sexta, 19 de abril de 2024
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Professores com transtornos psicológicos e a ausência de Políticas Públicas

01 Out 2018 - 06h59Por (*) Bianca Gianlorenço
Professores com transtornos psicológicos e a ausência de Políticas Públicas -

A profissão docente até a década de 1960 era considerada uma das mais belas e respeitáveis profissões e dotada de status social. O professor era visto como uma figura essencial para a sociedade era valorizado e reconhecido de acordo com a importância de seu trabalho.

A profissão de educador tinha prestígio social. Em primeiro lugar, a valorização da profissão remetia ao importante papel atribuído à educação na integração social, no contexto da formação do Estado nacional.  No passado, dizer “eu sou professora ou professor” trazia a tona uma identidade carregada de orgulho profissional e dos esforços destinados a produzir uma identidade nacional. Além disso, esse prestígio remetia às exigências da profissão, tais como os requerimentos para o ingresso e a qualidade da formação recebida nas famosas e reconhecidas Escolas Normais.

Hoje as condições de trabalho dos docentes brasileiros são consideradas precárias e têm sido apontadas, nas pesquisas atuais, como geradoras de adoecimento físico e psicológico. A reversão da situação de saúde depende da elucidação dos fatos, depende de se saber com clareza, em que condições trabalham esses docentes.

Apesar de, a educação ser um dos pilares para o desenvolvimento, a partir da década de 1970 a profissão docente passou por diversas transformações das quais contribuíram para a deterioração, fragmentação e desvalorização do papel do professor diante e para a sociedade.

Verifica-se que as transformações sociais com a ruptura do conceito social sobre a educação e a modificação desse apoio, o aumento de contradições do papel docente, as reformas educacionais com o oferecimento da obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental, um ensino massificado e quantitativo e os modelos pedagógicos referentes à formação inicial, foram grandes responsáveis neste processo de desvalorização.

Atualmente é considerada uma profissão conflitiva dotada de entraves e com seu papel cada vez mais minimizado, criticado e questionado pela sociedade. O docente se vê em constante fragilidade, insegurança, medo e incertezas.

Se justapondo a essas mudanças, outros problemas também surgiram por não conseguirem acompanhar a grande demanda. A falta de recursos materiais e didáticos mínimos necessários, indisciplina, violência, infraestrutura inadequada e baixos salários, estão presentes no dia a dia deste profissional que, ora luta para dar continuidade em seu trabalho, ora desiste.

Diante do exposto, o que se vê no cenário educativo atualmente é desanimador. Professores cansados, desanimados, desvalorizados e, sobretudo com transtornos psicológicos causados pela somatização de patologias decorrentes dessa diversificação de fatores.

Falta Políticas Públicas para dar respaldo a esses profissionais que apresentam tais transtornos e aqueles que ainda não os apresentam.

 Fatores Desencadeadores dos Transtornos Psicológicos

Atualmente o docente tem se deparado com fatores cada vez mais difíceis e inusitados no decorrer do seu trabalho. Tais fatores influenciam diretamente seu modo de ser e pensar, descaracterizando suas expectativas em relação à educação, comprometendo a qualidade no exercício de sua função e trazendo ao mesmo, reações físicas e emocionais que geralmente se traduzem em sentimentos de angústia, ansiedade, estresse, depressão e também a Síndrome de Bournout.

Se justapondo a esses, estão os fatores de violência escolar, como as agressões verbais ou físicas tanto de educandos para com eles mesmos, quanto de educandos para com o professor e até mesmo de pais investindo contra o docente em proporções inaceitáveis. Esse poder de força ou intimidação se dá por meio de um conjunto de fatores tais como: o institucional – família e escola; comportamental – atitudes, opiniões, sociabilidade, dentre outros; social – etnia, sexo, status socioeconômico, emprego, e afins. 

Neste termo de violência, também se enquadram os roubos de materiais. No entanto, a violência escolar não para por aí, pichações de insultos contra “colegas” educandos e professores estão por todos os lugares da escola, carros são riscados e muitas vezes escrevem palavrões na lataria dos mesmos. Há também, regiões que a depredação e o vandalismo imperam destruindo o pouco que se tem nas escolas.

Outro impasse que o professor tem vivido e que implica um grande desafio para o mesmo é o número de alunos por sala devido à obrigatoriedade e gratuidade da educação básica, o que tende a piorar.

Não cabe aqui opinar sobre a importância da educação desde a mais tenra idade, sabe-se de sua relevância,

Para que o educador consiga atingir as metas e objetivos traçados e respeitar a individualidade de cada educando, precisa se empenhar demasiadamente e geralmente se vê obrigado a dar conta de tarefas extraclasse, deixando sua vida social e familiar em segundo plano.

