Cineasta são-carlense destaca subversão silenciosa de "Agente Secreto"
Em cartaz nos cinemas de São Carlos, filme tem sido premiado e deve representar o Brasil no Oscar 2026
22 NOV 2025 • POR Da redação • 12h02Para o cineasta são-carlense João Carlos Massarolo, o longa-metragem Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, atualmente em cartaz nas salas de cinema da cidade, é um daqueles filmes tarantinescos: envolventes, estilizados e, por vezes, efêmeros; bons para se ver e esquecer logo depois. “Mas isso não é, necessariamente, um defeito. Ao contrário, trata-se de uma escolha consciente e eficaz ao abordar o período da ditadura militar como um ‘tempo cheio de pirraça’”, destaca ele.
De acordo com o cineasta e professor do curso de Imagem & Som da UFSCar, a expressão, dita por Dona Sebastiana, personagem vivida com carisma pela atriz potiguar Tânia Maria, de 78 anos, revela uma camada que passou despercebida em muitos comentários sobre o filme: a necessidade dos “agentes secretos” de recorrerem a subterfúgios, códigos e mensagens cifradas para escapar da vigilância do regime. No contexto da obra, a frase adquire um tom irônico, funcionando como resposta crítica à fala do ex-presidente Jair Bolsonaro, que, em entrevista de 2020, utilizou a mesma expressão para minimizar a violência institucionalizada do regime militar (1964–1985).
“Nesse sentido, ‘tempo cheio de pirraça’ ganha contornos mais profundos: um momento histórico marcado pela desobediência civil, pela resistência criativa e pela poesia provocadora — tudo isso sem renunciar ao humor. Em vez da representação tradicional de guerrilheiros armados, comum na filmografia da região Sudeste, Agente Secreto opta por um retrato mais sutil e simbólico. Essa abordagem dialoga com a proposta que adotei no curta-metragem O Quintal dos Guerrilheiros (2005), ao retratar, de forma mais sutil, poetas que, forçados pelas circunstâncias, aderiram à resistência armada sem perder a ternura nem o senso de humor”, explica Massarolo.
No filme, o protagonista interpretado por Wagner Moura circula por Recife, cidade natal do diretor, retratada com afeto e intimidade, como um homem comum, embora envolto em mistério. “Sabemos apenas que foi um pesquisador renomado e chefe de departamento de pesquisas na Universidade Federal de Pernambuco, uma das mais prestigiadas instituições do país. O motivo de sua perseguição por um empresário do Sudeste, possivelmente ligado ao regime, permanece obscuro. Essa ausência de explicação remete ao conceito de MacGuffin, cunhado por Alfred Hitchcock: um elemento narrativo que move a trama, mas cuja natureza é irrelevante para o espectador”, destaca o cineasta e professor.
Segundo Massarolo, ao narrar a trajetória desse homem comum disfarçado de agente secreto, o filme enfrenta alguns tropeços estruturais. “Como observa o professor Renato Janine Ribeiro, há fragilidades evidentes nas tramas entrelaçadas, que só começam a fazer sentido com a entrada, breve, mas decisiva, de Maria Fernanda Cândido. Sua aparição ativa um recurso clássico da dramaturgia: o Deus ex machina, utilizado para explicar, de forma didática, os acontecimentos da primeira hora do filme. Esse procedimento pode ser encontrado nos filmes de Robert Altman (O Jogador (1992) e Short Cuts – Cenas da Vida (1993), entre outros), fazendo uso de catástrofes naturais para amarrar pontas soltas da estrutura multiplot.”
Maria Fernanda Cândido também integrou o elenco do curta-metragem Deus Ex-Machina (1995), do cineasta gaúcho Carlos Gerbase. Talvez essa coincidência tenha influenciado sua escalação, funcionando como uma piscadela metalinguística ao público atento. Por outro lado, ao incluir a lenda da “perna cabeluda”, o diretor presta uma homenagem ao seu curta-metragem de estreia, A Menina do Algodão (2002), estabelecendo um elo entre suas obras. Os cortes (vídeos curtos) da lenda urbana, que circulam nas redes sociais desde o lançamento do filme, não são uma novidade: Mendonça é um exímio criador de conteúdos e sabe como utilizá-los para promover suas obras. Curiosamente, essa mesma lenda inspirou o primeiro curta-metragem dos estudantes do curso de Imagem e Som da UFSCar: A Loira do Pinhal (Super-8, 1997).
Assim como a autoria das lendas recifenses é disputada, pouco ou nada se sabe sobre as maternidades e paternidades que estruturam os núcleos dramáticos do filme — um tema também central em Central do Brasil e Ainda Estou Aqui. No entanto, a busca por suas origens não se configura como mais um MacGuffin. O longo epílogo do filme, mais falado do que mostrado, clara herança do cinema francês — país de origem da companheira e produtora de Mendonça — introduz novos elementos do melodrama familiar, ainda que de forma menos contida do que em Ainda Estou Aqui.
“Por fim, vale destacar o trabalho primoroso da banda sonora, um dos pontos altos do filme. A trilha foi finalizada no exterior e incorpora regravações de clássicos nordestinos, reforçando o vínculo afetivo e cultural com a região retratada”, conclui o especialista.