Infância em risco: quando as drogas destroem o lar
1 NOV 2025 • POR Lourival Izaque • 19h14O lar, que deveria ser sinônimo de segurança e afeto, muitas vezes se transforma em cenário de medo, abandono e dor quando o uso de drogas entra em cena. Em São Carlos, conselheiros tutelares e especialistas apontam que a dependência química de pais e responsáveis tem deixado marcas profundas em crianças e adolescentes.
Durante a apuração desta reportagem, o São Carlos Agora teve acesso a imagens de residências abandonadas, sujas e cheias de restos de comida, roupas espalhadas e brinquedos esquecidos retratos reais de um ambiente onde o vício se sobrepõe aos cuidados básicos e à presença emocional.
“Há crianças vivendo entre entulhos e entorpecentes”
A conselheira Ariane, do Conselho Tutelar 2 de São Carlos, junto dos conselheiros Adriana, Lucas, Vinícius e Laila, afirma que uma parte significativa dos atendimentos realizados está ligada ao uso de drogas ou álcool dentro das famílias.
“É difícil quantificar, mas percebemos que grande parte dos casos envolve dependência química. Muitas crianças vivem em ambientes degradados, sem alimentação, higiene, educação ou segurança. Em situações mais graves, chegam a sofrer agressões físicas, abuso e até risco de morte”, relata.
Segundo eles, o Conselho busca encaminhar os casos à rede de proteção, mas nem sempre há retorno efetivo.
“Nos sentimos impotentes diante da falta de estrutura dos serviços de saúde mental e de combate à drogadição. A rede de proteção muitas vezes falha onde deveria amparar.”
Os conselheiros destacam ainda que o problema atravessa todas as classes sociais, mas é mais visível nas famílias de baixa renda:
“Nas classes mais altas, o uso de drogas também existe, mas há recursos para esconder o problema. Já nas periferias, o sofrimento é exposto, e as crianças acabam sendo as maiores vítimas.”
Em tom de alerta, eles fazem um apelo à sociedade:
“Enquanto aceitarmos o sofrimento infantil como algo normal ou cultural, os casos vão se agravar. A empatia salva vidas. Não feche os olhos.”
“A criança perde o chão emocional”
Para a psicanalista Kelly Oliveira, a dependência química dentro do lar rompe o que há de mais essencial para o desenvolvimento humano: a estabilidade emocional.
“Nos primeiros anos de vida, a criança depende da presença afetiva dos cuidadores. Quando o ambiente é marcado por uso de drogas, há falhas nessa presença, e o lar deixa de oferecer previsibilidade e segurança”, explica.
Segundo ela, as consequências surgem em forma de ansiedade, regressões, medo, comportamento agressivo ou retraído e até tentativas de cuidar dos próprios pais o que ela chama de parentificação.
“Esses comportamentos são gritos silenciosos. A criança tenta sobreviver emocionalmente em um ambiente imprevisível e ameaçador. O afeto não é um luxo é uma necessidade psíquica”, destaca.
Kelly lembra que o ciclo tende a se repetir: filhos de dependentes químicos têm maior risco de desenvolver o mesmo padrão na vida adulta.
“O uso de drogas pode simbolizar uma forma inconsciente de manter o laço com a dor familiar. Romper esse ciclo exige escuta, acolhimento e redes de apoio.”
Para ela, quando a família falha, a sociedade precisa agir:
“Professores, vizinhos, projetos sociais e serviços públicos podem ser esse ‘ambiente substituto’ que salva. O que muda a história de uma criança é um adulto confiável que a veja e a escute.”
Um retrato que pede ação
As fotos obtidas por fontes anônimas e cedidas ao São Carlos Agora revelam muito mais do que sujeira e abandono mostram a infância perdida em meio ao vício, à miséria e ao descaso.
Por trás de cada brinquedo esquecido e de cada prato de comida apodrecida, há uma história de negligência e de esperança interrompida.
E, como lembram os conselheiros tutelares,
“É preciso agir agora, porque toda omissão adulta é uma sentença contra a infância.”