Algo raro de se ver: a mãe, ao entrar em casa, à tarde, vindo do trabalho, encontra a filha de 12 anos sentada à mesa da cozinha, fazendo suas pesquisas em uma enciclopédia! Enquanto procura adiantar seus afazeres domésticos, pergunta:
– O que você está lendo aí?
– Tenho que fazer um trabalho sobre a vida no passado. E estava vendo como viviam as pessoas antigamente.
– E qual é o trabalho?
– Temos que produzir um texto: se viesse um visitante do passado, que maravilha de nosso tempo eu daria para ele levar de volta.
– E em que você pensou?
– Acho que daria um celular.
– Sei... E para quê? Para falar com quem?
– Bem, seria bacana eles poderem conversar à distância e rápido...
Mas, pensando um pouco mais, rindo meio sem graça, continuou:
– Mas precisaria de pelo menos dois, né?
– E as antenas? E a eletricidade? – cutucou a mãe.
– É... – concluiu a menina meio decepcionada com a maravilha da sociedade atual.
– De que época você está pensado que viria seu fantástico visitante?
– De uns 500 anos atrás. Do século XVI.
– O que você acha que realmente faria falta naquela época?
– Carros?
Mas antes mesmo do sorriso alegrar– lhe a face, lembrou– se dos combustíveis. E com isso percebeu que quase todas as benesses tecnológicas atuais naufragariam no passado.
– Remédios? Sim – alegrou– se novamente a menina – Remédios para as doenças.
– Mas tem algo que talvez tenha um efeito melhor, que engloba quase tudo que você pensou.
A menina olha curiosa para a mãe, que, rindo, dá a pista:
– Está embaixo de seu nariz.
A garota, em um gesto meio teatral, aponta com o indicador seu próprio nariz e faz o dedo seguir reto para baixo, em direção à mesa da cozinha:
– Um livro? Não. Uma enciclopédia! – com um sorriso definitivo no rosto – Assim eles poderiam ter conhecimento, ver as coisas boas e ruins que foram feitas, e até corrigir alguns erros... A Barsa. Vou enviar a Barsa ao venturoso D. Manoel – quase gritando, enquanto levantava o volume da enciclopédia aos céus como uma espada.
– Bem, vou cuidar do jantar enquanto você termina seu trabalho – concluiu a mãe, sentindo seu dia mais completo por sua ação catalisadora.
E enquanto a mãe procurava o que comer, a menina mergulhou no computador para digitar o que ele chamou de “Visitante de outro tempo”.
– Vem jantar, filha!
– Um minuto. Tô no finalzinho... Posso ler pra você? – pediu a menina antes do jantar.
– Claro – respondeu a mãe, sabendo– se cúmplice.
E assim, leu para mãe o trabalho que seguia o roteiro combinado, exceto pelo último parágrafo: “E, se um dia, pudesse ler uma enciclopédia do século XXV, eu iria procurar pelo meu nome, ou de meus filhos e netos, para saber se no fundo fizemos algo marcante pela humanidade”.
E diante da mãe sorrindo com os olhos mareados, pergunta singelamente:
– Mãe, depois do jantar, posso entrar no facebook?
(*) O autor é Escritor e Filósofo