Artigo Rui Sintra

Natal - O grande palco do "nonsense" está chegando

28 NOV 2025 • POR Da redação • 15h09
Rui Sintra - arquivo pessoal

Está chegando mais um Natal, essa época em que as cidades brilham como se fossem Las Vegas e todos nós fingimos, por alguns dias, que vivemos num conto de fadas. Só que por trás das luzes e dos embrulhos dourados, o cenário é o mesmo de sempre: corrupção sem fim, insegurança nas ruas, desigualdades escancaradas e políticos transformando a data em palanque.

O presépio? Já foi substituído pela vitrine. A estrela de Belém? Agora é uma hashtag patrocinada. O espírito natalino? Hoje, ele veste a pele de influenciador digital que vende milagres em parcelas e transforma solidariedade em “conteúdo”. Faz “lives” com discursos emotivos exibidos no teleprompter, recomenda produtos “essenciais para o Natal perfeito”, infla a vaidade pretendendo ser cada vez mais notado, e/ou fecha contratos milionários enquanto posa como mensageiro da esperança. É o espetáculo travestido de humanidade.

E o povo? Esse, sim, é o personagem mais contraditório do enredo. De um lado, milhões preparam-se para correr para os shoppings empurrando carrinhos de compras como se a salvação dependesse de quantos embrulhos cabem debaixo da árvore, enquanto do outro lado centenas de milhares pretendem enfrentar filas para receber uma cesta básica doada, onde a caridade vira foto de propaganda.

O mesmo povo que aplaude o discurso no noticiário é também aquele que, resignado, se agarra ao milagre da loteria de fim de ano. A insegurança urbana não tira férias. Enquanto uns irão disputar presentes em corredores lotados, outros continuarão a lutar pela sobrevivência, com medo de assaltos, violência ou da simples falta de pão.

Nas redes sociais, a encenação já ganha contornos de ópera. Influenciadores, políticos e celebridades competem pelo espetáculo mais brilhante: quem tem a árvore mais reluzente, o jantar mais extravagante, a mensagem mais “inspiradora”, a roupa mais “in”. O povo, espectador fiel, aplaude, compartilha, comenta — mesmo sabendo que aquela felicidade embalada em papel dourado jamais chegará ao seu prato.

Eis a ironia: o Natal, que nasceu como símbolo de humildade, converteu-se em monumento à hipocrisia. Celebramos abundância em meio à escassez, falamos de paz em meio à violência, brindamos à esperança enquanto engolimos notícias de corrupção e roubo como se fossem sobremesas obrigatórias.

No fundo, o que o Natal revela não é apenas a falsidade e o cinismo de muitos, mas, acima de tudo, também a conivência de um povo que, entre a necessidade e a esperança, aceita o espetáculo — a novela como consolo.

Talvez o verdadeiro milagre de Natal seja a nossa infinita capacidade de acreditar em ilusões, de conviver com tanta contradição e ainda chamá-las de celebração.

Feliz Natal!!!!