quinta, 28 de março de 2024
Artigo Antonio Fais

Um Dia, Um Herói

23 Nov 2019 - 07h18Por (*) Antonio Fais
Um Dia, Um Herói -

Aos doze anos, o que mais quer um garoto é se tornar um herói. No meu caso, em 71, não precisava ser um grande herói nacional ou qualquer coisa do tipo, até porque nessa época (do Brasil – Ame-o ou Deixe-o / Pra frente Brasil!) quem se atrevesse contestar o governo era subversivo. Bastava, portanto, ser um pequeno herói, do time da escola, por exemplo. O futebol nacional, depois da copa de 70, estava cheio de heróis e na escola o craque era o Nandinho, um baixinho cabeludo, que marcava um monte de gols por partida. Todas as meninas gritavam o nome dele.

Eu também queria jogar futebol, mas o professor de Educação Física, sei lá por que, achou que eu devia jogar basquete. Ali eu não teria muita chance de ser aclamado pelas meninas. Éramos dez jogadores, o seu David dizia que não havia reservas, todos eram titulares, mas, obviamente, havia os titulares que jogavam e os que ficavam no banco. Eu era titular do banco.

Nós éramos do time do Instituto e faríamos a final dos Jogos Colegiais contra a Industrial. Tínhamos perdido deles na primeira fase de 22 a 12! E agora era a final. Aqueles meninos eram grandes, pouco provável que tivessem só doze anos, mas jogo é jogo e íamos jogar. Bem, eu, que era titular do banco, não tinha entrado em nenhuma partida, ia torcer um pouco mais de perto que o resto do colégio.

Também não éramos mais dez, pois o Zezinho e o Paulinho, que jogaram na primeira derrota nem apareceram para a final. O seu David fez seu habitual discurso antes do jogo para, ganhando ou perdendo, jogarmos limpo e para nos lembrarmos das jogadas ensaiadas. O problema era que os adversários também se lembravam das poucas jogadas que tínhamos.

O primeiro tempo foi um massacre: 16 a 4 para eles. Restava-nos, portanto, o lema do Barão de Coubertin - não gostava desse cara, queria mesmo ganhar! E como nessa idade não temos muitos limites e senso crítico, eu achava que ainda era possível!

No segundo tempo, a partida melhorou muito para gente: sem muito mais a perder, jogamos bem melhor. Com dois jogadores com cinco faltas, o único que continuava no banco era eu. Faltava pouco mais de um minuto e estava 27 a 22 para eles, a partida estava decidida e o seu David resolveu me dar uma chance de jogar um pouco.

Eu dei sorte, logo que entrei peguei uma bola no garrafão e arremessei e diminuí para três pontos a diferença. Já me senti aí um herói, pois havia feito meus primeiros pontos como jogador de basquete e ouvia todos gritarem meu nome.

Para mim, nada mais precisava acontecer. Eles deram a saída e ficaram controlando a bola, até que perto do 30 segundos arremessaram e erraram, eu recebi a bola e corri com toda a velocidade à frente, nunca tive tanto medo, era só eu e a cesta, não havia um adversário sequer para eu justificar o meu erro, fui quase chorando em direção a ela, arremessei, a bola bateu no aro e caiu fora; ainda consegui pegar o rebote e passei para o Paulão, que, bem alto, embaixo da cesta, fez mais dois pontos. Vinte segundos! 27 a 26! Ainda gritavam o meu nome, mas só um milagre poderia nos salvar. Eles tinham vinte segundos para bater bola, mas um jogador do time deles, para acabar logo o jogo e consagrar sua vitória, arremessou e errou. O seu David pediu tempo. Faltavam agora poucos segundos. O plano era o seguinte: o Paulão, um molengão, mas com mais de um e oitenta, ia pra perto do garrafão, a gente passava a bola pra ele e ele arremessava. Perfeito!

Deram a saída e a bola veio à minha mão. Eu quase no meio da quadra e todos gritavam: “Passa pro Paulão. Pro Paulão”. O Paulão perto da cesta, a cesta, a bola em minha mão, a torcida, o Paulão, a bola, a cesta, ... Cinco, quatro, três, dois, um... Joguei a bola e ouvi o juiz apitar o final. Ela ia lentamente em direção à cesta, bateu no aro, subiu, bateu de novo e rodou, rodou... Parecia uma eternidade, não se ouvia um som, só a bola rodando, até que, chorando, ela entrou: 28 a 27!

A gente gritava e pulava. Todos gritavam o meu nome! Todos gritavam o meu nome...

Bem, como disse logo no começo, todos querem um dia ser herói. Não sei bem se foi assim que se deu, mas é assim que sempre vou me lembrar.

(*) O autor é escritor/filósofo, especialista em Aprendizagem, Linguagem e Escrita Criativa

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