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Resiliência na Crise: A Arte da Adaptação

24 ABR 2020 • POR Anaisa Mazari • 13h00

Com a popularização e importância do olhar sobre a saúde mental como componente e em algumas situações até mesmo como a protagonista da avaliação da saúde geral, muito se tem falado sobre a resiliência, um conceito proveniente da física que consiste na propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à sua forma original, após algum processo de deformação. Para a saúde mental, a resiliência consiste, não apenas na capacidade de recuperação emocional após contextos de crise, mas sim nas possibilidades de aprendizado e evolução a partir de vivências impactantes, suscitando o potencial interno para além do resistir, reconhecendo ascapacidades de reinvenção e mudanças, mesmo frente a crises um tanto traumáticas.

Toda fase de crise, seja ela pessoal ou coletiva, traz em si perigo e oportunidade. Perigo é algo a ser reconhecido quando as vivências desafiadoras batem à porta, algo com o qual só se pode tomar contato quando estamos desprovidos de negação, comportamento que evidencia o mecanismo de defesa que protege temporariamente do contato com a dor de identificar que vivências desfavoráveis podem acontecer e que somos vulneráveis.  Oportunidade se torna o caminho possível a ser encontrado na fase de crise. Praticar coisas de outras maneiras até mesmo jamais imaginadas ou utilizando aquelas estratégias que já foram pensadas anteriormente, mas abandonadas pelas resistências que surgem quando não desejamos sair da nossa zona de conforto. Lidar com o perigo e criar novas estratégias depende muito da característica de flexibilidade que é imprescindível para as vivências do mundo adulto.

Ao longo da trajetória, o próprio desenvolvimento pessoal traz a necessidade de flexibilidade. Ciclos diversos no decorrer da longevidade se abrem e se fecham e avançar nos ciclos de forma saudável pode ser uma rica experiência.Perdas e ganhos estarão presentes, sendo que cada fase terá seu brilho e vantagens, assim como as desvantagens, perdas e seus lutos estarão presentes. Vislumbrar o todo da paisagem durante a viagem da vida depende ainda da coloração das lentes dos óculos de cada observador. Sempre recordando que o colorido emocional que cada um dá a existência, aos seus fatos, às suas experiências têm suas raízes na própria história de vida, na presença de cuidadores com suas características emocionais na infância, na ancestralidade, ou seja, a partir da formação de cada um em seus subsistemas e também nos sistemas maiores. Importante ainda ressaltar que quando crianças, acolhemos muitos aspectos transmitidos por muitas “fontes” para os aprendizados diversos na formação emocional, mas na idade e sobretudo na função adulta, temos a oportunidade de mudança de paradigmas, reinvenções necessárias, acompanhando o dinamismo natural da vida e o avançar das fases que nos convocarão – inevitavelmente – para transformações necessárias.

Períodos de crise naturalmente trazem confrontos e dilemas. Criatividade, flexibilidade, otimismo, autoconfiança, autocontrole e empatia são características que devem estar presentes para a tão necessária resiliência. São traços que podem ser preexistentes ou podem ser desenvolvidos e otimizados. Apontamentos reflexivos importantes para o alcance dessas características na atual fase podem ser:

- Acolher-se: inquietudes, desconfortos emocionais e até mesmo físicos são naturais e estarão presentes em fases de crise. Acolher-se consiste em reconhecer as emoções negativas e encontrar formas de autocuidado, que podem ser desde a prática de atividades prazerosas possíveis no momento, até permitir-se o descanso, o “respirar” para ganhar forças e continuar a batalha. Seja generoso consigo mesmo. Será importante, para emanar generosidade para com a humanidade, o que será necessário durante e após a pandemia.

- Contato com a realidade: na era das Fake News bem como do consumo exacerbado de notícias, é muito importante a busca de informações em fontes seguras e que satisfaçam o propósito de se conectar com a realidade do momento da pandemia. Abster-se de informações para “fugir” da realidade, bem como criar realidades paralelas não contribuirão para o adequado enfrentamento da crise. Da mesma forma que entrar em pânico com muitos dados também é pouco indicado. Equilíbrio sempre, na busca dos dados bem como na interpretação da realidade é algo crucial para a construção de posicionamentos mais contributivos para o coletivo e também internamente mais saudáveis.

- Revisitar outros momentos de crises pessoais anteriormente vividas: todos nós já passamos por situações de grande estresse, confrontados com realidades para as quais, imediatamente, não tínhamos respostas já construídas. Como sabiamente escreveu Rumi, poeta e mestre espiritual persa do século XIII: quando você começa a caminhar, o caminho aparece. Na grande maioria das vezes, uma série de recursos internos encontram-se dentro de nós. Observar o que já foi vencido em outras fases, bem como reconhecer atributos e características positivas em si mesmo fortalecem a autoconfiança e a criatividade. Além de sinalizar que toda crise passa, já que tantas já se foram.

- Ser autor da própria história: significa deixar de “achar” culpados para o momento, sair da postura acusadora e/ou vitimista dentro da questão. Não teremos mesmo controle de muitas coisas ao longo da vida. Dificuldades estarão presentes, mas cabe a questão: o que você pode fazer como adulto potente frente ao atual contexto, tanto por si mesmo, como pelo coletivo? Lembrando que não somos nem onipotentes e nem impotentes. Colocar-se na posição sistêmica que nos cabe no contexto maior também trará percepções mais sensíveis que viabilizarão contribuições saudáveis para o enfrentamento necessário. Todos nós fazemos parte do sistema Vida. Logo, todos temos algo de positivo a oferecer para o enfrentamento do momento. Presença e prontidão.

- Transformar-se: mudanças fazem parte da vida. Desmistificar a transformação, removendo a característica costumeiramente “monstruosa” das incertezas e da mudança, contribui muito para uma percepção mais adulta da realidade. Não seremos os mesmos após a crise. Mas nessa afirmação, não se encontram apenas possibilidades negativas. As possibilidades positivas também existem e olhar além da crise nos permite vislumbrar que a crise pode – e deve – reorientar pensamentos, sentimentos e ações para comportamentos adaptativos e inovadores, além de mais solidários, já que a interdependência também precisa ser reconhecida.

Parafraseando Charles Chaplin: a persistência é o caminho do êxito. Avante!