quarta, 24 de abril de 2024
Artigo Rui Sintra

A minha BMW vermelha

20 Jun 2020 - 06h36Por (*) Rui Sintra
A minha BMW vermelha -

Sábado é dia de descontrair um pouco, curtir a família em segurança, enfim, respirar fundo e tentar afastar os problemas que nos últimos tempos nos têm atormentado.

“Sextando!!!! Era uma daquelas sextas-feiras em que só me apetecia esquecer o trabalho, de tão cheia que estava a minha cabeça. Nem fui em casa tomar banho e nem sequer liguei em casa para avisar minha esposa que ia chegar tarde. A intenção era mesmo essa - chegar tarde, MESMO!!! Botem tarde nisso! “Manoel (nome fictício) entregue este expediente no setor de recursos humanos!”; “Manoel, falta entregar o relatório da semana”; “Manuel, a reunião foi adiada para as 18 horas (hora de minha saída)”; “Manoel.... Manoel... Manoel”. Chega!!!! Uma garrafa de whisky velho pousou delicadamente na minha mesa do “Bar do Joaquim” (nome fictício), em uma das mais movimentadas e características ruas de Leiria (Portugal), quando o entardecer rápido no período do inverno nos convida a ‘esquecer’ o dia. O conteúdo da garrafa não durou duas horas e, sinceramente, estava bêbado, mas estava bêbado, MESMO!!! Paguei a conta - que foi cara pra caramba -, meti a mão no bolso e saquei as chaves da minha bonita BMW 2002 Turbo, vermelha, comprada com um sacrifício danado no início desse mesmo ano. Devagar, pois na verdade eu estava tendo o privilégio de enxergar duas estradas - não sabendo bem se deveria ir pela da direita ou pela da esquerda -, mas com algum resto de sobriedade pensei comigo mesmo, sorrindo: “Caraca!!!Estou muito bêbado!”. De repente, na saída de uma curva, já perto de casa, uma luz vermelha oscilante prendeu minha (pouca) atenção: na verdade, eu enxergava duas luzes vermelhas oscilantes. Freei o carro devagar e parei, enquanto via a luz vermelha agora mais nítida, se aproximando do carro. O resto era breu!! Um toque no meu vidro e uma luz intensa branca obrigou a que eu cerrasse as pálpebras, encadeado. Abri o vidro e tentei olhar para fora, mas a luz me incomodava. “Boa noite!” - alguém me cumprimentou com voz suave, mas firme, e esse alguém era quem segurava a maldita lanterna cuja luz me fazia fechar os olhos. “Boa noite” respondi, com a voz meio arrastada. “Documentos e carteira de habilitação”. De repente, o whisky que tinha bebido subiu amargo na minha garganta... Era a Polícia de Trânsito, a famosa ‘Brigada de Trânsito’ da Guarda Nacional Republicana (GNR). Procurando a carteira nos vários bolsos do casaco, enquanto o nervosismo e a bebedeira tomavam conta de mim, lá entreguei, com mão trémula, os documentos ao agente. Um pouco mais afastado, um outro agente observava a cena junto da viatura. Novamente, a luz nos meus olhos fez com que eu fizesse uma careta que certamente não foi muito agradável, mas que indicou explicitamente o estado em que eu estava. “O senhor está bem, sente-se bem?” - questionou o policial olhando bem fundo nos meus olhos meio escondidos pelas pálpebras. “Estou bem senhor agente, muito bem mesmo!” - respondi, tentando assumir uma postura normal no banco. Um silêncio de mais ou menos 45 segundos e o policial perguntou novamente, olhando para mim com insistência. “O senhor está mesmo bem?”. Olhei para ele e respondi, esforçando-me para não enrolar a língua “Estou muito bem! Tem alguma coisa errada?” Logo me arrependi de ter feito a pergunta, mas já era tarde demais. “Por favor saia do carro!” - ordenou o agente. Abri a porta, coloquei uma das pernas para fora da BMW e tentei me erguer. A perna não aguentou o peso do corpo nem o álcool ingerido, e caí redondo no chão, aos pés do policial. Ajudando-me a erguer, o agente ordenou-me que o seguisse até à viatura e ouvi ele falar que ia pegar qualquer coisa para medir o meu grau alcoólico. Acenei com a cabeça e desesperadamente procurei o maço de cigarros em um de meus bolsos enquanto caminhava. Um inesperado e assustador cantar de pneus, uma forte batida e o som característico de metal a chocar contra o asfalto fizeram com que eu me detivesse na minha caminhada. Lembro de ter visto um carro capotando várias vezes a uns cerca de 150 metros de onde nos encontrávamos. “Não saia daqui!”, ordenou aflito o agente, já correndo com seu colega para o local do grave acidente. Confusão total! Como o álcool sempre nos dá boas ideias, pensei com os meus botões, enquanto tentava ajeitar o cigarro amarrotado: “Sabe de uma coisa? Vou mas é embora antes que vá preso. Que se dane!!!” Caminhei alguns metros, abri a porta do carro e dirigi bem devagar para casa, onde me deitei no sofá sem tomar banho. Minha esposa dormia profunda e tranquilamente no nosso quarto. Que horas eram? Não faço a mínima ideia!! “Manoel.... Manoel... Manoel!!!”. Credo, cruzes!!! Acordei sobressaltado com a voz de minha esposa. “O que é que você fez? Veste alguma coisa e vai até à porta pois estão dois policiais à tua procura” - argumentou, aflita. “Policiais?” - pensei para mim mesmo, tentando abrir os olhos. De repente, bati com a mão na testa e me recordei de algumas passagens da noite anterior. “Estou ferrado. Acabou!!”. Cheguei na porta e um dos agentes cumprimentou-me. “Bom dia... Senhor Manoel?”. “Bom dia! Sim, sou eu!” - respondi, aguardando o que viria a seguir. “O senhor é dono de uma BMW 2002 Turbo, cor vermelha, placa número (...)?” - perguntou o policial, olhando muito sério nos meus olhos. “Sim... sou o proprietário dela” - respondi, hesitando. “O senhor saiu com seu carro ontem à noite, certo? Onde está o seu carro, neste momento?” - insistiu o agente. “Meu Deus, duas perguntas seguidas às sete da manhã...”, pensei, mas respondendo logo em seguida: “Na garagem”. “Nesta garagem aqui ao lado?” - apontou o agente. “Sim, aí mesmo” - retorqui. “Por favor nos dê as chaves da garagem e fique aqui, por favor” - ordenou o agente, fazendo sinal para seu colega. Passei as chaves para as mãos dele e ambos entraram na garagem. O ruído do motor suou e lentamente os policiais retiraram da garagem não a minha BMW, mas a viatura da polícia, felizmente sem um risco. Sem dizer uma palavra, a viatura passou pela minha porta e o policial que estava ao volante colocou a cabeça fora e informou: “Sua BMW está ali, na esquina”. Nenhuma multa foi passada e o caso ficou por ali.”

Esta é uma história verídica de um português residente em São Carlos, cujo nome não revelarei, como é óbvio. (Juro que não fui eu!!)

(*) O autor é Jornalista profissional / Membro da GNS Press Association (Alemanha) / Correspondente internacional freelancer. MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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