Artigo Antonio Fais

A Grande Mudança

30 NOV 2018 • POR (*) Antonio Fais • 08h19

Aprontava com todo mundo. Segundo ele mesmo, era assim desde pequeno. Contava sempre a história de um rapaz no primário em Bauru, maior que ele, repetente, que queria pegá-lo na saída, de tanto que ele rira da redação que dizia “esperei fazer a congestão para ir nadar”.

Tinha cursado boas escolas. Durante a faculdade andava com livros grossos embaixo do braço, em geral em inglês, jogava tênis. Parecia entender de tudo um pouco, mas muito pouco de tudo. Ia à sessão maldita e, após os filmes, ao Café do Centro e com algumas palavras-chave, dava opiniões: paradoxo, sentimento de culpa, dialética, conflito interno... O que muitas vezes lhe garantia a noite com alguma garota mais impressionável.

Filho caçula, de uma família de professores, com duas irmãs mais velhas, era mimado pelos pais. Mas dizem que quem o estragou mesmo foi a tia que, sem filhos e rica, dava de tudo a ele. Skate, aula particular, patins, aula de tênis, bicicleta, guitarra, mobilete! Ele tinha uma mobilete aos quinze anos! Ganhou dela um carro quando entrou na faculdade.

Quando ficou por sua conta, lá pelos trinta anos, não se acertava. Era ambicioso, só queria grandes projetos. Já não era tão alegre e brincalhão. Bebia muito. Diminuíam-lhe os amigos e os cabelos, enquanto aumentavam as dívidas e a barriga. A vida, que tantas oportunidades lhe oferecera, parecia agora lhe cobrar com juros e correção.

Um dia, porém, veio a grande surpresa: sua tia de Bauru morreu e deixou quase tudo para ele. Prédios em Bauru, Campinas e São Paulo, algo avaliado em US$ 4.000.000,00. Quatro milhões de dólares! Só de aluguel daria mais de cem pau por mês.

Foi a Bauru e acertou tudo com uma imobiliária que, em troca da exclusividade, venderia tudo por apenas 1% de comissão. Até nisso tinha sorte!

Após três meses de expectativa e ansiedade, ligou o dono da imobiliária e disse que tinha conseguido uma oferta de dois milhões de dólares à vista, mais todos os impostos e transferências pagos pelo comprador. Topou!

Marcaram um almoço para assinar os papéis em um restaurante fino em São Paulo.

Almoçou apenas com o dono da imobiliária de Bauru, pois o comprador iria se atrasar e, após o almoço, iriam ao escritório dele, na Faria Lima, para assinar tudo e pôr a mão na grana.

Paulo fez questão de pagar o almoço, mas o dono da imobiliária não deixou.

Paulo, lentamente, levantou a cabeça e olhou bem para aquele senhor, mais velho, careca e disse:

Sílvio levantou-se enquanto o garçom servia o Cointreu e, antes de sair, finalizou: