terça, 16 de abril de 2024
Resplandecente Alma

A pandemia e os gatilhos que acionam a criança interior ferida

14 Mai 2020 - 17h02Por Anaísa Mazari
A pandemia e os gatilhos que acionam a criança interior ferida -

Chamamos de criança interior a “instância” relacionada à essência, às experiências afetivas mais profundas dos primeiros anos de vida, as lembranças, sensações e sentimentos gravados na alma. Ainda que muitas memórias possam não estar plenamente acessíveis factualmente, a alma guarda toda e qualquer experiência significativa que foi vivenciada, desde as mais felizes até as mais traumáticas. Em muitas situações, alguns sentimentos e sensações que acometem as pessoas até mesmo sem razões momentaneamente aparentes podem estar relacionados a essas memórias afetivas. Podem não estar cognitivamente claras, mas inconscientemente se manifestam, fazendo-se presentes através dos afetos e das emoções.

Em tempos de pandemia, há o relato de sensações e sentimentos negativos diversos como inseguranças, incertezas, medo do aniquilamento, solidão real ou medo de ficar só, medo de perder parentes ou pessoas próximas, medo de transformações. Inquietudes em geral farão parte de qualquer fase de transição e são elementos que sinalizam conexão com a realidade, possuindo ainda função adaptativa frente às novas situações. No entanto, quando tais sensações trazem intensos e duradouros desconfortos emocionais, podem estar relacionadas a feridas emocionais anteriores constituindo um fenômeno que é chamado em psicanálise de reedição de experiências.

Ao longo dos primeiros anos de vida, várias experiências são absorvidas emocionalmente e situações de exposição a dores e sofrimentos emocionais mais relevantes, nem sempre devidamente acolhidos ou mesmo poupados pelos adultos participantes da formação da criança, tendem a ser internalizadas, emergindo em outros momentos da vida, quando o contexto inconscientemente suscita a lembrança do desconforto emocional já sentido no passado.São os gatilhos da fase atual que trazem de volta a criança interior ferida e vulnerável frente aos sofrimentos não elaborados. A tendência que costuma ser observada clinicamente são os comportamentos demasiadamente reativos além dos sentimentos de incapacidade de lidar com as situações adultas – até porque quando a criança interior ferida é “acionada”, ela fica com o comando frente às situações que na realidade demandariam posturas e soluções provenientes do adulto em nós. Crianças interiores feridas com um passado permeado por solidão, desproteção, perdas, inseguranças, desvalorizações diversas, falta de acolhimento dos cuidadores durante o desenvolvimento infantil, ocupando ainda lugares na família de origem como crianças salvadoras ou adultizadas, estarão dentro de adultos que precisarão se conscientizar dessas feridas para alcançarem o papel de cuidadode que necessitam suas respectivas crianças interiores, sem “entregá-las” a amigos, companheiros ou familiares como também costumeiramente acontece. A tendência de projetar a solução para os desafios em pessoas ou coisas externas também é uma forte característica da presença da criança interior ferida clamando por cuidados. Como adultos, nos tornamos pais e mães das nossas crianças feridas, com a possibilidade de dar a elas uma infância bem mais saudável, sobretudo fortalecendo a própria conexão com a nossa essência mais profunda, em um esplendoroso processo de cura que fortalecerá sobremaneira cada um de nós para enfrentar qualquer crise que a vida traz.

É muito comum observar adultos completamente desconectados de suas crianças interiores. A desconexão concede à criança avaliações e decisões pouco pertinentes à vida adulta. Isso tudo poderá se converter em comportamentos desfavoráveis no contexto de crise com resultados prejudiciais. No texto da próxima semana, serão explanados exercícios para acolhimento e cuidado da criança interior. Quanto maior a conexão com a criança interior, maior a espontaneidade, criatividade e também aautorresponsabilidade e a consciência de que somos protagonistas e autores de nossas próprias histórias, caminhos e enfrentamentos. Atributos que devem ser reconhecidos e fortalecidos para um bom enfrentamento (adulto) de crise.


           

           

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