Resplandecente Alma

Empatia e suas raízes: a sintonia essencial para o fortalecimento coletivo

4 JUN 2020 • POR Anaísa Mazari • 13h09

Empatia tem por definição o colocar-se no lugar do outro e o compreender emocionalmente. Há quem afirme que estar no lugar do outro é o “endereço mais difícil do mundo”. De fato, para exercer a empatia de forma satisfatória, é necessário despir-se de ideias pré-concebidas,até mesmo de convicções por demais engessadas que tendem a inviabilizar a compreensão emocional profunda dos semelhantes que a empatia envolve. Mas também é importante salientar que a empatia pode ser considerada uma forma de sintonia – que acontece e se desenvolve ao longo da vida a partir de atributos como o autoconhecimento e a disponibilidade interna que geram a capacidade de relações mais profundas, onde a empatia terá seu lugar de sinalizar para a sensibilidade necessária às trocas relacionais mais humanizadas. Alguns comportamentos de raízes empáticas já são observados em bebês – o que aponta para uma possível tendência inata das crianças de imitar os comportamentos de angústia observados em pessoas que estão por perto, através de mímicas motoras, o que mais tarde, após aproximadamente os dois anos de vida, tende a elaborar-se como a percepção da experiência subjetiva do outro, caminhando para o “entrar no sentimento” do outro (tradução do termo grego “empátheia”). Expressões diversas como perturbar-se com o choro alheio ou ter atitudes de consolo mediante a identificação de que alguém está sofrendo, dando brinquedos a outras crianças que choram por exemplo, podem ser ilustrações da presença da empatia, mesmo de forma rudimentar, desde a mais tenra idade.

O desenvolvimento da capacidade cada vez mais elaborada de empatia pode ter seus substratos desde o funcionamento neurológico de algumas estruturas cerebrais do sistema límbico, até a forma como a criança observa que os relacionamentos acontecem ao seu redor. Observar relações empáticas no entorno,assim como vivenciar a forma como os adultos lidam com os sofrimentos da criança durante o seu desenvolvimento aguçam ou não a sensibilidade para a empatia. Observa-se ainda que negligências diversas na infância também podem contribuir para maior sensibilidade ou não para as angústias alheias – o que certamente dependerá da associação deste fator com outras experiências e interpretações ao longo da vida que podem explicar a existência de pessoas mais sensíveis à empatia, mesmo a partir de um passado difícil no qual a profundeza do mergulho na própria dor emocional pode gerar a maior disponibilidade de compreender a subjetividade do outro e o desejo de estar junto emocionalmente quando também passa por dificuldades. 

A habilidade empática, assim como os demais componentes da inteligência emocional, pode ser adquirida e melhorada já em fases tardias da vida. Conhecer como funcionam as próprias emoções, interpretar os próprios impactos diante das experiências emocionais dolorosas e desconfortáveis, assim como vivenciar as experiências de modo a aprender com elas, elaborando-as de forma satisfatória, auxiliam muito a alcançar essa sintonia para com os sentimentos alheios. Em outras palavras, seria promover autocuidado, vivenciá-lo essencialmente para ter um olhar mais empático sobre as outras pessoas e os relacionamentos. Aprender a praticar a empatia genuína para consigo mesmo para depois praticar com o outro, o que exige uma boa consciência acerca do próprio mundo interno para enfim compreendermos a subjetividade do outro e seus sentimentos.

Para desenvolver a empatia, faz-se necessário também apreender elementos da comunicação humana para muito além da comunicação verbal. A maioria dos sentimentos mais profundos é expressada pela linguagem não verbal. Saint-Exupéry, escritor francês (1900-1944) foi certeiro quando afirmou: “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”. A fala pode racionalizar uma diversidade muito grande de emoções, mas sempre vem acompanhada de uma série de outras informações que expressam os verdadeiros sentimentos. Olhar, expressões faciais, linguagem corporal, entonação da voz, volume, fluência, quais sentimentos e sensações o contato com o outro causa em nós, sinalizam aspectos da essência da alma. E uma boa percepção global da comunicação nos relacionamentos trazem maiores possibilidades de sintonia com a subjetividade alheia, viabilizando, portanto, maior probabilidade de relações mais empáticas, sempre ressaltando que a empatia saudável eleva e muito a qualidade dos relacionamentos, desde relações cotidianas, até as relações macrossociais onde jamais devemos perder o foco da interdependência que nos conecta.   

Para compreendermos o quanto não podemos prescindir de trocas empáticas nos relacionamentos humanos, basta nos perguntarmos o que sentimos quando sabemos de notícias diversas que mostram contundentemente os casos até mesmo patológicos da total ausência de empatia, como no caso de crimes hediondos praticados por psicopatas, assassinos em série, crimes sexuais, perpetradores de violência etc.Alexitimia, uma outra desordem psicológica, também traz como sintoma a dificuldade de relações sociais satisfatórias, motivada pela capacidade restrita de compreender os próprios sentimentos e também o sentimento dos outros, o que ocasiona frieza e distanciamento nos vínculos. Perguntar-se o que sentiríamos no lugar de alguém que sofre seja por qual razão for, e a forma como gostaríamos de ser tratados nestes contextos, também pode ser um importante exercício para o desenvolvimento de interações mais empáticas.

Em tempos de pandemia, que possamos compreender que uma existência sem empatia tem consequências graves que são sentidas por todos, considerando nossas conexões e o inegável pertencimento ao sistema Vida. Desenvolver uma habilidade emocional empática é perfeitamente possível, desde que haja disponibilidade para a evolução e ampliação da consciência de que não somos seres isolados.A pandemia, bem como outras crises da vida, pode ser interpretada como catástrofe ou como um convite para a humanização. Como disse Goethe:“nenhuma alegria é comparável à de ver uma grande alma abrir-se para nós.” E isso só é possível quando nos abrimos para essa sintonia que torna os encontros humanos genuínos e enriquecedores, fortalecendo a essência nas relações com significativas ressonâncias na coletividade.