quinta, 28 de março de 2024
Artigo Antonio Fais

Ambrosia

22 Dez 2019 - 09h17Por (*) Antonio Fais
Ambrosia - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Certa vez fiz um trabalho para uma escola em Piracicaba que me obrigou a permanecer na cidade uma semana. Ali perto tinha um restaurante cujo nome gostei: AMBROSIA.

Perguntei ao Luís, antigo amigo de faculdade, dono da escola, sobre o restaurante. Ele me disse que o restaurante era novo, não tinha um mês e que costumava comer em outro restaurante.

“Vamos?”, sugeri. Meio a contragosto ele topou - Luís é um dos amigos mais metódicos que tenho (e sempre se deu bem com isso).

O dono do restaurante é o Ambrósio (explicava-se aí o nome do restaurante), engenheiro formado pelo ITA que nunca havia trabalhado com comida, mas, com a crise, havia se mudado para o interior e, como não achava emprego, resolveu arriscar em outra área.

AMBROSIA era um restaurante agradável, variedade de comida, climatizado, lay-out funcional para pegar a comida e tinha um preço abaixo da média!

A grande surpresa (e aí sim se explicava o nome do restaurante) era que tinha um tacho enorme com Ambrosia de graça de sobremesa – eu e o Luís, interioranos, adoramos comida de vó.

O Luís tinha afazeres na escola, mas eu me detive para saber mais do Ambrósio. Ele me contou sua história e como resolveu montar o restaurante. Quando eu lhe perguntei do preço, ele me disse: “montei um sistema que sei tudo que entra, tudo que sai, cada palito de dente, guardanapo, papel higiênico...”. E continuou: “No quilo da comida, tem meu pró-labore, energia, matéria-prima e tudo que você puder imaginar”.

“Qual o seu lucro?”, perguntei.

“Sessenta por cento do preço de venda é com custos fixos; trinta por cento, matéria-prima; dez por cento, o meu lucro. Que é um bom lucro”.

Ele continuou: “Por isso, tenho que pôr cliente pra dentro e invisto em detalhes: ambrosia de graça, comida variada e fresca, azeitonas sem caroço. E um monte de outros detalhes”.

Saí de lá com uma aula sobre atendimento, qualidade e custos. E achei alguém mais lógico e racional que o Luís.

No dia seguinte, o Luís, que sabe fazer contas e é exigente, sugeriu que fôssemos comer lá e arrastou dois coordenadores da escola.

A comida estava uma delícia, mas, por azar, o Luís pegou uma azeitona que tinha caroço e quebrou um dente ao mastigar.

Esqueci que, diferente de mim que acredito em sorte e azar, o Luís acredita em destino: “Que bosta! Não sei por que vim nessa porra de restaurante. Isso nunca me aconteceria onde eu sempre vou”, gritou incluindo algumas referências às mães do Ambrósio e do cozinheiro.

“Vamos chamar o Ambrósio”, sugeri, já me sentindo amigo de ambos.

Ao saber do ocorrido, Ambrósio apressou-se em se desculpar, dizendo que era uma falta de atenção imperdoável e prontamente disse ao Luís que não precisaria pagar.

Apaziguados, voltamos rapidamente à escola sem comer a ambrosia. Mas o Luís não se dava por contente, passou o resto da tarde praguejando, contando a todo mundo e reclamando: “Ele precisa também pagar o dentista”. E já foi à clínica que ficava ao lado da escola.

E, sem muito ensaiar, voltou a restaurante determinado a brigar com o Ambrósio por esta questão. E eu fui junto.

Ambrósio novamente se desculpou: “Veja o valor o restaurante pagará”. O Luís, certo de que o Ambrósio pularia pra trás quando soubesse o preço, disse: “Já fui. Fica em mil reais”.

O Ambrósio puxou o ar pelas narinas, soltou pela boca e concluiu: “Eu pago! Mas o senhor se incomodaria que eu pagasse diretamente ao dentista?”. “Para mim tanto faz”, disse Luís. “Então venha com ele aqui almoçar amanhã”.

No dia seguinte, quando chegamos ao restaurante, Ambrósio parecia tranquilo e feliz, a ponto de despertar a desconfiança do Luís de que ele cumpriria o trato. “Hoje a comida é por minha conta”, disse o dono do restaurante. E completou: “Depois de comerem conversamos sobre os negócios”. Comemos bem e ainda tinha um vinho de cortesia.

Depois do almoço, que estava muito bom, Ambrósio, sentou-se e dirigiu-se ao Dr. Telles: “Fiquei muito triste com o ocorrido. Sei que o senhor é nosso vizinho e a primeira vez que vem aqui. Como eu me comprometi em ressarcir o prejuízo de nosso amigo Luís, eu gostaria de saber do doutor se aceita que eu lhe pague com almoço para o senhor e seus funcionários”.

Dr. Telles sorriu e disse: “Por mim está ótimo”.

Rapidamente refiz as contas de custos e lucros de Ambrósio. Ele era racional, mas dominava a arte de encantar e seduzir, sempre sorrindo e colhendo lucros.

Nos próximos dias, eu, Dr. Telles, Luís e cerca de 30 funcionários da escola e da clínica comemos lá.

Ao menos uma vez por mês volto ao AMBROSIA que tem fila à porta. O preço agora é maior do que a concorrência, mas sempre tem a nossa preferência.

(*) O autor é escritor/filósofo, especialista em Aprendizagem, Linguagem e Escrita Criativa

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