sexta, 29 de março de 2024
Artigo Rui Sintra

Gregório - O córrego indomado

18 Jan 2020 - 07h00Por (*) Rui Sintra
Gregório - O córrego indomado - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Está bem presente na nossa memória as horas trágicas vividas no passado domingo, dia 12, em São Carlos, com o temporal que assolou violentamente a cidade, causando inundações talvez nunca vistas até agora, principalmente no centro.

Imediatamente após o quase dilúvio que se abateu sobre nossa cidade, com os comerciantes desesperadamente fazendo contas aos prejuízos, houve logo quem aproveitasse o momento e se pronunciasse publicamente, manifestando solidariedade para com os atingidos, mas na sequência fazendo uma espécie de pré-campanha a um eventual candidato, recordando algumas obras que o mesmo fez quando de sua passagem pela prefeitura. Ou seja, a dita manifestação de “solidariedade” ficou apenas na primeira linha do comunicado, sendo que o resto do texto foi mera propaganda política antecipada. Obviamente, isso tem a ver com o ano eleitoral que agora começou, característico pela corrida ao poder local: no entanto, acredito que os cidadãos estão mais esclarecidos, mais “politizados”. Solidariedade manifesta-se através de atos e não por palavras.

Não é de agora que a cidade de São Carlos se debate com enchentes, sabendo-se que ao longo de décadas a situação se complicou - e muito -, devido a um crescimento desordenado da cidade, com agressões consecutivas à Natureza. O Córrego do Gregório, por exemplo, foi o mais intervencionado, tendo sido drasticamente modificado seu leito natural. Essas intervenções, dentre outras que agrediram o meio-ambiente ao longo de décadas, poderão ser (e, certamente são!) as grandes responsáveis pelos tristes episódios como aquele que aconteceu no passado dia 12 de janeiro, quando a Natureza se rebelou mais uma vez contra a ação do Homem.

A meu ver, não tem cabimento lançar pela janela milhões para fazer mais obras que contrariem a Natureza, até porque as mudanças climáticas estão aí para confirmar a inutilidade dessas ações: em sentido inverso, faz sentido, sim, investir para que a Natureza reocupe seu lugar usurpado, fazendo com que ela seja parte integrante da cidade.

Repare-se na obra monumental feita em 2006, no Japão, para prevenir as enchentes na cidade de Tóquio: uma espécie de catedral subterrânea localizada a 22 metros de profundidade e que faz parte do canal subterrâneo de escoamento da área metropolitana da cidade, constituindo um sistema de 6,3 Km de túneis e câmaras cilíndricas imponentes que protegem o norte de Tóquio de inundações. Contudo, essa gigantesca obra poderá não ser suficiente para proteger Tóquio de inundações num futuro próximo, hajam vistas as ações resultantes das mudanças climáticas.

Num trabalho coordenado pelo Prof. Dietrich Schiel (USP Campus de São Carlos), em 1999, produzido pelo Centro de Divulgação Científica e Cultural da USP (CDCC) e por alunos de Instrumentação para o Ensino, do Curso de Licenciatura em Ciências Exatas, o vídeo intitulado “Gregório - o córrego indomado”, mostra-nos como a Natureza, em São Carlos, se comporta quando lhe é usurpado ou alterado seu espaço e curso.

Como se doma a força da água? Da mesma forma que se doma um vulcão, um tornado, um ciclone, um terremoto, ou seja, não se doma. No vídeo que citei, a conclusão que se retira é que continuando a fazer obras que tendem a conter ações da Natureza, implica que os gestores de São Carlos tenham que todos os anos estender o boné em Brasília no sentido de angariar fundos para pagarem os prejuízos. Mais vale estender o boné para angariar fundos para replanejar as partes mais críticas da cidade e deixar a Natureza como parte fundamental da urbe, remanejando o comércio tradicional para um lugar devidamente preparado e seguro, que preserve e garanta parte tão importante da economia local. Isso não é gasto, é investimento público. (Colaboração do Prof. Euclydes Marega Jr. - USP).

Assista ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=l95Nz1VLOX8&feature=youtu.be

 

(*) O autor é Jornalista profissional / Membro da GNS Press Association (Alemanha) / Correspondente internacional freelancer.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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