sexta, 29 de março de 2024
Artigo Antonio Fais

A Enciclopédia do Futuro

24 Mai 2019 - 09h30Por (*) Antonio Fais
A Enciclopédia do Futuro - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Algo raro de se ver: a mãe, ao entrar em casa, à tarde, vindo do trabalho, encontra a filha de 12 anos sentada à mesa da cozinha, fazendo suas pesquisas em uma enciclopédia! Enquanto procura adiantar seus afazeres domésticos, pergunta:

–  O que você está lendo aí?

–  Tenho que fazer um trabalho sobre a vida no passado. E estava vendo como viviam as pessoas antigamente.

–  E qual é o trabalho?

–  Temos que produzir um texto: se viesse um visitante do passado, que maravilha de nosso tempo eu daria para ele levar de volta.

–  E em que você pensou?

–  Acho que daria um celular.

–  Sei... E para quê? Para falar com quem?

–  Bem, seria bacana eles poderem conversar à distância e rápido...

Mas, pensando um pouco mais, rindo meio sem graça, continuou:

–  Mas precisaria de pelo menos dois, né?

–  E as antenas? E a eletricidade? – cutucou a mãe.

–  É... – concluiu a menina meio decepcionada com a maravilha da sociedade atual.

–  De que época você está pensado que viria seu fantástico visitante?

–  De uns 500 anos atrás. Do século XVI.

–  O que você acha que realmente faria falta naquela época?

–  Carros?

Mas antes mesmo do sorriso alegrar– lhe a face, lembrou– se dos combustíveis. E com isso percebeu que quase todas as benesses tecnológicas atuais naufragariam no passado.

–  Remédios? Sim – alegrou– se novamente a menina –  Remédios para as doenças.

–  Mas tem algo que talvez tenha um efeito melhor, que engloba quase tudo que você pensou.

A menina olha curiosa para a mãe, que, rindo, dá a pista:

–  Está embaixo de seu nariz.

A garota, em um gesto meio teatral, aponta com o indicador seu próprio nariz e faz o dedo seguir reto para baixo, em direção à mesa da cozinha:

–  Um livro? Não. Uma enciclopédia! –  com um sorriso definitivo no rosto –  Assim eles poderiam ter conhecimento, ver as coisas boas e ruins que foram feitas, e até corrigir alguns erros... A Barsa. Vou enviar a Barsa ao venturoso D. Manoel – quase gritando, enquanto levantava o volume da enciclopédia aos céus como uma espada.

–  Bem, vou cuidar do jantar enquanto você termina seu trabalho – concluiu a mãe, sentindo seu dia mais completo por sua ação catalisadora.

E enquanto a mãe procurava o que comer, a menina mergulhou no computador para digitar o que ele chamou de “Visitante de outro tempo”.

–  Vem jantar, filha!

–  Um minuto. Tô no finalzinho... Posso ler pra você? – pediu a menina antes do jantar.

–  Claro – respondeu a mãe, sabendo– se cúmplice.

E assim, leu para mãe o trabalho que seguia o roteiro combinado, exceto pelo último parágrafo: “E, se um dia, pudesse ler uma enciclopédia do século XXV, eu iria procurar pelo meu nome, ou de meus filhos e netos, para saber se no fundo fizemos algo marcante pela humanidade”.

E diante da mãe sorrindo com os olhos mareados, pergunta singelamente:

–  Mãe, depois do jantar, posso entrar no facebook?

(*) O autor é Escritor e Filósofo

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