Memória São-carlense

Bares de outras épocas

1 FEV 2019 • POR (*) Cirilo Braga • 06h50

O tempo fica e está sempre disponível, nós é que passamos. A frase da jornalista Ana Maria Bahiana no prefácio do “Almanaque dos Anos 70”, vem a calhar quando um amigo nascido naquela década repara que, em pouco tempo, viu desaparecer muitos dos bares e pontos de encontro da cidade que foram ícones de outras épocas.

Também pudera. Uma pesquisa do setor indicou que no país 28% dos bares têm entre zero e cinco anos e o percentual dos que têm mais de 50 anos é de apenas 5,6%.  Quando a impermanência é a norma, até mesmo a frase “sob nova direção” entra em desuso. É mosca branca a tradição de algumas casas que conseguem sobreviver por quase quarenta anos.

A nostalgia do amigo alcançou points de um passado recente, os anos 90. Fala em Vovô Chopão, Sorvetão, Mirandas Chopp e Café com Letras. Havia sempre uma especialidade da casa, que em alguns casos era a localização. A do Café era juntar pessoas de mente arejada.

Muito antes, na São Carlos que vi pela primeira vez em 1972, repleta de árvores pata de vaca com suas folhas brancas e roxas, havia restaurantes e bares que eram remanescentes de outras épocas. O restaurante Bambu e o bar Pistelli, por exemplo.

No restaurante Bambu onde Jair Rodrigues começou a carreira, muito mais tarde, nos anos 1980, fui saborear um estupendo filé à cubana. Perto dali, no bar Maneco, o líder político Xavierzinho tinha uma mesa cativa.  O tradicional Bar do Arnaldo, na esquina da rua Conde do Pinhal com Dona Alexandrina se chamava na verdade “Big Bar”. Seu proprietário era homônimo do poeta Arnaldo Antunes. Ali se podia ver em pessoa o prefeito Antonio Massei, que rotineiramente passava para tomar um cafezinho, espairecer da rotina no gabinete e estar em contato com a freguesia do local, também frequentado pelo pessoal do Fórum da Comarca. Alguns antigos clientes, como o amigo Alfeo Rohm, guardam na lembrança duas frases que o bar ostentava: “O único que faz frente para a Caixa Econômica Estadual” e “Aqui o bauru é um ex-touro”.

Havia o restaurante Gruta Azul na rua Sete de Setembro, mas o melhor era comer doces no Bar do Elias, logo ao lado. Os são-carlenses ainda mais antigos se lembram de um lugar chamado “Bambi”, no centro da cidade, onde a banda “Os Inimitáveis” costumava se apresentar. Tudo no entorno da praça Coronel Salles, onde Benvindo assobiava para a revoada das pombas. Nos meus primeiros tempos por aqui, havia o Bar São Paulo na Avenida, que já não era aquele lendário de Marino Pelegrini, que informalmente virou nome da esquina da Avenida São Carlos com a rua Sete de Setembro. A sorveteria Romanelli já havia mudado da esquina da Major com a rua Dona Alexandrina para a Avenida. E o Café do Centro reunia os estudantes, que tinham um grande poder de mobilização naquele período.

Perto de casa na rua Padre Teixeira, havia a Sorveteria Polar e o Bar do Cidão. As padarias viviam também seus dias de glória. Nem só de pão-bengala quentinho vivia a clientela, então chamada de “freguesia”. Nas tradicionais padarias e confeitarias Perez, Castelo, Venezia e Caruso, o cardápio incluía chopp, cafezinho e o velho frango na brasa. Na Perez, era habitué o professor Orlando, membro da família.

Todos esses estabelecimentos viraram retratos na parede. Como também o Café Concórdia, o Restaurante Rodavinho, o Fazenda Hotel, a Padaria Caiçara, da família Kabbach, o bar Voador ao lado do finado "Campo de Avição", também chamado de "Aeroporto Salgado Filho", onde estava sediado o Aeroclube. Até mesmo o Bar 15, que esbanjava simplicidade na Avenida, onde hoje funciona uma farmácia.

Cada estabelecimento teve seu momento de sucesso de público sem nenhuma febre de marketing. Foram nomes que pela qualidade de seus produtos e a capacidade de reunir as pessoas se identificaram com seu tempo, viraram marcas, emblemas de um modo de vida.

Na Vila Prado, o bar mais famoso nos anos 1960 se chamou “Navio”, outra recordação de Alfeo Rohm.  O bar foi um dos primeiros a vender os sorvetes Kibon na cidade. O nome se devia ao formato do prédio que acompanha a confluência da Av. José Pereira Lopes com a rua Dr. Duarte Nunes.

Que se lance o olhar para qualquer período histórico e lá estará um bar como cenário senão de acontecimentos, das discussões em torno deles. Uma das características da cidade sempre foi a de colocar um bar ou restaurante no topo das paradas sem muito alarde, como que por encanto. Em compensação, a decadência é ainda mais silenciosa desde a era romântica desse segmento. Passamos pelo tempo e hoje aí estão as hamburguerias, casas de açaí, food trucks e pubs.

Minha geração viu o auge do restaurante do Senac. Na falta das redes sociais da internet, dava as caras ao vivo e em cores em lugares que atendiam pelos nomes de A Caprichosa, Porão, Pica-pau e Vagão.Não eram trocadilhos. Na Caprichosa o sorvete ula-ula era o campeão na preferência da galera. No Porão todo mundo se encontrava por acaso. Pica-Pau e Vagão eram lugares minúsculos, mas quem precisava de espaço nos tempos da “Sessão Maldita” dos cines Studio I e II e Avenida?

Mais que de um lugar, mais que de um tempo, quando alguém sente saudade do nome de um bar ou de um restaurante, fala de um estado de espírito, de quando todos os sentidos se conectaram a um cenário. E a imagem recorrente na lembrança é aquela que fotografou a alma de uma geração, como fez a jornalista que elaborou o almanaque “Anos 70”.

Faça um ligeiro esforço de memória, caro leitor. Qual foi o bar do qual hoje você se recorda com saudade? Façamos um brinde a essa lembrança, que certamente se guarda num compartimento especial da memória; é o registro de uma vida bem vivida.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.