terça, 19 de março de 2024
Sem superpoderes, mas com a ciência ao lado

Heroína da linha de frente ao combate à Covid-19, salva vidas na Santa Casa de São Carlos

03 Jun 2020 - 07h37Por Marcos Escrivani
Tatiana na UTI Covid: "não tenho medo de morrer. Faço com amor e muita responsabilidade. Recomeçaria de novo" - Crédito: Arquivo pessoalTatiana na UTI Covid: "não tenho medo de morrer. Faço com amor e muita responsabilidade. Recomeçaria de novo" - Crédito: Arquivo pessoal

Não é indestrutível como o Superman. Não tem a velocidade do The Flash. Muito menos a força do Incrível Hulck. Nem a agilidade da Wonder Woman. Porém, tem a sabedoria e a ciência ao seu lado e no mais puro anonimato, coloca a própria vida em risco para salvar pacientes nesta época de pandemia da Covid-19, responsável pela crise mundial da saúde.

Paulistana de nascimento, matonense por adoção, mas são-carlense de coração e por opção. Cidade onde garantiu, em entrevista exclusiva ao São Carlos Agora, que pretende fincar raízes ao lado da ‘fera’ Matheus de 4 aninhos e da mamãe Inês, matriarca com 75 anos de idade.

Assim é a enfermeira Tatiana Zanqueta Rodrigues, 35 anos. Residente no Jardim Alvorada, mudou-se para São Carlos em 2019. “Me apaixonei pela cidade”. Coordenadora há um ano das Unidades de Terapias Intensivas (UTIs) da Santa Casa de São Carlos, detalhou o seu trabalho na instituição de saúde e é uma das incansáveis combatentes na linha de frente no combate ao novo coronavírus.

A ENTREVISTA

Durante aproximadamente 60 minutos, mostrando muita sensatez, coerência, simplicidade, mas temperada com muita didática, Tatiana garantiu: “não tenho medo de morrer. Fiz a escolha certa na minha vida e se tiver que recomeçar, faria tudo novamente”.

A seguir, a entrevista da enfermeira, que coloca a vida em risco diariamente para salvar vidas em São Carlos.

QUEM É?

Nasci em São Paulo e, ainda bebê, fui para Matão, onde cresci. Em 2007, me graduei em Enfermagem pela Unip de Araraquara. Há um ano, estou em São Carlos e, na Santa Casa, coordeno a UTI Adulto Geral (10 leitos), a UTI Coronariana (10 leitos) e a UTI Covid (8 leitos). Sou ainda coordenadora de Captação de Órgãos. Estou apaixonada pela cidade e vou fincar raízes. Moro com meu filho (Matheus, 4 anos) e minha mãe (Inês, 75 anos).

POR QUE A ENFERMAGEM?

“Comecei a trabalhar com 18 anos (em 2000). Era em um estabelecimento que comercializada equipamentos hospitalares e naquela época tive contato com a gerente de enfermagem da Santa Casa de Matão. Me espelhei nela e, na oportunidade, vendia materiais para curativos. Observava os cuidados que as pessoas tinham e acompanhava os enfermeiros. Me apaixonei pela profissão. Em 2003, fiz minha primeira universidade e segui carreira. Em 2008, era enfermeira assistencial no hospital de Matão nos setores da UTI Adulto, Neonatal e Hemodinâmica. Sempre fui apaixonada por este setor. Em 2010, me especializei em Cuidados Intensivos e Cardiologia e em 2016, em UTI Neonatal, ambos pela Uniararas.

SÃO CARLOS?

Minha história com esta terra começa em 2019, quando fui aprovada em um processo seletivo na UTI da Santa Casa. Após um ano, passei a coordenar 86 funcionários, sendo 68 técnicos em enfermagem, 16 enfermeiros e duas escriturárias.

LUTA DIÁRIA PELA VIDA

Este grupo de pessoas maravilhosas tem ciência que trabalhamos com pessoas que estão em estado crítico. Lidamos com a morte todos os dias. Mas asseguro que trabalhamos com amor, com garra. Valorizamos nosso trabalho, pois no mundo em que vivemos, encontramos pessoas que conseguem dar amor e cuidados extremos ao próximo. São funcionários que dão a vida e todos são pais, mães, filhos. Mas que cuidam de pacientes que correm risco de morte todos os dias...

Equipe pronta para o combate. 

