sexta, 19 de abril de 2024
Memória São-carlense

A cidade "vibrou de contentamento" com a chegada do homem na Lua

19 Jul 2019 - 07h01Por (*) Cirilo Braga
A cidade "vibrou de contentamento" com a chegada do homem na Lua - Crédito: FMPSC/Reprodução A Folha/Guia de S.Carlos 1969 Crédito: FMPSC/Reprodução A Folha/Guia de S.Carlos 1969

A pacata São Carlos, então uma cidade com 90 mil habitantes conhecida como a “Cidade Sorriso”, vivia a euforia de aguardar pela instalação da Universidade Federal de São Carlos, criada no ano anterior e que passaria a funcionar no ano seguinte, quando naquele inverno de 1969 uma notícia mundial capturou todas as atenções.

“A notícia do desembarque de Neil Armstrong na Lua às 23h55 do domingo fez a população vibrar de contentamento, tendo se ouvido em alguns pontos da cidade estampidos de fogos de artifício, momentos após o histórico acontecimento”, escreveu o jornal “A Folha” na edição de número 1773 que circulou na terça-feira, com o título: “São-carlenses vibraram com a chegada do homem na Lua”.

Cinquenta anos depois, aquela preocupação do jornal em fazer um relato local ajuda a captar nos dias de hoje a emoção vivida pelos moradores da cidade diante da alunissagem (palavra usada ali pela primeira vez) do módulo lunar Eagle.  Seis horas mais tarde, Armstrong tornou-se o primeiro humano a pisar na superfície lunar pronunciando a frase imortal: “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”.

Na segunda feira, dia em que Edwin “Buzz” Aldrin também caminhou na Lua (a tripulação se completava com o piloto do módulo, Michael Collins) não se falava em outra coisa. O jornal “A Folha” procurou repercutir o fato na cidade que na noite anterior nunca esteve tão irmanada ao resto do mundo, diante das TVs e dos aparelhos de rádio, atenta a cada segundo daquela extraordinária jornada. Do prefeito aos cientistas, do religioso ao operário, todos no dizer do periódico “manifestaram sua impressão”. Em outras palavras, deram seu pitaco. De repente, todos discutiam Física. Imagine se você hoje.

O prefeito José Bento Carlos Amaral afirmou: “É o maior feito do século e vem  comprovar a capacidade dos cientistas e dos técnicos. Que essa conquista não seja somente para efeito de disputa entre as potências, mas sim que os resultados obtidos sejam em favor da humanidade” E não deixou de cumprimentar “o governo americano e os cientistas da NASA pelo êxito e pela precisão do projeto”.

O presidente da Câmara, João de Santi, também e manifestou: “Foi um feito espetacular para o qual só podemos fazer referência usando as mesmas palavras de Sua Santidade o Papa Paulo VI, que também exultou com o acontecimento e disse que se os homens assistiram unidos à chegada à Lua, deveriam permanecer unidos, esquecendo as paixões que os levam a se digladiar”.

O professor Mário Tolentino, hoje nome do museu da ciência, cientista respeitado que desde criança era fã de Julio Verne,dizia que o fato do homem ter conseguido atingir a Lua retirando materiais de seu solo e rochas, realizando observações “in loco” devia ser considerado como o principal marco da História. “Mais que a vitória da tecnologia ou dos Estados Unidos, ele representa o triunfo da capacidade criadora do seu cérebro e da habilidade em construir equipamentos altamente sofisticados. Sem dúvida, estamos vivendo um momento memorável e testemunhando o início de uma nova era. Resta-nos apenas sermos dignos de tal evento e tudo fazermos para que as nossas potencialidades sejam polarizadas no sentido do engrandecimento da Humanidade”.

O jornal colheu depoimentos de pesquisadores do Instituto de Física da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, instituição então instalada há apenas 16 anos na cidade.

“Como qualquer outra pessoa fiquei muito animado por ver o homem na Lua e também por ver que as despesas enormes que foram gastas não foram desperdiçadas num fracasso”, declarou o professor Robert Lee Zimmerman.

“Com isso teremos oportunidade de fazer no futuro, experiências científicas e astronômicas muito importantes sobre a origem da Terra e a origem da Lua. Não sei muito mais sobre as experiências, o que está muito fora do meu campo, que é a Física Geral e Experimental, mas ouvi dizer que uma delas seria a de tentar localizar melhor a órbita da Lua e da própria Terra através de feixes de raio Laser”.

