Calçadão da General Osório - Crédito: DivulgaçãoEm tempos de inteligência artificial, indústria 4.0 e revolução biotecnológica, o comércio também tem, obrigatoriamente, que respirar ares de modernidade. A análise é do memorialista, escritor e cronista Cirilo Braga.
“O varejo físico nunca desaparecerá, mas terá de se transformar, ser criativo e fazer um esforço maior para conquistar o consumidor. O comodismo e a estagnação serão os principais algozes dos lojistas, e não o comércio eletrônico”, destaca. Cirilo também revela a crise de identidade do Mercado Municipal de São Carlos. “Em São Carlos ainda se permitem aspectos que lembram a estagnação do passado, e o maior exemplo é o Mercado Municipal, que está longe de seguir os parâmetros de seus congêneres no Brasil e no mundo. O Mercado Municipal vive uma crise de identidade, e seu melhor caminho seria se transformar em um centro gastronômico”, sugere.
SÃO CARLOS AGORA – A cidade nasceu com armazéns e pousadas. Depois veio o Mercadão Municipal, o Calçadão, as grandes redes de supermercado e do varejo, lojas de departamentos e shoppings. Como o senhor viu esta evolução em 168 anos?
CIRILO BRAGA – Devemos considerar que até meados do século passado grande parte da população vivia na área rural, e o comércio local era basicamente destinado a suprir as necessidades dos trabalhadores do campo. Não por acaso o Mercado Municipal foi construído próximo à "Rua da Ponte", antigo nome da Avenida São Carlos, onde eram comercializados produtos hortifrutigranjeiros ainda na Vila de São Carlos do Pinhal. No início do século passado, o comércio na área urbana era formado por estabelecimentos que, em sua maior parte, foram instalados por imigrantes. Surgiam então casas tradicionais, como lojas de armarinhos, armazéns e lojas de variedades, como a Casa Violeta. É importante destacar que a cidade foi um importante polo moveleiro. Na etapa seguinte, os alfaiates estabeleceram outro diferencial, e São Carlos tornou-se também um polo de produção e distribuição de sorvetes.
O comércio tradicional se manteve sem grandes transformações até os anos 1970. A década seguinte tornou indispensável a criação do Calçadão, para acompanhar a tendência de cidades médias que incrementaram o comércio de rua. Começavam a chegar as redes de supermercados e, logo depois, um anseio que tardou a se concretizar: a implantação de um shopping center, que ocorreu somente em 1996. Nos anos 1970 e 1980, o comércio local enfrentou um período de estagnação que só foi superado com a ampliação do horário de funcionamento das lojas, permitindo a chegada de hipermercados e redes franqueadas de diversos setores, especialmente da alimentação.
SCA – As mesmas cidades que tiveram Mercadão e Calçadão no passado, hoje têm shopping. Isso é coincidência?
CIRILO BRAGA – As cidades acabam se uniformizando na área central para impedir a fuga de consumidores. Mas o ideal seria conciliar atrativos para compras e oferta de lazer para a população. Em São Carlos ainda se conservam aspectos que lembram a estagnação do passado, e o maior exemplo é o Mercado Municipal, que está longe de seguir os parâmetros de seus congêneres no Brasil e no mundo. O Mercado vive uma crise de identidade, e seu melhor caminho seria se transformar em um centro gastronômico.
A instalação de shoppings supriu a necessidade de maior comodidade e segurança para compras e lazer, mas o comércio de rua não perdeu o seu vigor, o que só veio a ocorrer mais recentemente. Isso se deve mais à concorrência do comércio eletrônico do que propriamente à dos dois shoppings da cidade. Quando falamos de comércio de rua, não nos referimos apenas ao centro, mas também aos bairros, onde o setor varejista é muito ativo. É curioso observar que, em termos de avanço comercial, o parâmetro de São Carlos sempre foi a vizinha Araraquara, onde lojas de departamentos e shoppings chegaram antes, o que causava certo desconforto, sobretudo nos anos 1970 e 1980.
SCA – São Carlos comportaria uma Rua 24 Horas, tal como Jaime Lerner criou em Curitiba?
CIRILO BRAGA – A Rua 24 Horas em Curitiba se transformou e hoje não é mais como foi concebida por Jaime Lerner. Hoje é mais conhecida como ponto de partida de ônibus da linha turística. Em cidades interioranas, creio que o modelo não funciona. Em São Carlos, com 260 mil habitantes, mais razoável seria modernizar o Mercado Municipal e o Calçadão da Rua General Osório, que já ganharia impulso com a instalação de lojas de redes de fast food, por exemplo. Mas comenta-se que o alto valor da locação de imóveis inviabiliza investimentos na região e pode gerar sua degradação, o que seria um grande prejuízo para a cidade num futuro próximo. Oxalá isso não ocorra.
SCA – O comércio virtual está aí e agora temos também lojas sem funcionários, com autoatendimento. O varejo físico está ameaçado?
CIRILO BRAGA – O comércio eletrônico obriga o setor varejista a se reestruturar, pois mesmo o comércio tradicional pode se inserir nesse formato, sem abrir mão do contato e do atendimento diferenciado que o comércio presencial proporciona. Para isso, é necessário investir em atrativos ao consumidor, sobretudo em datas como Natal, Dia das Mães, Dia das Crianças e outras em que as pessoas buscam novidades. O varejo físico nunca desaparecerá, mas terá de se transformar, ser criativo e fazer um esforço maior para conquistar o consumidor. O comodismo e a estagnação serão os principais algozes dos lojistas, e não o comércio eletrônico.





