sexta, 29 de março de 2024
Garotinha curiosa

Ela despertou com o encanto da computação

A história de uma menina que se descobriu na arte de programar

11 Mar 2018 - 04h09Por Denise Casatti
Sabrina (na primeira fileira, ao centro) foi uma das voluntárias no evento Technovation HackDay, momento em que compartilhou sua história com as participantes da iniciativa - Crédito: Marina Maldonado/Estúdio WfkSabrina (na primeira fileira, ao centro) foi uma das voluntárias no evento Technovation HackDay, momento em que compartilhou sua história com as participantes da iniciativa - Crédito: Marina Maldonado/Estúdio Wfk

Os olhos azuis vibrantes de Sabrina Tridico miravam para as entranhas do computador desmontado. Nas mãos do irmão, a nova placa de vídeo que precisava ser instalada atiçava a curiosidade da menina de 9 anos. Pouco tempo depois, lá estava ela de novo: agora, sentada em frente ao micro, fuçando o interior invisível da máquina. A meta era fazer daquele computador um caderno em branco: eliminar tudo o que havia sido registrado ali. Nesse processo de formatação, ela seguia, mais uma vez, as orientações do irmão, 15 anos mais velho.

Quando chegou ao ensino médio e se deparou com a oportunidade de cursar o ensino técnico na área de administração, mecatrônica ou informática, ela percebeu que não faria como as outras garotas, que enxergavam administração como a única alternativa. Para Sabrina, informática era uma escolha natural. Morando em Franca, cidade a cerca de 400 quilômetros de São Paulo, a estudante só havia cursado escolas públicas e descobriu a diversão da arte de programar na primeira aula do curso técnico, também gratuito. “É como fritar um ovo”, diz, lembrando-se que aprendeu a lógica da programação a partir da comparação com a lógica da culinária.

“Como se frita um ovo? A gente costuma dizer: pega o ovo e coloca na frigideira... Mas não! Como vamos pegar o ovo sem abrir a geladeira? Para o computador, você precisa ensinar passo a passo o que tem que ser feito: abra a geladeira, pegue o ovo, feche a geladeira e assim por diante”, explica Sabrina que, hoje, cursa Ciências de Computação no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.

A lembrança do ovo e da frigideira voltam à memória da estudante no momento em que ela está sentada em um dos maiores laboratórios de informática do ICMC, no sexto andar do bloco 6 do Instituto. É sábado, 24 de fevereiro, e Sabrina está novamente diante de um microcomputador: desta vez prepara o cenário onde, daqui a pouco, 74 garotas de 10 a 18 anos vão se sentar para aprender os princípios básicos da programação. Ela é uma das voluntárias no evento Technovation HackDay e, logo mais, estará em frente à tela de projeção do laboratório, compartilhando momentos relevantes de sua trajetória com essas meninas. Todas elas se dividiram em equipes com até cinco participantes cada e estão aqui para desenvolverem o projeto de um aplicativo até o final do dia. A maioria delas nunca teve contato com a arte de programar.

Por isso, Sabrina aproveita o momento não só para falar sobre sua história, mas também para dar dicas relevantes sobre como essas meninas podem encantar os jurados durante a apresentação de seus projetos. Ela diz para as garotas manterem uma postura poderosa quando estiverem no palco, porque nosso corpo também fala, e coloca em prática o que ensina: mantém a pose de “mulher maravilha”, gesticula, fala em voz alta e com entusiasmo. Os olhos azuis parecem brilhar ainda mais quando ela está assim: feliz.

Não poderia ser diferente: em breve, Sabrina embarca para os Estados Unidos, onde fará um estágio de três meses em uma empresa de tecnologia chamada Audible, que atua no ramo de livros em áudio. Ela exercerá o papel de engenheira de software em um dos times da empresa que busca soluções para sincronizar as palavras que o leitor ouve por meio do áudio com as palavras que são exibidas em um dispositivo de leitura de livros digitais (ebooks) como o Kindle, por exemplo.

