Dia da Consciência Negra

São Carlos chegou a ter 3.774 escravos no século XIX

A saga e o sofrimento da população negra que construiu a riqueza do interior paulista e a mancha racista na história do município

20 NOV 2025 • POR Da redação • 10h11
Escravidão: Na Fazenda Santa Maria ainda existem as rudes habitações primeiro ocupadas pelos escravos negros e depois pelos italianos que os substituíram após a abolição. - Reprodução/Facebook

Em 1884, mesmo ano em que a ferrovia chegou a São Carlos, o número de escravos atingiu seu ápice. O município chegou a 3.774 pessoas escravizadas. Segundo o professor Álvaro Rizzoli, Caetité, no Estado da Bahia, foi o grande centro exportador de escravos para São Carlos do Pinhal, que era importante centro importador de mão de obra cativa.

O negócio era tão lucrativo que os maiores comerciantes de escravos do interior baiano acabaram se mudando para São Carlos, inclusive como fazendeiros, o que facilitava a transferência de escravos, pois o deslocamento de cativos entre propriedades do mesmo senhor era permitido. No período entre 1874 e 1882, as transações cresceram 121%.

Apesar de São Carlos ter sido criada no período de decadência do tráfico negreiro, a dura verdade é que os cafeicultores da cidade exploraram a escravidão ainda por 30 anos. Pelo Censo Paroquial de 1874, a população negra do município incluindo escravos, pardos livres e pretos livres correspondia a 39,3% do total de habitantes. A população era de 7.897 indivíduos, sendo 1.568 escravos, dos quais 926 eram homens e 642 mulheres.

A data de fundação de São Carlos do Pinhal, em 1857, coincide com o declínio do regime escravista no Brasil. A Lei da Extinção do Tráfico Negreiro, de 1850, indicava que este tipo de mão de obra serviria por pouco tempo. A partir de então, o valor dos escravos aumentou em até 100% na região.

Além da dificuldade para conseguir escravos, devido à inflação de seus preços, ocorreu a explosão da produção cafeeira, que aumentou a demanda por trabalhadores em grande quantidade. O café tornava-se uma alternativa real de investimento e enriquecimento. O avanço da produção fez com que escravos fossem trazidos do Nordeste, comprados a peso de ouro. São Carlos teve, entre 1884 e 1887, o dobro do número de escravos de Araraquara, mas sempre em menor quantidade que Rio Claro.

Os escravos eram tratados como verdadeiras máquinas de trabalho. Labutavam de sol a sol e só descansavam aos domingos. A jornada chegava a até 16 horas por dia. Não tinham quase nenhum tempo para a lavoura de subsistência. Aos domingos, pescavam para complementar a alimentação, pois durante a semana as refeições eram uma lavagem de milho e feijão servida em cuias. Ao acordar, recebiam café adoçado com açúcar mascavo e, no inverno, eram obrigados a tomar aguardente. Com exceção do toucinho, carne era artigo raro.

Moravam em senzalas sem janelas e ficavam expostos a várias doenças. Muitos não passavam dos 30 anos. As causas mais comuns de óbito eram traumatismos, doenças cardiovasculares e inanição. As pessoas escravizadas recebiam apenas o nome de batismo e eram registradas somente com o nome da mãe. Além disso, havia nomes repetidos e, às vezes, o filho era batizado com o nome do dono ou com o nome de um santo.

Esses seres humanos não eram considerados cidadãos e não possuíam qualquer direito. O Código Comercial da época incluía os escravos entre os bens móveis. Embora isso não os transformasse em objetos, eram transacionados, e o Estado recolhia impostos sobre essas negociações.

Em 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre e, em 1885, a Lei dos Sexagenários. Em 1888, finalmente, a princesa Isabel sancionou a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil. Após a alforria, muitos escravos permaneceram nas fazendas, mesmo ganhando salários muito menores que os dos imigrantes.

A maioria dos escravos da Fazenda Pinhal formou a Vila Izabel no final do século XIX, depois de deixarem a propriedade rumo a São Carlos. Sofriam todo tipo de discriminação, mas ainda assim conseguiram preservar seus costumes. Na região onde hoje está a Vila Pureza, também foram erguidos vários casebres que abrigavam ex-escravos. O local era preconceituosamente chamado de "cinzeiro".

Ao anoitecer, centenas de negros iam para o local. Antes da sessão um misto de ritual religioso e dança havia grande silêncio. Essa tranquilidade era quebrada apenas pelo chefe do terreiro, que dirigia a palavra aos presentes em uma melodia que lembrava uma oração.

Batuques, danças e umbigadas se sucediam com grande energia dos bailarinos e participantes. A dança frenética seguia até um êxtase, para depois parar e recomeçar. A coreografia era tão intensa que muitos brancos que iam ao local e tentavam imitar os passos acabavam no chão.

As danças no "cinzeiro" tornaram-se uma atração em São Carlos. Era um evento que precedia a Umbanda, o Candomblé, as escolas de samba e as academias de capoeira, revelando a riqueza cultural dos afrodescendentes.