empresa e reuniu evidências que confirmaram se tratar de uma nova espécie.

As amostras colhidas junto aos produtores rurais foram comparadas com dados de M. fimbriolata e M. spectabilis para identificar semelhanças e diferenças genéticas. Graças a um marcador de DNA presente nas mitocôndrias, o docente da Unesp conseguiu fazer a distinção entre as espécies. “Em uma das espécies, esse marcador genético apresenta um padrão conhecido, conservado, com pequenas variações. No caso de espécies diferentes, o marcador sofre variações maiores. Isso nos permite dizer que o indivíduo pertence a uma ou outra espécie”, explica.

Foram analisados mais de 300 indivíduos coletados entre 2012 e 2015 nas usinas de cana-de-açúcar. “Do ponto de vista genético, havia uma diferença marcante, mas que não era muito grande quantitativamente. Para estabelecer a diferenciação entre espécies de insetos, não há um número fixo de variações do DNA. Isso vai depender do grupo em questão. No caso dos mamíferos, já está bem estabelecido. Insetos, porém, são muito mais diversos, e é difícil estabelecer parâmetros”, afirma Mello.

Daí a necessidade de uma análise morfológica complementar para constatar que o que estava diante dos olhos dos pesquisadores era, efetivamente, uma espécie diferente. “Na taxonomia integrativa, é importante adotar várias linhas de evidência. Embora a análise genética sozinha não assegure 100% de segurança, a união com outros dados reforça o fato de que se trata de uma nova espécie”, diz o docente.

Ao analisar a morfologia das amostras, Paladini identificou uma diferença sutil, mas marcante, na genitália dos machos. A nova espécie possui uma parte da genitália bifurcada e pontiaguda, enquanto as outras apresentam um formato quadrangular não bifurcado. Essa característica inspirou o nome do inseto descoberto: Mahanarva diakantha, termo que significa “dois espinhos”.

Eduardo Romão: ““Esta é uma nova espécie de cigarrinha. Mas por ora não há nenhum grande alarde que temos com outras pragas, que são a Murcha da Cana de Açúcar, que está muito agressiva no Triângulo Mineiro, muito agressiva em Ribeirão Preto”

NOVAS ESTRATÉGIAS DE COMBATE À PRAGA – A identificação da nova espécie é o primeiro passo para a elaboração de estratégias e produtos de controle adequados. “Quando se trata de escolher o produto para combater alguma praga, é possível que as substâncias utilizadas tenham ação direcionada para uma certa espécie. Mesmo que as espécies sejam próximas, o produto pode ser eficaz contra uma, mas não contra outra. Aparentemente era isso que estava sendo observado nas usinas”, explica Mello.

Após a descrição da nova espécie, a pesquisadora Andressa Paladini revisou coleções da Universidade Federal do Paraná, onde atualmente leciona, e identificou registros da década de 1960 de espécimes de M. diakantha classificados incorretamente como M. fimbriolata. Os próximos desafios envolvem compreender fatores biológicos, populacionais, taxas reprodutivas e análise da diversidade genética da nova espécie em relação a outras pragas. Também é preciso investigar amostras mais recentes. As usadas no estudo datam de 2012 a 2015, e o cultivo de cana-de-açúcar mudou bastante desde então.

Odair Aparecido Fernandes, docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, câmpus de Jaboticabal, e líder do Centro de Pesquisa em Engenharia – Fitossanidade em Cana-de-Açúcar (Cepenfito), acredita que a nova cigarrinha não deve representar um risco expressivo às lavouras. “Embora não tenhamos identificado essa cigarrinha anteriormente, as ferramentas de controle biológico têm sido um sucesso. Então, quero imaginar que vamos continuar tendo sucesso. Mas pode ser que alguns resultados que não eram satisfatórios sejam explicados pelo fato de se tratar de uma nova espécie. Isso precisa ser melhor elucidado”, afirma.

