CULTURA

Ferreirense reúne 200 mil discos de vinil e de cera que contam história da música

O acervo inclui desde o primeiro registro do primeiro samba feito no Brasil até gravações acústicas sem energia elétrica ou microfone

6 NOV 2025 • POR Marco Rogério Duarte • 14h46

O ferreirense, músico e ex-vereador Miguel Bragioni Lima Coelho é um dos maiores colecionadores de discos de vinil (LPs – long plays) e de discos de cera (goma-laca) do Brasil, com mais de 200 mil exemplares em seu acervo pessoal. Os discos de cera ou goma-laca foram produzidos entre 1902 e 1964.

O acervo está atualmente armazenado em uma residência em Porto Ferreira, locada exclusivamente para esse fim. Ao todo, ele ocupa um espaço de 300 metros quadrados. Entre os itens, há discos históricos que contam a saga do cancioneiro popular brasileiro. Para manter a coleção, Bragioni arca com um custo mensal de cerca de R$ 2 mil.

Formado em Letras, ele afirma que consegue sustentar os gastos graças à comercialização de discos antigos. “Quando compro discos, eles vêm num grande acervo com títulos duplicados ou até triplicados, o que me dá a possibilidade de vender para arcar com essas despesas. Tive que encontrar meios pragmáticos para manter este acervo, pois viver de idealismo é a receita certa para o fracasso”, relata.

O amor de Bragioni pela mídia física começou quando ele tinha apenas 11 anos, ao receber três discos de presente. Desde então, passou a se dedicar à busca de novos títulos para a coleção.

O acervo inclui desde o primeiro registro de música sertaneja feito no Brasil até raríssimas gravações acústicas realizadas sem energia elétrica ou microfone. Esses discos preservam a voz crua do cantor, capturada por um dispositivo mecânico que gravava as vibrações diretamente na superfície do disco. Eram essas as mídias executadas nos antigos gramofones e grafonolas do século XIX. Durante 25 anos, esses discos foram produzidos sem eletricidade.

Além disso, os chamados “bolachões”, que giram a 78 rotações por minuto, compõem parte significativa do acervo. Esse formato foi um dos primeiros lançados mundialmente e requer cuidados especiais devido à sua fragilidade.

Entre as relíquias guardadas estão obras icônicas, como o samba “Pelo Telefone”, registrado originalmente em 1917 sem recursos elétricos modernos — considerado o primeiro samba gravado no país. O acervo também inclui versões posteriores interpretadas por artistas consagrados, como Martinho da Vila.

Sobre possíveis parcerias com o poder público por meio de leis de incentivo à cultura, como a Rouanet e a Aldir Blanc, Bragioni demonstra desânimo. “Realmente é uma saída muito complexa e difícil, e a gente acaba desistindo desse caminho”, comenta.

Miguel também preserva exemplares únicos destinados exclusivamente às emissoras de rádio nos anos 1940, época anterior à popularização das televisões coloridas, incluindo os chamados “picture discs”, importados, com ilustrações relacionadas às músicas.

O colecionador nunca fez seguro do acervo, afirmando que os custos seriam inviáveis. Sem herdeiros para manter a coleção, seu sonho é que, após sua morte, o acervo seja repassado a um colecionador com o mesmo perfil e interesse, ou doado a uma instituição cultural privada que possa preservá-lo e apresentá-lo às novas gerações, para que conheçam a história da música e do vinil.