141 anos da ferrovia: para historiadora, retirada dos trilhos seria mutilar parte da história de São Carlos
Para Leila Massarão, a estrada de ferro está presente na memória e no sentimento de pertencimento da população são-carlense
15 OUT 2025 • POR SCA • 16h56A professora, historiadora e mestra, Leila Maria Massarão, Chefe da Divisão de Pesquisa e Produção do Departamento de Pesquisa da Fundação Pró-Memória de São Carlos (FPMSC), destaca a importância do dia 15 de novembro de 1884, quando foi inaugurado o ramal ferroviário ligando Rio Claro a São Carlos.
SÃO CARLOS AGORA- Nesta quarta-feira, 15 de outubro completa-se 141 anos da chegada da ferrovia em São Carlos. Podemos dizer que foi uma revolução tecnológica, já que o trem movido a vapor era uma invenção recente dos ingleses na Segunda Revolução industrial?
LEILA MASSARÃO - Com certeza, para aquele momento histórico, o transporte ferroviária estava por cima dos símbolos dos avanços tecnológicos. Nova forma de se locomover, não apenas no seu combustível, mas na mudança no tempo das viagens, no volume de deslocamento de cargas, pessoas e tecnologias. Enfim, era parte importante de um mundo em transformação.
SCA- O que a ferrovia mudou na economia, no cotidiano, nas paisagens, na cultura e na vida da cidade como um todo? Qual foi o salto dos lucros dos cafeicultores com esta inovação?
LEILA - A ferrovia foi um dos motores do primeiro salto de urbanização de São Carlos. A partir da ferrovia o núcleo urbano cresceu significativamente, tanto com a formação dos primeiros bairros operários, como vila Nery e Prado, como o estabelecimento de indústrias e novas empresas, ainda ligadas a ferrovia, mas que expandiram os empregos e o estabelecimento de populações na cidade. A ferrovia possibilitou a chegada de populações inteiras, vindas de todos os lados do mundo, se pensarmos que os imigrantes chegaram aqui pelos trilhos, com suas culturas especificas; a ferrovia trazia consigo novas tecnologias e conhecimentos, expandindo e acelerando as transformações da cidade. De um ponto de vista das mentalidades, a ferrovia impôs ainda um novo modo de viver, onde o tempo não era mais controlado pela natureza, mas pelos horários dos trens e dos relógios da estação.
Economicamente, a ferrovia provoca um salto no volume de exportações, com mais segurança do que havia com o transporte em lombo de mulas, e com um tempo bem menor de deslocamento. Tudo isso potencialmente aumentou os lucros dos cafeicultores, inclusive com um montante de crescimento que extrapolar as fazendas e reverter-se no desenvolvimento dos centros urbanos, como foi em São Carlos.
SCA - Hoje, qual a herança da ferrovia? O volume de cargas que passam pelos trilhos de São Carlos é muito grande. Como isso reflete hoje na cidade?
LEILA - Nos últimos anos têm crescido a consciência de como o transporte ferroviário pode ser eficiente e positivo para o deslocamento de cargas no país, essa transformação se materializa na reforma de ferrovias já existentes, a construção de novos circuitos, avanços na aquisição e utilização de novos materiais rodantes. No caso específico de São Carlos, a cidade está num importante rota de transporte de cargas e isso impacta na cidade pelo aumento do trânsito de trens pela cidade e as mudanças da malha ferroviária e como ela afeta o cenário de São Carlos.
SCA - Está em andamento o novo projeto do trem de passageiros. Dentro deste contexto, é bom ou ruim retirar os trilhos da região central da cidade? Se isso for feito (retirada dos trilhos da área urbana) não seria ceifar uma parte de nossa história?
LEILA - Não acredito na retirada dos trilhos da área urbana da cidade, em especial pelos investimentos realizados pelas concessionárias na modernização da malha e dos materiais rodantes. Da mesma forma, se se efetiva o transporte de passageiros para o interior paulista, acredito que será muito bem recebido pelas pessoas, inclusive se for construído da forma moderna, com trens de deslocamento rápido. Historicamente e patrimonialmente, retirar os trilhos da cidade, hoje, é mutilar um marco importante de São Carlos, seu desenvolvimento e transformação. A estrada de ferro está presente em diversas gerações das pessoas da cidade, o espaço da estação tem um lugar importante na história e memória das pessoas, gerando a sensação emocional e de pertencimento da cidade com a ferrovia e vice-versa. Sim, tirar os trilhos hoje, é mutilar um testemunho histórico e cultural muito relevante para o são-carlense – bastando observar o apego da cidade a esse patrimônio – e impactaria para além de São Carlos, pois aqui temos um testemunho vivo e atuante de um aspecto importante da história paulista e do Brasil, é relevante para todas as pessoas, de dentro e de fora de São Carlos.