quinta, 25 de abril de 2024
Resplandecente Alma

Do Luto à Luta: Perdas Durante a Crise e a Capacidade de Perseverar

30 Abr 2020 - 17h34Por Anaísa Mazari
Do Luto à Luta: Perdas Durante a Crise e a Capacidade de Perseverar -
Tempos de crise trazem consigo sentimentos de ansiedade que advêm das incertezas que povoam o imaginário de muitos, sobretudo frente a situações desconhecidas, anuviando o futuro e o planejamento de continuidades que sequer sabemos se serão viáveis ou factíveis. Frente a qualquer perda, e temos convivido coletivamente com muitas perdas sobrepostas, o mundo emocional, de acordo com a psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004),apresenta uma série de reações que integram o processo de luto. Com a pandemia, temos a demanda de várias adaptações aos contextos novos que surgem diariamente, algumas delas remontando à necessidade rápida de resolução para a própria manutenção da sobrevivência, desafios estes que exigem resiliência e muita flexibilidade.
 
Todos estamos perdendo muito e de forma muito rápida. Conexões sociais e até mesmo vínculos estão terminando ou se reconfigurando. Desprovidos do contato físico mais proximal, confrontamo-nos com a solidão, medo da morte, exposição ao risco, quarentena, saudade de entes queridos e até mesmo com os traumas infantis da ausência de proximidade afetiva traduzida pelo toque na infância. Empregos indo embora ou formas de reconfigurar as atividades empregatícias podem trazer desconfortos e sensações de vazio e insegurança. As incertezas, a instabilidade, a desigualdade social e suas mazelas agora gritam dentro e fora de nós. São muitas variáveis internas e externas para manejar e o turbilhão de sentimentos, sensações e emoções pode ser muito intenso nessa fase.
 
Identificar sentimentos e emoções durante o período abre caminhos importantes para o enfrentamento da crise. Perceber-se no processo de luto permite o autocuidado e também a maior probabilidade de transpor as fases com maior naturalidade, reconhecendo que estarão presentes por serem adaptativas, ou seja, conferirão superação ao final do processo, ao mesmo tempo em que se previnem as manifestações patológicas e paralisantes do luto que se tornam menos prevalentes quando cuidamos bem dos sentimentos e do nosso mundo interno.As fases aqui descritas podem se sobrepor e se intercruzar, estando separadas e diferenciadas apenas para fins de compreensão. Frente às perdas, a primeira reação costumeiramente observada é a da negação que muitas vezes vem acompanhada de raiva. Negar a realidade e se revoltar contra ela é natural nos primeiros momentos da perda, sobretudo frente aos incontroláveis contextos com os quais nos confrontamos na jornada da vida. Lidar com a vulnerabilidade suscita essa forma de “proteção” inicial, para evitar a dor avassaladora. Observamos, a posteriori, reação de barganha: algo como se fosse uma “negociação” – deixo de fazer algo ou faço algo no momento, acreditando que serei restituído (a) posteriormente. Um exemplo na pandemia é cumprir o distanciamento social (algo extremamente necessário) já imaginando o ganho posterior mais rápido da volta à normalidade. Tristeza e angústia estarão presentes já nos próximos estágios, quando acontece o real contato com a realidade das perdas e essa fase geralmente precede a aceitação – a fase que necessitará ser atingida para a observância de sentimentos e comportamentos mais pertinentes e com probabilidades mais promissoras para um positivo enfrentamento de crise, deixando-se de buscar a “restituição” do perdido, com maior conectividade com o presente e suas demandas de reinvenção, transformação e abertura de novos ciclos.
 
Vale destacar que estamos vivenciando um momento desafiador jamais experenciado anteriormente – a não ser pela nossa ancestralidade. Dessa forma, estamos todos ainda, sem exceção, construindo as respostas adaptativas à crise e daí a necessidade tão premente de autocuidado da saúde geral e saúde mental. Compreenda-se, fortaleça suas conexões com o seu próprio mundo interno e seja generoso consigo sempre, identificando necessidades e fortalecendo-se para a Luta, que terá muito mais chance de ser vencida coletivamente com crescimento e aprendizado desde queseja aceita e reconhecida, resultando em criatividade e abertura para os novos tempos que vão chegar.

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