sexta, 29 de março de 2024
Memória São-carlense

Luiz Cechinato, padre, intelectual e amigo que adotou São Carlos

24 Mai 2019 - 07h00Por (*) Cirilo Braga
Luiz Cechinato, padre, intelectual e amigo que adotou São Carlos - Crédito: Assessoria de Imprensa da Diocese de São Carlos Crédito: Assessoria de Imprensa da Diocese de São Carlos

“Ame a vida! Construa sua história com alegria. Ela é única. Somente sua. Só você poderá construí-la. E é uma só vez que você vive esta vida. Cada dia que passa, nunca mais voltará”.

As palavras do Monsenhor Luiz Cechinato (1931-2017), lidas num dos muitos livros que escreveu, revelam a sabedoria de um sacerdote católico que viveu grande parte de sua vida religiosa em São Carlos, onde deixou um valioso legado de amizade e vigor intelectual.

O Monsenhor, que gostava de ser chamado apenas de “Padre Luiz” conduzia na época a Paróquia de São Francisco de Assis, cujos fieis foram privilegiados com as últimas homilias do escritor notável que ele foi. Suas mensagens, faladas ou impressas, demonstravam a essência da pessoa serena, fraternal e tão próxima do dia a dia de cada um.

Padre Luiz descobriu subitamente a vocação sacerdotal. Consta-se que o chamado ocorreu durante a leitura da parábola do semeador, num jornal que embrulhava algo na metalúrgica na qual trabalhava em Leme. Seu ingresso para o seminário foi considerado tardio, pois era comum que os meninos ingressassem no seminário quando ainda quando pré-adolescentes. Mas Deus o preparou para que, com mais maturidade, aos 17 anos, tivesse o discernimento e a certeza de sua decisão. Ele quis ser aquele que semearia a Palavra no coração das pessoas – e seus pais de imediato acolheram o seu desejo de seguir para o seminário.

O sacerdote escritor e torcedor do Grêmio São-carlense que conheci na redação do jornal "O Diário" em 1982 cativava o interlocutor de imediato. Após uma de nossas primeiras conversas – eu ainda era um adolescente – me dedicou o livro “Conheça melhor a Bíblia”. Percebi que estava diante de um religioso realmente dedicado à tarefa de evangelizar – e atuar como o “pescador de almas” de que falou Jesus.

A identificação com a cidade e seu principal templo católico era patente, como se viu na sua apresentação do Boletim Paroquial da programação das atividades em 1983, quando a paróquia comemorou 125 anos de criação e 75 de sua elevação à categoria de Catedral.

"Um povo sem tradição é um povo sem história. E um povo sem história não é um povo, mas mero acaso que caminha sem rumo e sem consciência de si mesmo”, escreveu. “A Catedral tem sua história e sua tradição de que muito preza. É um povo que sabe o que quer e para onde vai. E sua história tem um duplo relacionamento: com a terra e com o céu. É uma caminhada à luz da fé".

Nada é mais expressivo num discurso, sobre qualquer assunto, do que perceber que aquele que pronuncia as palavras as vivencia e nelas realmente acredita. Passei a admirar a figura do Padre Luiz – sempre disposto a me receber para conversar sobre os temas da fé, e eu lembro bem do dia em que disse a ele que de vez em quando perdia a crença nas coisas espirituais. Ele me tranquilizou dizendo que mesmo os discípulos de Jesus e os religiosos da atualidade viviam momentos assim.  O padre que celebrou meu casamento, minhas Bodas de Prata, as Bodas de Ouro de meus sogros e que se fazia tão presente na vida das pessoas, dizia que não devemos passar a vida esperando por grandes acontecimentos, pois o melhor da vida está nos pequenos acontecimentos que nos trazem alegria. Era uma alegria encontrá-lo tantas vezes, desde os tempos em que costumava visitar o pessoal de “O Diário”, levando pessoalmente seus artigos.

Algumas vezes travou inusitados debates com o diretor do jornal, Paulo Duarte, que se divertia em desafiá-lo para conhecer os fundamentos de sua doutrina e assim permitir que tivéssemos ali na modesta redação do jornal, monumentais aulas de religião.

“Padre Cechinatto é o admirado pároco da Catedral, exercendo com muita vocação e religiosidade o sacerdócio há quase 40 anos, sendo bastante querido de nossa gente”, escreveu em 1999 o colunista Aduar Dibo, na “Coluna do Adu”.

Nascido em Leme no dia 27 de julho e 1931, numa família de imigrantes italianos, os pais de padre Luiz, Domingos Cechinato e Rosa Romanzotti Cechinato, eram católicos praticantes. O casal apoiou desde o primeiro momento a decisão do filho de ingressar ainda jovem no jovem no Seminário Menor de São Carlos. Confirmada sua vocação, no ano de 1955 seguiu para São Paulo, indo cursar Filosofia e Teologia no Seminário Central do Ipiranga. A ordenação sacerdotal ocorreu na véspera do natal de 1961.

Designado pároco de Borborema, comandou por dez anos a Paróquia de São Sebastião naquela cidade. Em 1972 seguiu para Bariri em 1972, assumindo a Paróquia de Nossa Senhora das Dores, onde permaneceu até 1981, ano da chegada a São Carlos para ser pároco da Catedral Diocesana de São Carlos Borromeu.

Foram vinte anos extremamente profícuos como pároco da Catedral, tanto do ponto de vista da condução da paróquia como no trabalho intelectual, produzindo livros e contribuindo com artigos publicados na imprensa da cidade. Muito admirado pela comunidade, Padre Cechinato tornou-se uma referência de autoridade eclesiástica acessível a todos.

No período de 1981 a 1996 foi o Vigário Geral da Diocese – e o que eu me perguntava, diante de sua bela trajetória, é por que não fora guindado ao episcopado nesse período em especial. Tinha, afinal, todos os predicados de um pastor do modelo indicado nas palavras do Evangelho.

Em 2002, Monsenhor Luiz Cechinato passou a ser o pároco da Paróquia de São Francisco de Assis, a última casa do prolífico autor de 28 obras - entre elas "Nossa fé segundo o Catecismo da Igreja Católica" e "A missa parte por parte" - e também de seis livros de reflexão e oração publicados pelas editoras católicas “Santuário” e “Vozes”, além de outras publicações por conta própria.

O eterno “Padre Luiz” faleceu em 3 de abril de 2017, quando encerrou sua fecunda jornada na Terra, tendo sido sepultado na cripta da Catedral onde continuam a ecoar as palavras do antigo pároco – tão vivas no coração dos amigos e eternizadas nas páginas de seus livros. (Com informações suplementares da leitora Valderez)

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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