Pesquisa descobre 22 crianças e adolescentes de São Carlos vivendo em união conjugal
Chefe de Seção da Proteção Social Especial vê situação com preocupação, já que uma união rompe com trajetórias, planos e perspectivas de vida, interrompendo a infância e impondo responsabilidades para as quais não estão preparadas
22 NOV 2025 • POR Da redação • 07h39Dados do Censo 2022, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), fazem uma revelação preocupante. A pesquisa mostra que 22 jovens entre 10 e 14 anos viviam em união conjugal em São Carlos naquele ano.
As informações fazem parte do módulo sobre nupcialidade e estrutura familiar do questionário censitário, baseado nas respostas fornecidas pelos próprios moradores.
A terapeuta ocupacional e chefe de Seção da Proteção Social Especial de Média Complexidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania, Roberta Justel do Pinho, explica que os dados levantados pelo Censo 2022 acerca do casamento infantil revelam situações de extrema violação de direitos de crianças e adolescentes, especialmente meninas, considerando que há um recorte de gênero que as coloca em maior risco.
“Sabe-se que essas situações, na verdade, decorrem da exposição a violências e violações de direitos, como a violência sexual e a exploração sexual (quando a violência sexual envolvendo crianças e adolescentes se relaciona a uma troca econômica, financeira ou não)”, comenta.
Segundo ela, o município de São Carlos, a partir das notificações de violências realizadas, monitora tais dados — algo fundamental para a elaboração de políticas de proteção, enfrentamento ou mesmo prevenção dessas violações de direitos.
“Daí a importância da notificação, que é obrigatória aos profissionais da rede de proteção, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Fluxo de Comunicação e Atendimento de Violências já pactuado na rede, bem como das denúncias, que podem ser realizadas por qualquer cidadão, por canais anônimos como o Disque 100”, ressalta Roberta.
Ela explica ainda que o atendimento e acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de risco por violação de direitos e violências se dá por meio dos serviços da rede de proteção, que integram o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. Fazem parte dessa rede os serviços das políticas de Assistência Social (Centros de Referência de Assistência Social – CRAS; Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS; Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, entre outros), Saúde (Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Saúde da Família, serviços especializados e de saúde mental), Educação, Escuta Especializada e demais políticas que, integradas, têm a função de garantir proteção e cuidado a essas crianças, adolescentes e suas famílias.
Ela destaca que o Conselho Tutelar atua monitorando e acompanhando o trabalho da rede de proteção, garantindo que os direitos das crianças e adolescentes sejam assegurados pelas políticas públicas. Assim, o trabalho integrado entre os serviços de atendimento e os Conselhos Tutelares é fundamental para a efetiva proteção e garantia de direitos.
PANORAMA GERAL
Roberta Justel comenta que, apesar de ser proibido no país, o casamento infantil afeta um número significativo de meninas e adolescentes brasileiras abaixo dos 18 anos. “Embora, no Brasil, a idade mínima para casar seja 16 anos, com autorização dos pais e/ou responsáveis legais, de acordo com o Instituto Alana, é essencial que o casamento não seja visto como uma simples escolha dessas meninas – que são as mais atingidas –, especialmente porque são pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, razão pela qual merecem proteção especial.”
O casamento infantil, enfatiza ela, está associado, na maioria das vezes, a situações de pobreza e extrema desigualdade social, em contextos em que inúmeros direitos sociais já foram violados na trajetória dessas meninas e adolescentes.
“Em relação aos impactos dessa violação de direitos, inúmeras pesquisas e estudos apontam que o casamento infantil afeta negativamente o desenvolvimento das meninas, tendo impacto direto sobre sua saúde, educação, trabalho e renda familiar, além de aumentar o risco de violência doméstica”, diz Roberta.
A chefe de Seção da Proteção Social Especial afirma que, além disso, a união precoce rompe trajetórias, planos e perspectivas de vida, interrompendo a infância e impondo responsabilidades para as quais elas não estão preparadas emocional, física e socialmente.
Outros estudos apontam que essas meninas estão mais expostas à gravidez precoce, problemas de saúde mental e fragilização dos vínculos com outros familiares, além do abandono escolar — o que impacta diretamente o acesso ao mercado de trabalho, contribuindo para perpetuar o ciclo de pobreza, desigualdade e violências.
“De acordo com o Instituto Alana, o enfrentamento dessa problemática envolve vários setores da sociedade, bem como a formulação de políticas públicas, além da incorporação do tema à agenda dos integrantes do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente”, afirma a especialista.
Segundo ela, além da visibilidade às consequências do casamento infantil, esse enfrentamento exige ações integradas, sensibilização da sociedade e fortalecimento das políticas públicas voltadas à proteção da infância. “Garantir que meninas tenham acesso à educação, saúde e oportunidades é essencial para a prevenção e a ruptura de ciclos de violência, além da promoção do pleno exercício de seus direitos humanos”, conclui.
SITUAÇÃO CONJUGAL EM SÃO CARLOS
Em São Carlos, 225.922 pessoas com 10 anos ou mais responderam à pesquisa. Deste total, 119.750 declararam viver em união conjugal, enquanto 106.162 afirmaram não viver em união.
A legislação brasileira proíbe o casamento civil entre menores de 16 anos, salvo em situações excepcionais autorizadas pela Justiça:
“Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código.”
Contudo, o IBGE destaca que não é sua função verificar a legalidade dessas relações, já que o Censo não solicita certidões ou documentos.
ENTRE AS PESSOAS QUE VIVEM EM UNIÃO
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21.572 não têm instrução ou possuem apenas o ensino fundamental incompleto;
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15.806 concluíram o ensino fundamental ou têm o ensino médio incompleto;
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49.541 têm ensino médio completo ou superior incompleto;
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32.831 declararam possuir ensino superior completo.
RELIGIÃO
A pesquisa também revela o perfil religioso dos moradores em união conjugal. Os católicos e evangélicos representam a maioria, com 66.460 católicos e 30.187 evangélicos. Além disso, 4.365 se declararam espíritas, 1.449 seguem Umbanda ou Candomblé, e 17.267 afirmaram não ter religião ou não declararam.