Acrescentava: “Raio laser é um equipamento que nós temos aqui em São Carlos, um dos melhores do Brasil. Os astronautas deixaram um refletor de lazer na Lua, de modo que se pode iluminar esse refletor e receber de volta os reflexos. Os sinais de laser levam certo tempo para ir e voltar, dando oportunidade a que se calcule a distância exata entre a Terra e a Lua. Infelizmente o nosso laser é muito pequeno e não poderemos daqui de São Carlos efetuar essa experiência”.

(No futuro, mais precisamente em 1997, projeto de pesquisa na área de biotecnologia, desenvolvido por pesquisadores da USP no Instituto de Física de São Carlos, seria o primeiro experimento do país a ser realizado em uma missão espacial da NASA. Os materiais de pesquisa foram levados para o espaço no ônibus espacial Columbia da agência norte-americana, permanecendo em órbita por 16 dias).

O professor Richard Williams, também do IFSC-USP, ouvido pela “Folha” resumia: “Eu acho que a população de todo o mundo aprendeu mais física em duas horas ontem à noite do que no intervalo anterior à descida do homem na Lua.Encontrei mulheres idosas e trabalhadores nas ruas, os quais eu nunca pensava terem Física em mente, discutindo sobre as dificuldades que tiveram os astronautas no vácuo, distância da Lua e outros assuntos nos quais nunca haviam pensado. E faziam isso com facilidade”.

Outros dois docentes, Feliciano Sanches e Vicente Dumke também se manifestaram. Disse Sanches: “Eu acho que o fato de o homem ter chegado à Lua apresenta o problema novamente, sobre onde que está o nosso céu. Possivelmente, será de hoje por diante, mais importante todos nós pensarmos mais em ciência e menos em filosofia pura”. Para Dumke, a chegada do homem à Lua foi “sem dúvida um fato espetacular dentro da história da Humanidade”. “Mas a gente só espera que esse ritmo, essa corrida, seja mais atenuada e que uma parte dessas verbas sejam destinadas também ao Terceiro Mundo. Não adiante chegar em Marte daqui a quinze anos com misérias aqui na Terra”.

Monsenhor Romeu Tortorelli, vigário geral de São Carlos, citou os dizeres atribuídos a um piloto na II Guerra: “Palmilhei a santidade inviolada do espaço, pus minha mão para fora e senti a face do Criador” (Poema citado por James Lewel). “O Rei salmista assim exclamou: os céus cantam a glória de Deus. Borman, astronauta norte-americano, encantado com sua viagem espacial, não se conteve e elevou um pensamento agradecido a Deus. Agora, diante do triunfo dos três cosmonautas que conquistaram a Lua, nós todos nos sentimos felizes e cantamos nosso hino de louvor, repetindo: Te Deum laudamus” – Nós louvamos o Senhor”.

O operário Sebastião Estevo expressou o pensamento de muita gente que não ficava imune ao noticiário daqueles dias: “Não tenho tempo de acompanhar esses assuntos, mas como o rádio e a televisão falam muito nos foguetes, a gente acaba compreendendo alguma coisa. Acho que é uma grande coisa o que aconteceu”.

Luiz Gatti, trabalhador no campo foi sintético: “De Lua eu só entendo para tratar das minhas plantações”.

O jornal fazia eco à mídia planetária que vinha acompanhando cada lance da extraordinária jornada espacial desde o lançamento do foguete na tarde do dia 16 de julho no Cabo Kennedy, na Flórida. O fascínio pelo tema levava alguns estabelecimentos da cidade a adotar o nome Apollo, como a eletrotécnica de Miguel Vaccare, na Vila Nery, e a oficina mecânica de Malerva&Coca, na Vila Isabel, anunciantes no “guia informativo da cidade” publicado naquele ano.

Olhar para o céu como no final da década de 60 voltaria a ficar empolgante em 1986, quando procuramos pela imagem do cometa Halley, não mais observando a olho nu, mas pela lente do Telescópio Refrator Grubb 204/3000 de montagem equatorial alemã instalado no campus da USP que criava o Setor de Astronomia do CDCC (Centro de Divulgação Científica e Cultural).

Dezessete anos antes, os estampidos de fogos de artifício nos quatro cantos da cidade de São Carlos davam ao 20 de julho de 1969 a conotação de uma noite de ano novo em pleno inverno. A Lua, afinal, parecia estar muito mais perto de nós.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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