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Câncer de Mama: Aspectos Emocionais e Sistêmicos

30 Out 2020 - 10h30Por Anaísa Mazari
Câncer de Mama: Aspectos Emocionais e Sistêmicos -

Outubro é o mês de conscientização acerca da prevenção ao câncer de mama através da campanha Outubro Rosa. Segundo o INCA, o câncer de mama é o mais incidente em mulheres no mundo, representando 24,2% do total de casos em 2018, com aproximadamente 2,1 milhão de casos novos. É a quinta causa de morte por câncer em geral (626.679 óbitos) e a causa mais frequente de morte por câncer em mulheres. No Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama também é o mais incidente em mulheres de todas as regiões. Para o ano de 2020 foram estimados 66.280 casos novos, o que representa uma taxa de incidência de 43,74 casos por 100.000 mulheres. Mais um grave problema de saúde pública que necessita ser compreendido em profundidade para que o alcance da prevenção seja verdadeiramente eficaz e abrangente.

As causas para o acometimento por câncer integram uma série de fatores relacionados ao estilo de vida e propensão genética associados à capacidade do organismo de se defender de agressões externas e até mesmo de combater a doença. Fatores emocionais são relevantes nas causas, uma vez que diversos estudos apontam personalidades e mentalidades que podem favorecer o desenvolvimento do câncer. Do ponto de vista sistêmico, a visão e interpretação do mundo e da vida, o colorido emocional que se dá às experiências vivenciadas, podem ser fatores predisponentes, estimulando o desenvolvimento do câncer, do mesmo modo que o bloqueio da doença também pode estar relacionado a mudanças de dinâmica emocional e relacional,além da interpretação da vida renovada e mais saudável.

Qualquer acometimento por doença, dentro da consciência sistêmica, sinaliza para a necessidade de mudanças para a continuidade da vida de maneira reinventada e saudável, trazendo para a caminhada existencial, prazer, evolução e veredas mais saudáveis também para os descendentes do sistema familiar. A dinâmica emocional costumeiramente observada em pessoas acometidas por câncer na dimensão intrapessoal (indivíduo com ele mesmo), interpessoal e sistêmica, interliga-se às dificuldades de colocar limites nas relações (dificuldades para dizer não para o outro), necessidades de agradar, cuidado excessivo para com todas as demandas do entorno, postura salvadora diante dos problemas, personalidade doadora, disponibilidade para cuidar de tudo e de todos, amando a todos, menos a si próprias. Vivem desde pequenas para o outro e não conseguem perceber as próprias necessidades, tendo sido ensinadas que esse é o significado de amar. Por trás dessa disponibilidade sem limites, está uma grande onipotência como se o bem-estar ou o sofrimento alheio dependessem apenas de suas ações, o que traz grande sentimento de culpa para sair dessa posição de “salvação” do sistema, além de priorizar a dor do outro para não olhar para as próprias dores e conflitos emocionais.Dependência emocional ecodependência também estão presentes.Descortina-se uma forma de amar ensinada sistemicamente, muitas vezes através de várias gerações, em que amar se torna sinônimo de doação disfuncional, sem equilíbrio e sem ordem, como se a única forma de existir possível e pertinente fosse para o outro, o que permite invasões diversas do mundo emocional, sem a identificação do que é nocivo e negativo, inviabilizando a colocação dos limites e distâncias que se fazem necessários em uma trajetória existencial saudável. Adoecer se torna, além do “despertador” para as mudanças, a única maneira de conseguir transmitir a mensagem de que já não é possível mais ajudar, às invasões acumuladas que se transformam na doença.Não raro é que observemos famílias inteiras como uma grande propensão ao câncer, com diversos membros adoecidos, o que também pode sinalizar a fidelidade oculta à ancestralidade, acontecendo inconscientemente a repetição de destinos, o que evidencia relacionamentos simbióticos. Nas relações simbióticas as individualidades são aniquiladas, os projetos de vida ficam prejudicados, caracterizando uma forma de vínculo em que as pessoas só existem para as relações e para a satisfação de um ou alguns membros do sistema adoecido. Perde-se a noção maior do sistema e de sua necessidade de continuidade para o fluxo da vida direcionado para o futuro, sendo este um fértil terreno para adoecimentos diversos e até mesmo morte da família através das gerações.

No caso do câncer de mama (simbolicamente muito relacionado à característica feminina, apesar de homens também terem câncer de mama em uma incidência muito menor), ou de outros órgãos exclusivamente femininos associados ao sistema reprodutor, a doença pode sinalizar acercado feminino adoecido ao longo da ancestralidade ou até mesmo sofrimentos emocionais relacionados à figura materna como referência do feminino familiar, podendo ser uma manifestação de destruição da função materna. Culturalmente, as mulheres são também simbolicamente revestidas da concepção do amor incondicional mal interpretado e doação sem limites, o que reforça as características salvadoras e doadoras diretamente relacionadas ao câncer. Dinâmicas abusivas também podem se instaurar pelo desequilíbrio entre o dar e o receber nas relações em que muito é esperado do Feminino. A grande questão está em não se perder de si mesma, do seu lado Mulher, da potência de sua individualidade – o que infelizmente acontece em muitas situações quando alguns papéis ficam cristalizados, como no caso das mulheres “montadas” para cuidar e “nutrir”, sem possibilidades para projetos de vida, expressão da essência e desenvolvimento pessoal.

