terça, 23 de abril de 2024
Direito Sistêmico

Formas de atuação na Advocacia Sistêmica

05 Out 2018 - 06h55Por (*) Adv. Rafaela C. de Souza
Formas de atuação na Advocacia Sistêmica -

Considerando ser um tema novo no Direito e que muitas vezes causa estranheza o fato de ser “sistêmico” ou até o termo “constelações” pode passar a sensação de que é algo “astrológico” ou até “esotérico”, mas não é nada disso, é sim algo muito grandioso e a imbricação do Direito com outras áreas de conhecimento, somente vêm a somar com o exercício da advocacia e o melhor atendimento aos anseios dos clientes.

Mas para exemplificar e os leitores possam entender melhor como pode ser essa junção do Direito com as práticas sistêmicas, essa semana a Dra. Claudia Melas Arouca, publicou em sua página na internet[i] uma modelo de atendimento sistêmico em seu escritório e o transcrevo para fins de compartilhamento e o fácil entendimento, senão vejamos: “Baseado em um caso real. Então, Lúcia, entendi que trata-se da necessidade de realizar o inventário e a partilha dos bens deixados pela sua mãe. Como você deseja resolver essa questão com os seus irmãos? – Ah, Cláudia, eles não têm condições de lidar com isso não. Eu é que vou assumir tudo. – Quando você diz “tudo”, o que exatamente está incluído aí? – Tudo é tudo, ué. Especialmente a parte financeira. Eles não têm dinheiro, tempo, nem condições de ficarem vindo aqui no seu escritório. – E você já falou sobre isso com eles? O que eles disseram? – Sim, já falei. Eles disseram que tudo bem. Tudo ótimo! Sempre foi assim… Lúcia começa então a se queixar. Diz que a situação está pesada demais. Enquanto fala, se endireita no sofá, estufa o peito e deixa escapar um risinho de satisfação. Percebendo o conflito entre a comunicação corporal e verbal de Lúcia, continuo. – Ah, então se eu entendi bem, você sempre cuidou dos seus irmãos mais velhos, mesmo quando a sua mãe estava viva. – Não, quando a minha mãe estava viva, era ela quem cuidava dos meus irmãos, principalmente do mais velho. Eu achava isso um absurdo! Um homem com quase 50 anos na cara!!! – Então, Lúcia, para sermos mais exatas, podemos dizer que você passou a cuidar dos seus irmãos somente após a morte da sua mãe? - Sim. - Será que você acredita que precisa ocupar o lugar dela? O lugar que você acredita ter ficado vazio com a morte dela? Isso faz sentido para você? Pausa. – Faz… – Tive a sensação de que sua mãe era uma mulher muito forte. Como era o relacionamento de vocês? Visivelmente emocionada, Lúcia passa a descrever como era o relacionamento dela com a mãe. Era conturbado.  Lúcia não respeitava a mãe. Criticava o modo de vida dela e as decisões que ela tomava. Até a aparência física da mãe não lhe escapava – estava gorda demais! Acolho a dor de Lúcia e percebo o enorme amor que ela sente pela mãe. Também percebo a enorme dificuldade que ela tem de expressar esse amor de forma positiva, harmoniosa e do lugar dela, de filha caçula. Percebo, ainda, como tudo isso pode influenciar negativamente no relacionamento entre os irmãos e no desfecho do inventário. Então, proponho que Lúcia realize o seguinte exercício: – Encontre uma posição confortável. Feche os olhos. Respire calma e profundamente. Traga a imagem da sua mãe para a sua tela mental. Se ajoelhe diante dela. Isso mesmo! Veja-se de joelhos diante da sua mãe e olhe para ela. Depois de um tempo, percebendo a mudança na fisiologia de Lúcia, continuo.– Ainda nessa posição, de joelhos, olhando bem nos olhos da sua mãe, diga: Querida mamãe, agora vejo a sua grandeza. Agora vejo que eu sou a pequena e você, a grande. Eu sou apenas a filha. A sua filha caçula. Pergunto à Lúcia como ela vê o rosto da mãe agora. Ela responde que a mãe está feliz, que está sorrindo e que há muito amor em seu olhar. Pergunto como ela está se sentindo e Lúcia responde com um pranto longo, carregado de emoção.Aguardo em silêncio por um bom tempo e continuo.– Diga à sua mãe: Mamãe, agora eu posso receber o seu amor. Agora eu posso me preencher desse amor.– E agora Lúcia, como você está?– Não sei ao certo, mas estou me sentindo muito bem. Mais leve...Voltando à questão jurídica, propus que ela e os irmãos assinassem um contrato particular, dispondo que Lúcia adiantaria o pagamento das despesas necessárias ao andamento do inventário e que, ao final, no momento da partilha dos bens, ela seria compensada pelos irmãos. Além disso, todos teriam a responsabilidade de contribuir para o bom andamento do processo.– O que você acha dessa proposta, Lúcia? Rindo alto, entendendo o porquê do exercício, ela responde:– Acho justo. Afinal, eu é que sou a irmã caçula, né?Nome fictício”

Esse relato é extremamente relevante no início da conversa a “Lúcia” tinha uma percepção sobre sua vida, sobre sua mãe e seus irmãos, e com a conversa e o exercício simples proposto pela advogada sentada em seu escritório, ao final podemos perceber que a cliente entendeu finalmente o seu lugar na família de origem, ou seja, de ser apenas “a filha caçula” e concorda com o reembolso pelos irmãos no final do processo, assim a troca entre eles ficará justa.

Dessa forma, podemos verificar que a advocacia sistêmica não se resume no uso somente das “Constelações Familiares”, englobando também esse tipo de exercício sistêmico adrede transcrito, a aplicação de técnicas do Coaching Sistêmico, da PNL – Programação - Neuro Linguística, entre outras formas de abordagem do cliente pelo profissional da área do Direito.

Os pontos negritados no relato acima demonstram a preciosidade do atendimento jurídico realizado bem como a capacitação da profissional para que isso fosse possível, portanto, esse novo olhar para o Direito de forma mais humanizada, que acolhe o cliente bem como todas as suas dificuldades iniciais e colabora para ampliação da sua visão sobre o conflito jurídico e está em consonância com as diretrizes do Novo Código de Processo Civil bem como com as orientações do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, para fins de introdução de novas formas de resolução de conflitos.

* Dra. Rafaela C. de Souza é Advogada Sistêmica, inscrita na OAB/SP 225.058 e Presidente das Comissões de Direito Sistêmico e da OAB Concilia da 30ª Subseção de São Carlos.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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