O docente muitas vezes faz papel de pai, mãe, amigo, dentre outros para satisfazer as expectativas da sociedade atual.

Essa transferência de responsabilidade com novas exigências produziu uma grande confusão para o professor e muitas vezes, este profissional se questiona sobre sua identidade, sobre o sentido de seu trabalho e entre o que faz parte dele e o que não faz.

Segundo a (OIT) Organização Internacional do Trabalho:

Em uma época em que se cobra cada vez mais que a escola cumpra funções que tradicionalmente competiam a outras instituições sociais como a família, os educadores consideram que é injustificável acusá-los de que não estejam à altura de todos os desafios que propõe um mundo em rápida transformação, especialmente se eles não dispõem dos recursos que desejariam para enfrentar esses desafios.

As modificações do ensino também se deram com a introdução dos novos agentes de socialização, tais como os meios de comunicação e consumo cultural de massa. Até então, o ensino era exclusividade do saber do professor e agora passa a ter fontes paralelas. Tal acessibilidade põe em xeque o que realmente o professor deva ensinar.

Antecedente a esses acontecimentos, havia um consenso entre sociedade e instituições no que se referia aos valores fundamentais e os modelos que deveriam ser transmitidos pelo professor, o que propiciava ao mesmo uma segurança pessoal e satisfação em relação ao seu trabalho desempenhado, assim como trazia como resultado uma socialização convergente.

3. Transtornos Apresentados Decorrentes

De acordo com o exposto anteriormente, a sobrecarga das responsabilidades, as situações conflitantes, as pressões e a fragmentação do trabalho do professor o tornam apreensivo, fragilizado, esgotado, sem motivação, principalmente por não ter meios e condições necessárias para executar seu trabalho adequadamente e não ter reconhecida a importância de seu papel perante a sociedade.

Grande parte dos professores não consegue sair ileso do exercício de sua função. Muitos desenvolvem com o passar do tempo uma série de patologias e transtornos, dos quais os psicológicos são notáveis e preocupantes. Todos esses fatores contribuem para tornar o docente extremamente exposto, gerando desgaste físico e emocional propiciando o desenvolvimento da ansiedade, estresse, depressão e burnout.

De acordo com pesquisas realizadas por diversos estudiosos em todo o território nacional, pode-se verificar que os transtornos psicológicos estão visivelmente presentes.

Nesse sentido, fica claro que de acordo com os transtornos desenvolvidos o docente tem seu perfil psicológico abalado e não somente é prejudicado no exercício de suas funções como também fica comprometido seu bem-estar físico, social e familiar.

Os transtornos psicológicos e a relação com os fatores que os desencadeiam ainda são tímidos. No entanto, o pouco que se tem de trabalhos realizados nos últimos dez anos, são o suficiente para perceber a ligação entre os transtornos psicológicos apresentados pelo docente e esses fatores.

Fala-se do lema de uma “Pátria Educadora”, mas que lema é esse, se não se pensa nas condições de trabalho, na valorização, na conscientização da sociedade sobre a importância do protagonista dessa educação, que é o docente? 

Tudo indica que a ideia ficará apenas como lema, sem um conjunto de leis, definição de recursos e articulação de uma base de apoio.

Enquanto não houver mudanças no panorama educacional com relação aos fatores apresentados e uma melhor definição do papel do professor, não haverá melhora!

 Há a necessidade de estudos mais abrangentes e imparciais na área dos transtornos decorrentes e a consciência coletiva de que o problema existe e precisa ser debatido e difundido, afim de não cair no esquecimento e nem mesmo que seja visto e compreendido como algo natural da função. Precisa-se de políticas públicas para mudar esse panorama.

Para OIT (Organização Internacional do Trabalho), a saúde ocupacional não se restringe aos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais e abrange também os agravos relacionados ao trabalho adquiridos com características diferenciadas em certas categorias de trabalhadores.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) define saúde, como estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social.

É imprescindível a adoção de ações preventivas e corretivas nas instituições de ensino com visitas periódicas de psicólogos para estimular e propiciar grupos de discussões a fim de expor as aflições diárias e propor alternativas e soluções para resolução de conflitos e quando necessário, atender individualmente.

Nesse sentido é indubitavelmente necessário, que sejam traçadas e implantadas Políticas Públicas preventivas, efetivas e eficazes a fim de minimizar os transtornos psicológicos apresentados pelo docente, promover uma vida mais saudável tanto na área psicológica, quanto na área física e também contribuir para uma prática pedagógica mais saudável e eficiente para todos.

Nesse sentido, fica clara a necessidade de apoio aos docentes a fim de controlar, combater e prevenir os transtornos psicológicos apresentados por meio de implementação de políticas públicas efetivas e eficazes que promovam o bem-estar docente e contribua para uma prática pedagógica mais saudável e eficiente para todos.

(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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