MARÇO... COVID

Desde março muita coisa mudou...Às vezes não temos tempo nem para respirar. Muitas vezes, ficamos ofegantes, tal é a exigência desta pandemia. Estamos na linha de frente e é difícil, pois temos rígidos protocolos de segurança que têm que ser seguidos. Há o lado emocional que atinge cada trabalhador, pois lidamos com pessoas que estão contaminadas pelo SARS-CoV-2. Hoje são 30 ‘combatentes’ que trabalham em revezamento 24 horas por dia e sete dias por semana. Alguns foram trazidos de outros setores da Santa Casa para atuar nesta ‘batalha’.

OS PRIMEIROS DIAS...

Os primeiros dias de pandemia na Santa Casa foi de uma certa tensão, pois tudo era novo. Tínhamos que dar assistência aos pacientes infectados pela Covid-19 e trouxe um certo receio a todos. Era tudo novo. Os cuidados, o manejo dos pacientes. Informar aos familiares que a pessoa estava infectada. Neste processo, tivemos um apoio imprescindível do Serviço de Controle de Infecção Relacionada à Assistência em Saúde (Sciras) da Santa Casa, que nos deu (e nos dá) suporte, trabalhando junto conosco, através de treinamentos e atualizações constantes.

FUNCIONÁRIO INFECTADO... MORTES, CURADOS

Em 50 dias de enfrentamento da pandemia, tivemos apenas três profissionais infectados em todo o hospital, sendo que um estava na linha de frente do combate. Mas estamos felizes, porque não tivemos nenhum profissional internado por conta de complicações pelo novo coronavírus. Com relação aos pacientes, infelizmente, até hoje, ocorreram quatro óbitos causados pela Covid-19 na Santa Casa. Mas, por outro lado, tivemos 14 curados. Em dois meses, 38 pacientes passaram pela UTI.

NÃO TENHO MEDO DE MORRER

Sinceramente? Me sinto bem na UTI Covid, na assistência ao paciente em estado grave. Junto com a equipe, discutimos o melhor manejo dos cuidados. Me sinto confortável e tranquila no meu trabalho. Conhecemos a paramentação que é eficiente e a Santa Casa fornece todos os equipamentos de proteção individual (EPIs) para que possamos nos sentir seguros e não nos contaminar. Mas não tenho medo de morrer, pois faço com amor. Minha preocupação é apenas não contaminar minha família. Devo ressaltar que lidamos também com a H1N1, tuberculose. São doenças igualmente letais.

MORTE, CURA

“Como profissional, quando perdemos um paciente, é doloroso. Temos ainda que acolher a família. A sensação é de impotência por não ter conseguido fazer mais por aquele ente querido. Porém, temos ciência de que fizemos tudo que era possível. Por outro lado, quando ocorre a cura, é o melhor cenário possível. Felicidade suprema. Ver a satisfação em cada membro da minha equipe, ver o paciente sair do leito, ter alta e ir para casa. A felicidade da família. Bate uma emoção profunda... A gente não é de ferro...

Tatiana, o filho e a mãe.

FILHO E MÃE

Entro na Santa Casa às 7h e saio às 17h. Há dois meses, tive que fazer uma mudança drástica na minha rotina e combinei com a minha mãe (Inês), os cuidados necessários com o meu retorno para casa. E é ela quem dá banho no meu filho (Matheus). Antes de qualquer contato físico com os dois, eu chego em casa e uso um banheiro externo, onde troco as roupas e faço a higienização corporal.

Outro ponto importante, é que durante o trabalho, nós usamos apenas os privativos (que são uniformes próprios para a assistência à saúde). E ao término da jornada, são retirados e deixados na própria instituição. Mas, mesmo assim, tenho todos os cuidados na minha casa.

CONFIO NA CIÊNCIA

Tenho a esperança de que uma vacina irá surgir em breve e irá controlar esta pandemia. Confio nos cientistas, nas pesquisas que acontecem em todo o mundo. Mas hoje temos que ter cautela para evitar a disseminação e manter o isolamento social.

Porque a Santa Casa, assim como toda a rede de saúde, continua atendendo casos de urgência e emergência como AVCs, acidentes, infartos, que não deixaram de existir.

FALTA RESPONSABILIDADE

Vendo hoje o comportamento da população, fico preocupada. Boa parte duvida da letalidade do vírus, da rápida propagação. Até mesmo quem tem comorbidades (hipertensão, diabetes, acima de 60 anos). Muitos extrapolam, pois andam pelas ruas sem os devidos cuidados (máscaras, distanciamento, álcool em gel) e chegam a promover festas. Falta responsabilidade. Socialmente falando... Tem que ter controle... Isso não é eterno... É por um determinado tempo...

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