O corpo em seu funcionamento é resultado de nossas escolhas, decisões e mudanças de dinâmica emocional. Sea permissãopara a invasão do mundo interno pelas toxicidades diversas com as quais vamos lidar no caminho permanecer, sem colocar as distâncias e limites necessários, ainda que a cura física aconteça, as doenças tendem a ressurgir. Para o tratamento, ou seja, para a mudança de dinâmica emocional, são apontadas as seguintes necessidades:

- Aprender a se amar: amor próprio é primordial para a identificação de necessidades e autocuidado. Perceber sensações, autoconhecer-se, jamais ignorar os sentimentos e saber se priorizar é essencial e contribui para relações com outras pessoas muito mais genuínas, prazerosas e saudáveis. Você merece amor e cuidado de si mesmo(a) para si mesmo(a). Aliás, ninguém melhor do que nós mesmos para nos cuidarmos dentro de necessidades que somente nós podemos identificar com maestria!

- Sair da dinâmica de dependência e codependência: mesmo na postura Salvadora, teoricamente repleta de onipotência puramente infantilizada, o que se encontra governando o comportamento é na realidade a dinâmica de dependência e codependência. O Salvador surge quando existem pessoas fragilizadas que vão “sugar” as energias, parasitando o sistema sem troca afetiva saudável. Essa dinâmica muitas vezes é mantida pela valorização que aparentemente traz, mas às custas do elevado preço de passar pela vida traindo-se e secundarizando as próprias necessidades, extinguindo o caminho singular e pessoal que deixa de ser construído.

- Aprender a amar de forma adulta: estar subserviente aos desejos alheios e atender sempre ou quase sempre a necessidade das pessoas para obter amor e aceitação é uma forma infantil de amar. Na infância se aprende que as expectativas dos outros devem ser atendidas para obter afeto, caminho perigoso e adoecedor para a idade adulta. Lidar com os nossos diversos sistemas somando de forma cooperativa com equilíbrio e quando é possível é diferente de deixar de construir o próprio futuro para voltar-se às necessidades dos outros, perdendo-se de vista. Amar de forma adulta é doar-se, mas também receber, saber como se doar, saber colocar limites quando necessário, saber que desagradar faz parte, aprender a dizer não. Aceitar o que é saudável e positivo nas relações e saber limitar o que é tóxico, sem deixar-se ser invadido (a).

- Morte de ciclos e dinâmicas: deixar ir o que já acabou e transformar dinâmicas doentias é mais uma necessidade essencial para restabelecer a saúde, uma vez que aprisionamentos ao passado também levam ao adoecimento. Vivenciar esses lutos, cuidando da dor e seguindo para a Vida faz com a que doença se afaste – literalmente. Nas sessões de Constelação Sistêmica em grupo, quando chegamos na fase de resolução com dinâmicas saudáveis de continuidade de Vida, o elemento representante da doença perde força e se afasta até sair do campo em uma nítida expressão de que já cumpriu o seu “papel” no sentido de despertar a pessoa para novas veredas e seguimento de sua jornada.  

- Reorganizar os relacionamentos: saber o lugar que ocupa no sistema, as funções saudáveis, também deixar ir as pessoas que só vislumbram a “utilidade” de quem se propõe a se doar sem limites. Por mais doloroso que possam parecer alguns afastamentos que acontecem com essa nova postura de vida, lembre-se de que o fluxo para o surgimento de relações mais saudáveis torna-se aberto à medida que nos tornamos mais saudáveis. Além disso, novas posturas também podem melhorar relações já existentes, caminho aberto para vínculos com muito mais qualidade sejam eles antigos ou novos.

Tornar-se mais saudável – física e emocionalmente - traz ressonâncias nos descendentes, proporcionando uma continuidade mais saudável também para os mais jovens, até mesmo os que ainda vão chegar. Estudos sobre Epigenética apontam que as evoluções emocionais, de hábitos e de posturas adquiridas através das gerações são transmitidas para os descendentes, criando para a continuidade das famílias novas veredas muito mais promissoras para o desenvolvimento do sistema familiar ao longo dos séculos e gerações. Ou seja, buscar o que é saudável contribui para o sistema maior, beneficiando sobremaneira os sistemas familiares do individual ao coletivo, fortalecendo a expressão de vida das famílias ao longo de sua sobrevivência através dos séculos.

 

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