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Pesquisadores de São Carlos criam língua eletrônica feita de polímeros com enxofre para detectar metais pesados na água

17 NOV 2025 • POR Rui Sintra • 08h05
Torneira - divulgação

Um grupo de cientistas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), da Embrapa Instrumentação e do Instituto Federal de São Paulo, campus Araraquara, desenvolveu uma nova língua eletrônica capaz de identificar metais pesados na água de forma rápida, precisa e de baixo custo. A língua eletrônica foi produzida com polissulfetos, que são polímeros ricos em enxofre, obtidos por um processo sustentável chamado vulcanização inversa.

O estudo, publicado no Journal of Applied Polymer Science, demonstra que a língua consegue distinguir metais tóxicos como mercúrio (Hg²), prata (Ag) e ferro (Fe³), mesmo em concentrações extremamente baixas — no caso do mercúrio, até 1 nanomol (uma bilionésima parte de um mol). A precisão do sistema ultrapassa 99% quando técnicas de aprendizado de máquina são utilizadas para analisar os sinais elétricos gerados pela interação dos metais com o material.

Segundo os pesquisadores, o diferencial da tecnologia está no uso do enxofre, um resíduo abundante na indústria petroquímica, transformado em material sólido e estável por meio da vulcanização inversa. Esse processo não utiliza solventes, não gera subprodutos tóxicos e segue os princípios da química verde.

"A afinidade dos polissulfetos por metais pesados, especialmente o mercúrio, é o que os torna tão eficazes", explicou o pesquisador do IFSC/USP, Prof. Osvaldo Novais de Oliveira Junior. "Os domínios de enxofre atuam como múltiplos pontos de ancoragem, ligando-se seletivamente aos íons tóxicos. Além disso, ao usar uma matriz de sensores e aprendizado de máquina, podemos analisar misturas complexas em amostras do mundo real, como água da torneira, com alta confiabilidade", salienta o pesquisador.

A língua eletrônica funciona de modo semelhante ao paladar humano, combinando diferentes sensores que interagem de maneira distinta com as amostras líquidas, criando um “padrão de sabor” característico de cada substância. No experimento, três tipos de polissulfetos foram testados e as medições foram feitas por espectroscopia de impedância, técnica que avalia como o material responde a correntes elétricas em diferentes frequências.

O sistema apresentou alto desempenho mesmo em amostras reais de água da torneira e manteve sua eficiência na presença de outros íons, como chumbo, cobre e zinco — contaminantes comuns em águas poluídas.

Perigos dos metais pesados

Os metais pesados estão entre os poluentes mais perigosos do planeta, pois não são biodegradáveis e se acumulam no corpo e no ambiente. Mesmo em pequenas quantidades, podem causar sérios danos à saúde:

Outros metais, como chumbo, cádmio, cobre e cromo, também são altamente tóxicos, podendo causar câncer, anemia, problemas renais e malformações congênitas. Esses contaminantes podem atingir a água por meio de atividades industriais, mineração, descarte inadequado de resíduos e uso de agrotóxicos.

Tecnologia sustentável a favor do meio ambiente

Além de sua alta precisão, a nova língua eletrônica se destaca por ser simples de fabricar e de baixo custo, o que a torna promissora para uso em monitoramento ambiental e controle da qualidade da água em regiões afetadas por poluição.

"O cerne da nossa inovação é o uso de polissulfetos, que são sintetizados num processo simples e sustentável chamado 'vulcanização inversa'", pontua a pesquisadora Dra. Stella do Valle, autora principal do artigo. "Este método transforma o excesso de enxofre do refino de petróleo em materiais funcionais e de alto valor. Estamos dando um novo propósito 'verde' a um resíduo industrial", concluiu.

O avanço reforça o papel da ciência brasileira na busca por soluções sustentáveis e acessíveis para problemas ambientais complexos, oferecendo uma alternativa eficiente no combate à contaminação por metais pesados.

Além dos pesquisadores Osvaldo Novais de Oliveira Junior e Stella F. do Valle, assinam este estudo: Andrey Coatrini Soares (IFSC/USP), Mario Popolin Neto (IFSP/Araraquara), Cauê Ribeiro e Luiz Henrique Capparelli Mattoso (Embrapa Instrumentação).

Confira no link a seguir o artigo científico original publicado no Journal of Applied Polymer Science:
https://www2.ifsc.usp.br/portal-ifsc/wp-content/uploads/2025/11/J-of-Applied-Polymer-Sci-2025-Valle-Polysulfides-From-Inverse-Vulcanization-Used-in-Electronic-Tongues-for-Heavy-chu.pdf

(Rui Sintra – Jornalista – IFSC/USP)