quinta, 28 de março de 2024
Memória São-carlense

Geraldo Eugênio - locutor e industrial apaixonado pela comunicação

21 Dez 2018 - 06h50Por (*) Cirilo Braga
Geraldo Eugênio - locutor e industrial apaixonado pela comunicação - Crédito: Acervo digital da FPMSC Crédito: Acervo digital da FPMSC

Uma praça pública no bairro Cidade Jardim e a sala de imprensa no Paço Municipal levam o nome de um radialista são-carlense que deixou saudades: Geraldo Eugênio Toledo Piza, o “Gê”, personalidade marcante da radiodifusão nos chamados “anos românticos” do rádio.

Falecido em abril de 1991, Geraldo teve interrompida, aos 43 anos, uma ascendente trajetória como homem da comunicação e da indústria. Alguém que transitou por caminhos em que nada lhe veio de graça e tudo foi fruto de batalhas vencidas desde os 14 anos, quando ingressou no mercado de trabalho. No comércio e na indústria, de início.

“Gê”, então um empresário reconhecido pelo estilo moderno de empenhar-se na procura de soluções inteligentes para questões desafiadoras, valorizava as relações humanas e naquele princípio dos anos 90, confidenciava a intenção de voltar a trabalhar como locutor de rádio, sua paixão e ofício no qual se notabilizou.

Filho de Eugênio Piza e Conceição Vono Toledo Piza, após o falecimento de seu pai, ainda jovem ele foi trabalhar na Associação Comercial e Industrial, depois na Lápis Johann Faber e na revenda de produtos Massey Ferguson.

O gosto pela locução viria logo no ano de 1958 quando seu tio Leôncio Zambel montou a antiga Rádio Progresso e o entusiasmo do menino atento a tudo, contagiou o irmão quatro anos mais jovem, Gerson Edson.  Sua mãe dizia: “Onde vai o Gê, logo atrás está o Juka (apelido de Gerson)”. Não era um detalhe.

O irmão se lembraria disso muitos anos mais tarde, ao citar a fala materna na solenidade na qual o município perpetuava a lembrança do radialista na denominação da sala de imprensa da Prefeitura. Os caminhos que o instantâneo da lembrança percorre levavam, decerto, a muitas outras passagens.

A reforma do prédio da rua Episcopal, a montagem do sistema irradiante no final da rua 13 de maio, o início da Rádio Progresso, a instalação de seus estúdios – tudo teve a participação e o testemunho do Geraldo e do Gerson.

Em pouco tempo ambos liderariam programas de sucesso nas ondas da Progresso: Geraldo era o apresentador do “Nosso encontro” e programa “Sempre aos domingos”. Gerson apresentava o “A voz sertaneja” e o “Preludio à noite são-carlense”.

Sempre empolgado e inventivo, “Gê” chegou a gerenciar a Rádio Educadora, de Piracicaba. Ao esforço para vencer um problema de dicção seguiu-se o determinado treinamento para impostação de voz. Vontade, disciplina e muito treino revelavam algo mais sobre o moço que queria se comunicar com clareza. Ele próprio contava que os exercícios incluíam leituras feitas em voz alta com um lápis entre os dentes.  A recompensa foi o surgimento de um extraordinário locutor de rádio, seguramente um dos melhores que a cidade conheceu.

Aliado a isso, o amor por sua cidade natal onde nasceu no dia 2 de agosto de 1942, seria o ingrediente decisivo para o sucesso e o respeito que alcançou. Geraldo foi aquele tipo de apresentador que promovia eventos musicais que empolgavam os participantes e o público. Alguns desses eventos, de tão marcantes, ficaram por muito tempo na memória de toda uma geração de são-carlenses.  Meticuloso e detalhista, Geraldo tinha determinação em fazer sempre o melhor e superar-se.

Os irmãos Toledo Piza mantinham-se antenados com o que acontecia no mundo do rádio, indo conhecer estúdios em São Paulo e no Rio de Janeiro para tomar conhecimento de como se trabalhavam nos grandes centros da radiodifusão nacional. De quebra, conheciam pessoalmente os locutores que faziam escola pelo país. Geraldo Eugênio encantava-se com as novidades.

Em paralelo à atividade radiofônica, graduou-se em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), também cursou Matemática na Faculdade de Filosofia de Araraquara e Administração de Empresas, na ASSER, em São Carlos. Casou-se com a assistente social Maria Cândida Oliveira Martins e teve dois filhos: Pedro Eugênio e Ana Cândida.