RUMO AO EXTERIOR

Como será que Sabrina conseguiu esse estágio almejado por muitos estudantes da área de computação? Tudo começou quando ela se candidatou a uma bolsa, no ano passado, para participar do maior evento do mundo voltado a mulheres na computação, o Grace Hopper Celebration. “Foi a melhor experiência da minha vida e lá eu consegui o estágio”, diz a estudante, que foi uma das 657 mulheres selecionadas para participar do Grace Hopper Celebration, com todas as despesas sendo custeadas pela instituição AnitaB.org.

A experiência de participar do evento junto com mais 18 mil mulheres foi marcante: “Conheci meninas da Rússia, do Quênia, da Índia, e dividi quarto com uma norte-americana que faz faculdade, trabalha, tem uma filha de dois anos e estava lá tentando estágio. Ouvir as histórias dessas mulheres foi muito gratificante. Percebi, ainda, que há algo em comum no percurso da maioria das mulheres que entraram na computação: elas tiveram aliados masculinos”. Sabrina participou de palestras, workshops, minicursos e diversas outras atrações promovidas por empresas convidadas durante o Grace Hopper Celebration, que aconteceu de 2 a 4 de outubro de 2017, em Orlando, na Flórida.

“Eu notei que muitos problemas que a gente tem aqui também existem em outros países e que a nossa educação na USP é muito forte. Estamos em pé de igualdade com qualquer universidade norte-americana”, completa a estudante. “Recomendo muito a participação no evento Grace Hopper Celebration. Poucas brasileiras se inscrevem, acho que é porque não conhecem”. As inscrições no evento são abertas anualmente e mulheres que estejam em qualquer fase da carreira acadêmica podem concorrer a bolsas – alunas de graduação, pós-graduação, pós-doutorandas e professoras. Segundo Sabrina, o processo seletivo é bastante simples: basta enviar o histórico escolar, o currículo e uma carta de recomendação (tudo em inglês) além de responder a um breve questionário.

EMPODERAMENTO FEMININO

A trajetória de Sabrina chamou atenção dos organizadores da Campus Party, o maior evento tecnológico do Brasil, que este ano aconteceu de 30 de janeiro a 4 de fevereiro, no Anhembi, em São Paulo. Ao chegar ao local do evento, ela comentou com um amigo que havia participado do Grace Hopper Celebration e que tinha conseguido um estágio no exterior. O amigo, que participava voluntariamente da organização da Campus Party, relatou a história da garota para um dos responsáveis pelas palestras e Sabrina foi convidada para falar ao público em um dos palcos. Lá, ela contou que entregou currículos para diversas empresas durante o Grace Hopper Celebration e que, ao voltar ao Brasil, foi contatada pela Audible. Depois de quatro entrevistas por Skype, foi chamada para estagiar.

Aos 22 anos, ela está contando os dias para voltar aos Estados Unidos e acaba de se tornar embaixadora de um movimento de empoderamento feminino na área de tecnologia chamado She++. Está difícil até para Sabrina acreditar no que está acontecendo: “Eu nunca imaginava sair do país, sou muito apegada a minha família. Aliás, nem imaginava entrar na USP, porque sempre estudei em escola pública”. Depois de um ano fazendo cursinho, Sabrina só foi convocada para estudar na USP na sexta chamada da Fuvest, em 2014.

“Eu sempre fui destemida e desbocada, mas sentia que para as meninas que estavam na sala era um empecilho ser minoria. Como éramos as únicas garotas, os professores sempre sabiam nossos nomes, mas nunca me causaram problemas. Quando terminei o curso técnico, trabalhei por um ano em uma empresa de desenvolvimento web para pagar o cursinho e era a única desenvolvedora lá. Só sofri assédio de um cliente uma vez, que não gostou de ver uma mulher trabalhando no site dele”.

Ainda bem que os obstáculos só serviram para tornar essa garota do interior ainda mais persistente. Se há encanto na computação, com certeza, ele brilha nos olhos de Sabrina.

Compartilhe sua história: se você é uma mulher que também despertou para o encanto da computação, envie seu relato para comunica@icmc.usp.br

Clique e conheça a história de outras mulheres do ICMC:

- A cientista que nos protege

- Mulheres na matemática: afinal, existe uma questão de gênero? (Assessoria de Comunicação do ICMC/USP)

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