sábado, 20 de abril de 2024
Artigo Rui Sintra

Duas notícias...

27 Jun 2020 - 10h37Por (*) Rui Sintra
Duas notícias... -

Tenho tentado, nas duas últimas semanas, transmitir aos meus leitores histórias verídicas que testemunhei, ou que foram contadas por alguns amigos meus, protagonistas das mesmas.

Hoje, vou contar algo que testemunhei em um dos meus inúmeros “bicos” que fiz enquanto jovem, pois nessa época tinha que ganhar algum dinheiro para pequenas extravagâncias típicas de quem tem 17 anos.

Em determinado momento de minha juventude, aceitei fazer um pequeno serviço a pedido de um casal que eu tinha conhecido fazia pouco tempo e que morava em Lisboa. Nada de especial, apenas ajudar a transportar um roupeiro novo -, que não tinha como desmontar - para o apartamento deles, a troco de 25 escudos (Portugal ainda não tinha entrado na União Europeia, por isso o euro não existia). Minha missão seria ajudar dois profissionais a transportar esse móvel. E tinha que estar às 08 horas de um sábado na garagem de onde sairia a Van para transportar o móvel até ao citado apartamento. Dois grandões, com quase dois metros de altura e pesando perto de cem quilos cada um, me recepcionaram. “Olá...Eu sou o Rui e vim aqui ajudar vocês no transporte do roupeiro. O senhor André Colaço (nome fictício) pediu para eu ajudar vocês a subir com o móvel” - informei, solícito. Eles olharam um para o outro, gargalharam, e um deles argumentou “Bem que esse tal senhor André poderia ter arrumado alguém que não fosse um ‘franguinho’...”, dando tanta risada, a ponto de se engasgar. Dos meus míseros 1,70m olhei para cima, encarando o cara que tinha feito piada com a minha compleição física: sorri, timidamente. O roupeiro já estava dentro da van (não sei como ambos conseguiram transportar ele para dentro do carro), entrei e fui obrigado a sentar bem no meio dos dois, pois a Van só tinha três lugares dianteiros. Na viagem, enquanto o motorista palitava os dentes e cuspia diretamente para o painel, o que estava sentado à minha direita teve a triste ideia de colocar seu braço esquerdo atrás do meu encosto de cabeça, o que fez com que seu sovaco “dançasse e respirasse” pertinho de minha face por cerca de trinta longos minutos. Pensei “O que eu não faço por 25 escudos...”. Chegamos ao prédio onde a mudança deveria ser feita - um edifício bastante antigo -, e o motorista tocou na campainha da porta de entrada, esperando que alguém atendesse pelo interfone. Nada! Nova tentativa... Nada! Então o motorista, que parecia ser o chefe, decidiu: “Vamos subir mesmo assim e entretanto o tal senhor André - olhando para mim, sorrindo - deve aparecer, pois sabe qual é a hora da entrega”. Começamos a descarregar o maldito móvel e eu não aguentava o peso pelo qual estava responsável. Mas, mesmo assim, consegui acompanhar os dois “monstros” no transporte do roupeiro escadas acima, pois não havia elevador (mesmo que houvesse, o roupeiro não iria caber). “Qual é o andar?” - perguntou o ajudante do motorista, retomando o fôlego após uma pequena parada em um dos patamares. “10º andar”, respondeu o motorista. Quase tive um baque no coração.... “Décimo andar??????” - pensei, aterrorizado, tentando equilibrar o peso do roupeiro, que pendia perigosamente para o meu lado, e simultaneamente aflito pelo fato de minhas calças estarem escorregando drástica e rapidamente pela cintura abaixo. Mais dois patamares e o chefão parou, arfando que nem um boi, pousando o roupeiro e limpando o abundante suor que escorria de seu rosto e que encharcava sua camisa. “Pô.....!!! Perdi a conta dos pisos. Maldito prédio!!!. Não tem a numeração dos andares. Sobe aí e vê quantos pisos faltam para o décimo!!!!” - ordenou ele a seu ajudante. Eu estava praticamente de língua de fora, jurando que nunca mais iria repetir aquela experiência. O ajudante subiu rapidamente até o topo e voltou, alegremente descendo os degraus de dois em dois. “Tenho duas notícias!!! - argumentou - “Uma boa e outra má!.”O motorista grandão praguejou e gritou “Não quero saber de notícias más!!!!!! Primeiro, quero saber qual é a boa notícia, e depois de chegarmos lá em cima me contas a má!!!!!” - visivelmente irritado. “Mas... Deixa eu falar tudo...”, respondeu o ajudante, com um ar divertido, enquanto eu tentava me posicionar melhor, já que estava entalado entre o roupeiro e o corrimão de cimento. “Vamos embora para cima!!!!!!! Menos conversa!!!!” - ordenou o motorista, levantando sozinho uma das partes do móvel. Levamos cerca de meia hora para subir o maldito roupeiro, até que chegamos finalmente ao décimo piso. Ofegantes e transpirados, pousamos o roupeiro e o motorista perguntou ao colega “Então, trambolho???? Fala agora... Qual era a má notícia?????” O ajudante apontou para a porta do décimo andar, onde estava escrito “António Valadares (nome fictício)”. “O prédio não é este....”, informou, encolhendo os ombros e sorrindo. Uma enorme discussão aconteceu naquele momento entre os dois grandões, inclusive com ameaças corporais. Não sei qual foi o desfecho dessa briga, pois enquanto discutiam puxei as malditas calças para cima e, descendo os dez andares, saltando de quatro em quatro os degraus de mármore (para baixo todos os santos ajudam), jurei para mim mesmo que a partir daquele momento serviço de mudança não seria mais a minha praia.

(*) O autor é Jornalista profissional / Membro da GNS Press Association (Alemanha) / Correspondente internacional freelancer. MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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