O tino empresarial ganhou forma no ano de 1975 quando foi constituída a Topmaster Indústria Eletrônica. Uma empresa são-carlense inovadora, criada para produzir máquinas para semiautomação que deu forma ao sistema DDC (Discagem Direta a Cobrar), ao Disque 200 (mensagem via telefone), e a muitos outros.

O alcance do trabalho, do qual Geraldo era o cérebro, fazia jus ao nome da empresa, cujos produtos destinados a emissoras de rádio e centrais telefônicas conquistaram o mercado.

Nos tempos românticos do rádio analógico (que se prolongou até por volta da primeira metade dos anos 90), as cartucheiras reinavam nas melhores emissoras garantindo novidades em vinhetas, comerciais e lançamentos musicais.

Seu irmão Gerson Edson cursou Matemática na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara por dois anos e posteriormente concluiu o curso de Biblioteconomia em São Carlos, tendo trabalhado em diversos lugares até 1978 quando retomou o trabalho exclusivo ao lado de Geraldo. Um destino que se cumpria e que nos anos seguintes incorporava a companhia do irmão caçula, Marco Antonio, o Marcão.

A inauguração da Intersom FM consolidada em 1982 em associação com Coriolano Morato Ferraz Meireles, industrial e amigo, tornou real um sonho da família. Com o passar dos anos, os Toledo Piza assumiram integralmente a empresa, adquirindo também outra emissora de frequência modulada na vizinha Itirapina.

Investimentos em tecnologia e recursos humanos ditaram a empreitada.  Não haveria espaço para um passo em falso e essa constatação pareceu clara no planejamento de tudo o que aconteceu ali pelos altos da Vila Nery naquele princípio dos anos 1980. O alvo de ser uma emissora de vanguarda seria atingido com a evocação do ímpeto de tempos atrás. Os filhos aprenderam com dona Conceição que nada se conquista sem esforço. Então seria preciso unir o menino de antes ao empresário de então para fazer as coisas acontecerem.

Quem observava os fatos sabia que algo surgiria onde estava presente o dinamismo do espirituoso “Gê”, muito querido por uma grande legião de amigos conquistados ao longo da vida e aos quais dedicava lealdade e pérolas de bom humor. Quem não gostaria de ter um amigo assim?

Certamente a habilidade no trato pessoal foi aprimorada por ele ao longo dos 12 anos em que manteve seu famoso programa na Rádio Progresso, onde criou um estilo e alcançou elevados índices de audiência.

Os sucessos musicais e as informações instantâneas, na época vinham pelas ondas de rádio e davam aos locutores uma aura de amigos próximos de cada ouvinte. Era como suas vozes operassem a mágica de levá-los para dentro de cada residência, partícipes do dia a dia das famílias.

No programa em que o próprio produtor e apresentador estabelecia contato direto com os ouvintes, “Gê” fazia entrevistas, apresentava notícias e atendia pedidos musicais de forma alegre e muito própria.

A voz inconfundível e sonoramente romântica prendia as atenções, demonstrando uma versatilidade incomum, acompanhada de alto sentido educativo. Muitos diziam que jamais houve uma voz tão marcante no rádio de São Carlos quanto a de Geraldo Eugênio.

O exímio imitador e contador de causos era, sim, um homem de negócios, mas acima de tudo um humanista. Alguém que produzia histórias com a matéria prima de suas vivências e irradiava cordialidade e respeito pelas pessoas.

O reconhecimento à atuação empresarial e à versatilidade em suas tarefas foi alcançado no ano de 1986, quando recebeu o título de “Industrial do Ano” ao ser eleito pelo CIESP e SESI para ser homenageado em solenidade na Câmara Municipal no dia 29 de agosto.

Na época, ao receber a distinção, tida como a mais importante que um industrial da cidade pode almejar, Geraldo compartilhou a conquista com todos os que o acompanhavam, sobretudo os familiares e funcionários da empresa.

Tive o privilégio de conhecê-lo na Intersom FM quando eu era muito jovem e era brindado por Geraldo com sábias observações e conselhos de um irmão mais velho, recomendações partidas de quem passou antes pela estrada. Eu ouvia com a reverência do menino a um mestre.

Quando Geraldo Eugênio faleceu em 15 de abril de 1991, tive a certeza da imensa perda sofrida pela comunicação e o empresariado de São Carlos. Desaparecia um amigo, profissional e pai de família notável, o camarada boa-praça que no espaço breve de sua vida deixou um legado e muitas lições. O legado da honestidade e do trabalho como meio de alcançar metas. A lição do comunicador que soube entender as transformações de sua época, que não foram poucas, e antecipar o futuro. O homem de rádio que interpretou com inteligência os sinais da modernidade e teve sabedoria para conservar o idealismo sem deixar que o sonho se transformasse em fantasia.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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