Atualmente, o método de combate mais utilizado é o controle biológico feito com o fungo Metarhizium anisopliae. O fungo é cultivado em laboratório, geralmente sobre grãos de arroz, separado e misturado com água para aplicação nas plantações. Por ser um produto seletivo, ataca apenas insetos e não oferece riscos à cana ou ao ser humano. “Esse é um dos mais expressivos exemplos, em termos mundiais, de aplicação de controle biológico com elevada eficácia”, afirma Fernandes.

Mesmo assim, será necessário conduzir novas pesquisas com M. diakantha para avaliar o impacto das técnicas para combatê-la. Mello passará a integrar o Cepenfito, onde pretende colaborar em estudos de controle de pragas. O pesquisador também orienta uma pesquisa de doutorado que pretende realizar a montagem genômica das três espécies de cigarrinha. Essa pesquisa, voltada à ciência básica e ao estudo de sua evolução, busca compreender o processo evolutivo de separação das espécies. Pela similaridade entre elas, a hipótese é que a separação ocorreu nos últimos 100 mil anos.

“O sequenciamento do genoma da espécie abre a possibilidade de desenvolvimento de uma agricultura de precisão, pois permite enxergar as variações existentes e estudar como isso afeta o controle de insetos. Assim, é possível desenvolver técnicas personalizadas para combater diferentes pragas”, diz Mello.

COLABORAÇÃO COM O SETOR PRIVADO – Mello afirma que os bons resultados alcançados pela pesquisa só foram possíveis graças à colaboração entre os grupos da Unesp, PUC-RS e setor privado. “Juntamos um pouco do que cada um sabia para podermos caminhar com precisão”, afirma. “A universidade deve estar aberta a resolver problemas da sociedade. No nosso caso, conseguimos utilizar a ciência básica para colaborar na resolução de um problema aplicado.”

O próprio Cepenfito é um exemplo de cooperação público-privada, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Grupo São Martinho. O centro desenvolve atualmente 55 projetos na área de saúde vegetal e manejo de pragas, muitos deles em parceria direta com o setor produtivo e com indústrias sucroalcooleiras.

AS PRINCIPAIS AMEAÇAS À CULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR – Fernandes aponta que a cultura da cana enfrenta hoje duas grandes ameaças. A primeira é a síndrome do murchamento da cana, causada pela combinação de fatores abióticos, como seca e mudanças climáticas, e bióticos, como fungos e pragas. A doença provoca descoloração do colmo, perda de ceras e de água, levando ao murchamento da planta e podendo reduzir a safra em até 40%.

A segunda ameaça é o bicudo-da-cana, um besouro que vive no solo, próximo às raízes ou dentro do caule, alimentando-se do tecido vegetal e causando perdas de cerca de 25 toneladas por hectare. O inseto tem se espalhado devido ao método mecanizado de colheita, que mantém a palha da cana no solo — prática benéfica para a conservação da umidade, mas que favorece a proliferação da praga.

De acordo com Fernandes, o controle dessas ameaças ainda é um desafio devido à escassez de informações. “O Cepenfito tem buscado estreitar o diálogo com o setor produtivo para desenvolver estratégias de manejo mais eficazes. Os projetos em andamento atendem bem às demandas das regiões Centro-Sul e Sudeste”, diz.

MANEJO DAS PRAGAS DA CANA-DE-AÇÚCAR – Embora tenhamos apresentado apenas algumas das principais pragas da cana-de-açúcar neste artigo, é necessário reforçar que, para o bom controle de todas elas, a recomendação é o monitoramento constante das lavouras e a adoção de medidas de controle adequadas.

Com foco na sustentabilidade, rentabilidade e assertividade, é cada vez mais comum a integração de inseticidas químicos e biológicos para a redução de danos causados por insetos na produção de cana-de-açúcar.

Além disso, as boas práticas agrícolas também são fundamentais no manejo das pragas da cana-de-açúcar. Entre as principais ações, estão:

(Com informações da Agência SP)