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Saúde Mental e o processo de envelhecimento

08 Jul 2019 - 07h00Por (*) Bianca Gianlorenço
Saúde Mental e o processo de envelhecimento -

Inicialmente, a saúde era considerada como a ausência de doenças, isto é, a pessoa era considerada saudável caso não apresentasse nenhuma doença orgânica. O que favorecia a prevalência do discurso médico, sendo que as pessoas que apresentavam alguma disfunção ou desequilíbrio mental, não recebiam o acolhimento e/ou tratamento humanizado e competente a sua condição.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgou em setembro, o Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídios no Brasil, e o índice de suicídio em idosos acima de 70 anos, cresceu consideravelmente em 6 anos.

O suicídio entre idosos é como aquele segredo de família que todos sabem existir, mas sobre o qual ninguém ousa falar. Tema tabu em qualquer faixa etária, a morte autoafligida soa paradoxal na melhor idade, quando tantas agruras da vida já foram superadas. As estatísticas, porém, alertam que esse silêncio precisa ser quebrado. Em todo o mundo, as maiores taxas de tentativas e atos consumados estão nas faixas etárias avançadas. No Brasil, não é diferente.

Existe a impressão que o idoso não se mata, porque passou pela adolescência, estabeleceu uma família, já enfrentou o pior da vida. Não é bem assim. Na melhor idade, especialmente quando há doença degenerativa, com perda de capacidade funcional e dor crônica, e quando há perda de laços referenciais e de uma série de suportes, o idoso fica muito vulnerável, sentindo-se incapaz.

A saúde mental diz muito sobre a habilidade interior que o sujeito tem para se recuperar de acontecimentos corriqueiros sem prejuízo emocional. Isto é, a capacidade do sujeito de receber o impacto dos eventos e reagir de forma a superar, sem que haja interferência no seu estado de humor ou mesmo desencadear algum transtorno, a depender do trauma.

Dessa forma, é essencial o cuidado com a saúde mental. Cabe ressaltar aqui que esse cuidado independe da fase da vida, em qualquer etapa, é fundamental cuidar da saúde mental, assim como os cuidados dispensados ao corpo físico. Isto porque cada fase apresenta suas dificuldades e facilidades particulares, onde a forma do sujeito encarar e/ou enfrentar essas vivências será refletida na vida concreta dele.

O ciclo vital, por sua vez, é um processo inerente ao desenvolvimento de todo ser vivo, isto é, um conjunto de fases onde ocorre o desenvolvimento de diferentes concepções, bem como crises e conflitos competentes a cada período. A transição de cada etapa se configura conflituosa em muitas ocasiões, o que pode favorecer o surgimento de traumas, os quais podem desencadear processos mentais perturbadores.

É por isso que cada fase apresenta suas dificuldades e concomitantemente o desenvolvimento de potencialidades que influencia no movimento e busca pela superação diante de cada experiência vivenciada. Durante o processo de envelhecimento, é comum ocorrer um balanço sobre essas experiências e respectivos aprendizados, oriundos da construção da história de vida do sujeito.

Essa construção da história de vida é singular a cada sujeito, é por isso que cada pessoa envelhece de forma diferente, e apresenta também necessidades diferenciadas. O processo de envelhecimento é algo natural, e deve ser encarado de forma natural, todavia nem todos estão preparados para enfrentar esse processo, ou seja, essa transição pode ser conflituosa e dolorosa.

A forma como cada um enfrenta o processo de envelhecimento depende de vários fatores: como foram vivenciadas as etapas anteriores, de que forma lhe foi ensinado sobre o envelhecimento, as concepções pessoais dessa fase, crenças – sejam elas religiosas ou de cunho sociais -, etc. Sendo assim, o envelhecimento traz diferentes contextos e apresenta novas possibilidades que facilitam o desencadeamento de transtornos de ansiedade, depressão, angústia e/ou medo excessivo, entre outros advindos das situações de perdas já vivenciadas.

Ao se considerar a trajetória, a pessoa idosa já vivenciou mais situações de perdas no decorrer da vida: a perda do companheiro, de familiares, amigos, perda da oportunidade de emprego, limitações físicas, entre outas. Diante dessa realidade, é de suma importância os cuidados dispensados à saúde mental, não que as outras fases não sejam importantes, mas a velhice requer essa cuidado especial.

É importante ressaltar que não quer dizer que toda pessoa idosa vai apresentar quadros depressivos em decorrência das perdas vivenciadas. Aspectos como esses são singulares a cada sujeito, vai depender especificamente da habilidade emocional de cada um, para encarar os novos eventos que se apresentam.

O entendimento que cada um tem sobre si mesmo, favorece a aceitação ou não da sua condição, dessa forma, a pessoa idosa precisa ter consciência de que está vivenciando o processo de envelhecimento. A não aceitação do envelhecimento como um processo natural e inerente ao desenvolvimento humano, causa grande impacto na saúde mental, uma vez que podem ser desencadeados processos mentais negativos, tais como a anulação da sua história de vida, isto é, de si mesmo.

Face ao exposto, é importante salientar que o apoio familiar tem grande relevância nesse processo, o posicionamento do grupo familiar, bem como o papel que o idoso assume na dinâmica familiar, deve ser concernente à sua atividade e não associar a velhice à inutilidade. Os componentes do grupo familiar devem ter esse entendimento e essa clareza.

O cultivo de relações interpessoais satisfatórias e prazerosas influencia também na saúde mental do sujeito, neste ponto é bom chamar a atenção para situações nas quais o idoso se torna refém de algumas relações abusivas, em decorrência do medo de ficar só ou da falsa ilusão de cuidados oferecidos por esse outro. A dependência emocional é um grande fator que impede a libertação de relações abusivas, principalmente na fase da velhice onde o idoso está mais vulnerável.

A psicologia pode colaborar muito com a qualidade de vida na melhor idade, tanto auxiliando a pessoa a entrar em contato consigo mesma, elaborando seus sentimentos e conflitos, melhorando as relações familiares e interpessoais, encontrando novos interesses e uma nova forma de estar no mundo, quanto auxiliando na avaliação e reabilitação de perdas cognitivas, que podem acontecer nesse período da vida, prevenindo ou minimizando os danos.

Desta forma, a psicologia auxilia na diminuição do sofrimento causado por problemas e dificuldades, comuns nessa faixa etária, como depressão, ansiedade, processos demenciais, conscientização acerca da própria condição de saúde, autonomia, dentre outros.

A melhor idade, é uma etapa da vida, que deve ser considerada como qualquer outra, não deve-se anular o idoso, ele possui habilidades, e o foco é identificá-las, para que ele possa desfrutar dessa fase, como desfrutou de todas as outras!

(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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