sexta, 19 de abril de 2024
Artigo Antonio Fais

Riaj, o reizinho

19 Abr 2020 - 07h39Por (*) Antonio Fais
Riaj, o reizinho -

Há muito tempo, em um lugar muito distante, houve um reino chamado Lisarb. Lá, como em todos os reinos, a coroa passava de pai para filho. O rei, cujo nome foi esquecido para todo o sempre, tinha quatro filhos e três deles governavam as províncias com mão de ferro para provar ao pai quem poderia substituí–lo. Os príncipes eram, pela ordem de idade:  Oivalf; Odraude; Solrac; e o quarto, muito mais jovem, tinha o mesmo nome do pai, que, como vocês bem sabem, foi olvidado.

Os mais velhos foram educados no sistema espartano, de lutas e guerras, todos muito fortes e saudáveis. Já o filho temporão teve como preceptor Otid Siaf, um sábio árabe, que adotava o Trivium (gramática, retórica e lógica) e o Quadrivium (música, aritmética, astronomia e geometria), coisas ditas inúteis pelo pai e não metiam medo nos irmãos mais velhos.

O reino era geograficamente delimitado ao Norte pelo rio Etron; ao Sul pelo rio Lus; ao Leste pelo mar de Etsel; e a Oeste, ninguém sabe bem, pois era uma terra sem fim conhecida como Mifmesarret.

Era um reino privilegiado que praticamente só tinha uma estação do ano, a primavera, e tudo que se plantasse, florescia; as pastagens, criações e pesca geravam comida em abundância.

Mas, de repente, adveio uma seca inexplicável que já durava mais de ano, sem que o Rei e os Príncipes governantes soubessem o que fazer, afinal, o tempo tem o seu próprio tempo – pouco se importa com ordens e espadas.

A comida foi se tornando escassa e, como disse alguém certa vez “quando o infortúnio nos bate à porta, o amor nos foge pela janela”, mas isso são divagações que só o principezinho saberia.

O fato é que nada mais floria, as águas baixaram e sobreveio a fome. O Rei tratou de armazenar tudo que pôde; as províncias governadas pelos Príncipes, sem recursos, foram invadidas pela plebe, e eles correram abrigar-se na Vila Real.

Mas nada é tão ruim que não possa piorar: começou na parte Oeste, em Mifmesarret, um incêndio que vinha em direção ao mar, destruindo tudo por onde passasse. O fogo ora vinha mais rápido, ora mais lento, dependendo do sabor do vento.

Nesta noite, estavam reunidos para debater a crise, o Rei e seus três Príncipes, deliciando–se em um banquete, regado a vinho e cerveja, pensando em como lutar contra o tempo e o vento. A altas horas, fartos de comida, sem chegar à conclusão alguma, foram surpreendidos pelo povo que invadiu a vila com a conivência de alguns ministros reais.

Estavam prontos para executar o Rei e seus filhos, quando ouviram um voz, ainda que fina, mas firme:

– Não façam isso, eu vos suplico!

Todos, surpresos pararam ao ver o jovem Príncipe, de quem pouco se sabia e, até por isso, tinha a fama de bom menino. Ainda paralisados pela ordem repentina, o líder da turba, perguntou:

– Por que deveríamos poupar essa gente que só mal nos fez?

– Matá-los não vai resolver o problema imediato. Nem eles nem vocês sabem resolver o problema. Eu sei!

Ao terminar esta frase, a voz do jovem Príncipe, agora grave e forte, parecia ter envelhecido dez anos.

– E como saberemos que não quer apenas poupar a vida de seu pai e irmãos? – perguntou ainda o comandante da rebelião.

– É simples: prendam meu pai, meus irmãos e todos que julgarem necessário, mas sem uma gota de sangue; e submetam–se ao meu comando por três dias e se em três dias eu não tiver vencido nosso maior inimigo, o fogo, que eu seja o primeiro a morrer.

Todos, assustados e inseguros, falavam ao mesmo tempo, alguns concordando, outros querendo sangue, quando o Ministro que facilitou a entrada dos rebeldes, tirando seu chapéu e fazendo as mesuras do costume, disse alto e em bom tom:

– Às suas ordens, Majestade!

O Principezinho, sem dar tempo a qualquer argumento contrário, com sua voz firme e forte, ordenou:

– Selem o cavalo mais veloz que temos e chamem nosso melhor cavaleiro.

Feito isso, ele ordenou a Orielavac Zolev que fosse a uma província que ficava 40 km a oeste, em direção ao fogo, que lá ele ordenasse que deixassem os onze melhores cavalos prontos para partir a qualquer momento; pegasse o melhor deles e repetisse o feito a cada 40 km, assim sucessivamente, até atingir a cidade mais a oeste do reino, Amertxe, a cerca de 400 km da Vila Real.

Mal tinha saído o cavaleiro, ele ordenou:

– Preparem os nossos dez melhores cavalos. Eu preciso de nove voluntários para me acompanhar, gente que conheça as pessoas ao longo do caminho e possa recrutar uma brigada para combatermos o fogo.

Surpresos, sem ter o que fazer, os voluntários se apresentaram imediatamente. Eram jovens rebeldes, líderes e ministros que tanto temiam o Rei e seus filhos.

Partiram de imediato. E a cada nova cidade, encontravam cavalos prontos e suprimentos para irem ao encontro do inimigo.

Em menos de dez horas, já estavam em Amertxe – um recorde inimaginável à época. De lá já sentiam o bafo quente do inimigo e o cheiro de morte que trazia consigo.

Todos estavam curiosos para saber o que faria o jovem e inexperiente Príncipe. Prestativos, anteciparam-se e tinham reunido uma quantidade inimaginável de recipientes com água.

Ele, com a ajuda de seus líderes, reuniu um exército de camponeses; esperou algumas horas, até que o vento virasse de leste para oeste, e ordenou que pusessem fogo na floresta. Todos ficaram com medo da ordem sem sentido, mas logo perceberam que o vento levava o fogo novo em direção ao incêndio e, quando este chegasse não haveria mais nada para queimar.

Todos calmos, ele sentenciou:

– Fogo se combate com fogo. Agora é hora de nosso povo se unir contra o outro inimigo: a fome, a doença, a seca e a miséria – mas, mais que tudo, contra a ignorância.

Sua fama de perspicácia, liderança e coragem logo se espalhou pelo reino e foi, deste dia em diante, exemplo para todos.

E foi assim, em meio a uma enorme crise, que o Principezinho tornou–se o Rei de Lisarb.

Ele ordenou que seu pai e irmãos fossem presos em uma ilha distante no mar de Etsel, mas bem cuidados e alimentados. E que o nome de seu pai fosse apagado de todos os documentos do reino e que nunca mais fosse pronunciado.

(Reza a lenda que ele fundou em cada pequena vila uma casa chamada Alocse, com ao menos um Rosseforp, além de um Latipsoh e Ocidém, substituindo a Adraug Laer)

No dia de sua coroação, perguntaram como ele iria se chamar:

– Por ser exatamente o contrário de meu pai, vou me chamar de hoje em diante de Riaj Saissem.

(*) O autor é escritor/filósofo, especialista em Aprendizagem, Linguagem e Escrita Criativa

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