sexta, 29 de março de 2024
Artigo Antonio Fais

Os Outros

08 Nov 2019 - 15h18Por (*) Antonio Fais
Os Outros - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Conheceram-se em 12 de junho! E, da maneira que se deu, daria para se pensar que foram feitos um para o outro. Isso se dá porque gostamos de achar coincidências onde não necessariamente elas existem.

Mas assim foram os fatos: ambas as mães deram entrada à maternidade neste dia e, com todos os quartos lotados, tiveram que ficar no mesmo. De início pensaram protestar, pois queriam privacidade, e o plano médico, caro, assim lhes prometia, mas, ao menos nessa época, e só nessa, creio, há nas mulheres um certo companheirismo. Repartiram, assim, o primeiro quarto e tiveram seus filhos.

Gêmeos. Eram de gêmeos, com ascendente em aquário.

No entanto, após esses primeiros dias juntos, só puderam se ver novamente na primeira série. Ambos, filhos únicos, eram os melhores alunos da classe e só souberam do fato inicial, sem que nesta época tivesse muita importância, ao final do ano, quando dividiam, meio a contragosto, o prêmio de melhor aluno e os pais finalmente se encontraram.

Nos anos que se seguiram ora eram amigos, ora disputavam a atenção dos professores e colegas de classe.

A primeira vez que ela sentiu algo de diferente por ele foi quando viu aquele menino pacato e comportado brigando em uma partida de futebol - não era o mesmo! Ele queria ganhar, tinha raça, tanto que saiu aos murros e pontapés com outro garoto maior, sem pensar nas consequências. Apanhou e ela ficou entre admirada com a coragem e um certo dó da surra que levara.

Passaram-se alguns anos para que ele a visse de outra maneira. Já não mais estudavam juntos, pois ele deixara de ser um bom aluno e atrasou-se nos estudos. Ele a viu dançando: ela era sensual, bonita como nunca tinha se feito notar. Pensou em falar com ela, mas lá estava ela, aos beijos com um rapaz. Sentiu um certo ciúmes de sua primeira companheira de quarto.

E mais anos se passaram. Ele e os amigos bebiam em um bar para comemorar o campeonato de futebol ganho, enquanto ela comemorava o ingresso na faculdade. Ele subiu ao palco, pegou o violão para tocar. Tocava muito bem. Ela, animada pela bebida, pela faculdade, pela música, pelo amigo, pegou o microfone e se pôs a cantar. Eram outros, que finalmente se encontraram. Apaixonaram-se pelos outros. Ficaram juntos nesta noite.

À luz do dia, porém, não era a mesma, ou não era mais a outra. Eram meio sem graça. O namoro durou pouco mais que um mês.

Tempos depois, encontraram-se em uma danceteria – comemoravam o aniversário que, como devem se lembrar, era no mesmo dia. Ela dançava e jogava o cabelo e ele, já meio alto pela bebida, acompanhando seu ritmo, foi lhe dar os parabéns. Juntos ficaram à noite e assim amanheceram. Encontravam-se durante o dia e com outros amigos montaram uma banda. Nada mais os separava. Ensaiavam, cantavam, tocavam, faziam amor e casaram-se, finalmente.

A vontade de construir despertava nela a moça que dançava e cantava que ele tanto queria; e nele, o menino que apanhara sem medo quando pequeno. Assim fizeram uma vida: estudaram, compraram carro, fizeram carreira, compraram terreno, tiveram filhos, construíram casa. Eram outros.

Mas um dia, sabe-se lá por quê, sem que se possa perceber, a menina não sabia mais cantar nem dançar; o menino não brigava mais por nada.

Ela não era mais a mesma ou não era mais a outra e ele imaginou que houvesse outro e ela, outras.

Os outros se foram e ficaram os uns. E como ninguém gosta de qualquer um, separaram-se e apaixonaram-se por outro.

(*) O autor é escritor/filósofo. Especialista em Aprendizagem, Linguagem e Escrita Criativa

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