sábado, 20 de abril de 2024
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Crise da Maturidade: a transição rumo à expansão

15 Jul 2020 - 16h21Por Anaísa Mazari
Crise da Maturidade: a transição rumo à expansão -

Em cada estágio da vida, as prioridades mudam e as características emocionais para lidar com as novas necessidades também precisam acompanhar os novos ciclos. As crises surgem a partir das tensões, desequilíbrios e posterior adaptação aos novos momentos, sendo suficientemente impactantes para impulsionar para mudanças, naturais e obedientes ao próprio curso do desenvolvimento humano. Com a chegada da maturidade, muitas pessoas vivenciam a crise que coloca em questão muitos aspectos de como se conduziu a vida até então. A Metanoia, estudada por Carl Gustav Jung (1875-1961), criador da Psicologia Analítica, compreende aproximadamente a fase dos 35 aos 45 anos de vida, em que são observados os intensos questionamentos sobre a vida, algo que será proveitoso para instrumentalizar as formas de continuidade existencial, rumo à individuação. A individuação, processo também estudado por Jung, consiste na busca por “tornar-se si mesmo”, concretizando a essência mais profunda e única de cada um de nós através de nossa existência. Mudanças de percepção sobre a vida, avaliações sobre o que já foi conquistado, avaliação dos relacionamentos, bem como resquícios de uma caminhada ainda imbricada em concepções e desejos alheios são colocados em xeque; sintomas depressivos e ansiosos podem ser observados nesta fase tão intensa de mudanças. Vivenciadas as etapas dos lutos (necessários), a expansão acontece, trazendo a genuinidade e autenticidade que serão as principais marcas da maturidade.

Ao longo da vida, passaremos pelos eventos normativos e não normativos, que terão diretas influências nas formas de vivenciar a crise da maturidade. Eventos normativos são acontecimentos esperados, graduados por idade ou por história. Em se tratando da idade, por determinantes sociais ou biológicos, uma série desses eventos são previsíveis, tais como casar-se, estabelecer-se profissionalmente e em outra etapa aposentar-se, ter filhos etc. Acontecimentos socialmente relevantes como guerras, mudanças de governo etc, também estão incluídos nos eventos normativos graduados por história – que se estabelecem tendo em vista o contexto socio cultural vigente. Já os eventos não normativos são imprevisíveis ao longo do desenvolvimento, desde tragédias, acidentes, doenças inesperadas, até ganhar na loteria ou vivenciar outras grandes mudanças de forma repentina, por exemplo. São também chamados de eventos críticos de vida pois, por mais que alguns possam ser considerados benéficos, exigem um grande esforço adaptativo pela imprevisibilidade – adaptação esta imprescindível para a continuidade saudável do desenvolvimento. Para a crise da maturidade, a ocorrência dos referidos eventos normativos e não normativos e/ou sua não ocorrência trarão especificidades para a construção das maneiras de como se avalia e como se deseja continuar a vida, acelerando ou não alguns processos maturacionais.

Até a metade da vida, o mundo emocional tende a voltar-se para o externo nas buscas geralmente esperadas para essa fase, sendo observado o movimento de interiorização exatamente na Metanoia. A palavra Metanoia tem o significado de mudança de conceito, mudança de caminho, expansão da consciência  – fenômeno emocional que consiste na “experimentação” de novas características internas e formas de ser, ainda conservados os valores anteriores, mas agora também acrescidos da existência de seus opostos, em uma busca de equilíbrio, integração e transformação de perspectiva. Em termos práticos, o que “sempre funcionou” anteriormente, neste momento da vida parece não mais corresponder ou satisfazer. Questionamentos comuns neste estágio são: Realizei tudo o que gostaria? O que de fato me satisfaz? Será que valeu a pena trilhar esse caminho? Cheguei à metade da vida, o que eu fiz? Minhas escolhas foram benéficas para meu desenvolvimento? Partiram de mim ou das expectativas sociais (incluindo figuras parentais)?

A crise da maturidade ocasiona a revisãodo caminho já trilhado na vida, o que pode trazer o sentimento de frustração e insegurança, inerentes ao profundo processo de mudança de identidade mobilizado. Se por um lado esses sentimentos podem vir acompanhados de angústias e ansiedades, por outro, abrem para as possibilidades de reconstrução e reorientação para a continuidade da existência com ganhos significativos na qualidade de vida, já que a dedicação, na primeira metade da vida, geralmente está mais relacionada às conquistas, ao passo que com a Metanoia, a partir das reflexões necessárias, a realização interna e satisfação pessoal passam a ganhar força ranqueando prioridades.

Descortinam-se então, infinitas possibilidades de resgate e adaptação de planos antigos e construção de novos anseios rumo à completude, que podem dar continuidade à trajetória com especial beleza, permitindo o protagonismo da essência norteando as escolhas e decisões em direção à individuação, o tornar-se si mesmo de forma autêntica, genuína e espontânea.Alguns pontos de reflexão podem ser relevantes para essa importante fase de transição:

- identificar insatisfações e necessidades: o que de fato vem incomodando e por quê? Autoconhecer-se e construir percepções acerca dos próprios sentimentos e comportamentos, além de seus gatilhos, podem ser ferramentas cruciais para enfrentar o momento e para cuidar-se ao longo do processo. Refletir acerca do cotidiano, separando o que está dentro do seu controle e das suas possibilidades também é importante – ressaltando que não mudamos o que não depende de nós.

- Evitar decisões impulsivas: a insatisfação e a efervescência do momento podem desencadear divórcios, abandono de emprego, mudança de carreira etc. Qualquer mudança é válida e pode ser necessária se for bem refletida, mas cuidado com ações intempestivas. Geralmente as mudanças duradouras são geradas por processos gradativos de reflexão e ação. Não existe a obrigatoriedade de agir “para ontem”. Impulsividades têm suas raízes em inseguranças muito profundas e em parcelas infantis da personalidade – e para superar a crise, as escolhas precisam estar sedimentadas no equilíbrio entre segurança e aventura, presentes na função adulta.  

- Perder para ganhar: o apego a ciclos que já acabaram traz estagnação e sofrimento, ao passo que a abertura para a novidade traz ganhos. Lutos e seus sentimentos decorrentes farão parte da crise da meia idade. Permita-se sentir e avalie a vida de forma integral e equilibrada e então, poderão ser encontradas as novas prioridades e possibilidades. O que se perde, deixa espaço para coisas positivas chegarem, algumas jamais vividas. Aproveite.

- Crie novas metas: transições e novos ciclos apresentam novas necessidades, novas aptidões e novos gostos. Descubra-se. Anseios outrora inobservados em outras fases de vida podem surgir, sendo alguns deles muito pertinentes para uma boa qualidade de vida.

Em cada fase, seu brilho. Em cada ciclo, os mais profundos aprendizados e as mais densas lições que vão nos edificando. Seguimos! Como (lindamente) escreveu Clarice Lispector: “(...) E descobri que não tenho um dia-a-dia. É uma vida-a-vida. E que a vida é sobrenatural.”

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