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sexta, 20 de junho de 2025
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13 de Maio: São Carlos libertou 3.726 escravos em 1888

Deixando as fazendas, os ex-escravos e seus descendentes foram para a região da para Santa Casa de Misericórdia atual, na Vila Pureza

13 Mai 2025 - 16h47Por Marco Rogério
Antiga senzala na fazenda Santa Maria do Monjolinho - Crédito: Reprodução/FacebookAntiga senzala na fazenda Santa Maria do Monjolinho - Crédito: Reprodução/Facebook

Hoje, dia 13 de maio, comemora-se no Brasil, 137 anos da promulgação da Lei Áurea, que encerrou a escravidão no Brasil. Em 13 de maio de 1888, 3.726 escravos na cidade foram libertos pela Lei Áurea. 

A contribuição da raça negra na construção de São Carlos é algo inquestionável e que está gravado na história do município desde a a época áurea do café, no Século XIX, até hoje, com tradições, como a capoeira, a feijoada e o samba, entre outros, o que desafia o racismo que insiste em persistir.

De acordo com dados do "Inventário Analítico: A escravidão em São Carlos" do Prof.Álvaro Rizzoli, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), durante o período escravocrata, São Carlos atingiu o segundo lugar no tráfico de escravos para o interior paulista, perdendo somente para a região de Campinas. 

A economia da povoação era totalmente agrária com alguma produção de cana e quase toda voltada para a subsistência. Nessa época o negro era a base da produção sendo o escravo quem trabalhava o campo e produzia o alimento e a renda.
 
Tráfico negreiro -  Em meados de 1850, a expansão do café traz para a região um salto econômico. São Carlos torna-se então um forte núcleo comprador de escravos. Uma vez que o tráfico da África havia sido bloqueado, os negros vinham principalmente de estados nordestinos e de Minas Gerais, onde a economia estava em crise. O café era então a riqueza fundamental de São Carlos, sendo a produção essencialmente destinada ao mercado externo (Europa e Estados Unidos).
 
Censo de 1874 - O primeiro censo foi realizado na cidade em 1874. A matrícula era um documento de registro de propriedade de homens e mulheres na condição de escravos. Os documentos mostram que os escravos tinham somente o nome de batismo, e eram registrados somente com o nome da mãe. Além disso havia nomes repetidos, e o filho às vezes era batizado com o nome do proprietário ou de um santo.  
 
Com isso, torna-se muito difícil acompanhar os caminhos percorridos por um escravo desde sua origem e localizar seus descendentes. Vindos de diversas nações africanas, suas culturas foram mantidas dentro das senzalas: comida, dança, música e religião, que diante da pressão do catolicismo oficial do Estado, sobreviveu através do sincretismo que perdura até o presente.
 
DOCUMENTOS INCINERADOS
- A dificuldade de se encontrar dados precisos relativos à escravidão se deve, principalmente, ao fato da determinação de 1890 que mandou incinerar os documentos de matrículas das Coletorias de Renda. Tais registros comprovavam a propriedade do escravo, e com sua eliminação se evitou a pressão dos ex-proprietários em exigir indenização do Estado pela Abolição. 
 
O escravo não era considerado cidadão, e não possuía os direitos correspondentes. O Código Comercial da época incluía os escravos entre os bens semoventes; embora isto não os transformasse em objeto passível de comércio, eles eram transacionados. A prática era utilizar procurações para compra e venda; assim, comerciantes e fazendeiros se tornavam procuradores para as transações, escamoteando a comercialização de escravos. Havia também os chamados "negociantes", que nada mais eram que comerciantes de escravos. O Estado recolhia impostos sobre as transações de escravos, e cobrava normalmente pela emissão de certidões que comprovavam sua posse, bem como de outros documentos relativos aos mesmos.
 
RIQUEZA E MISÉRIA, SEMPRE JUNTAS  - Em 1870, a produção de café na Província de São Paulo correspondia a 16% da produção nacional; em 1885, São Paulo já produzia 40% do café brasileiro. Esse fato se refletia na valorização das terras produtivas e da mão-de-obra escrava. O escravo alcançava um alto preço e nos inventários registrados na cidade de São Carlos chegavam a ser 66% do patrimônio do senhor. 
 
As condições de vida da população eram precárias naquele tempo. Dignas de nota foram as duas grandes epidemias de varíola que passaram pela cidade. Se a população livre não tinha boas condições sanitárias, ainda piores eram as condições de vida dos cativos. A idade média de um escravo era de 30 anos, sendo que com cerca de 10 anos de trabalho produtivo já estava esgotado. As maiores "causa-mortis" entre os escravos eram: traumatismos, doenças cardiovasculares e inanição.
 
Região da Vila Pureza era conhecida por “cinzeiro”
 
Entre junho e julho de 1887, diversas cidades da província de São Paulo libertam seus escravos; a alforria era normalmente condicionada à prestação de serviços (em alguns casos, essa prestação de serviços implicava na servidão a outros membros da família do senhor). Em São Carlos, alguns fazendeiros de comum acordo libertaram plenamente seus escravos em dezembro de 1887. 

O fim da escravidão se deu por caminhos diferentes dependendo da situação econômica da província – no caso de São Paulo, os escravos foram substituídos pelos imigrantes. 
 
Deixando as fazendas, os ex-escravos e seus descendentes se concentraram em determinadas regiões: na Biquinha, fonte próxima ao cemitério dos escravos da Fazenda do Pinhal, que ocupava as imediações da atual Cúria Diocesana e do Teatro Municipal - Vila Pureza - região da Santa Casa de Misericórdia atual. 
 
A região que agora é próxima à Santa Casa era conhecida por Cinzeiro. Lá se acendiam fogueiras e havia batuques à noite. Mais tarde, os caminhos abertos pelos negros até esse local foram urbanizados, criando as primeiras ligações da Vila Pureza até a região da Estação Ferroviária.
 
No final do século, a irmandade de São Benedito conseguiu a posse das terras do primeiro cemitério da cidade, construindo nele a Igreja de São Benedito, importante marco de entrada da cidade, próximo à Estação Ferroviária.

A CONTRIBUIÇÃO DOS AFRODESCENDENTES – O memorialista Cirilo Braga afirma que a contribuição dos afrodescendentes para o desenvolvimento de São Carlos é algo incontestável. “Desde a formação do município, essa presença já era marcante. Foi a força de trabalho da população negra que ajudou a alavancar a economia local, desde a cafeicultura, a industrialização e a a consolidação do setor de serviços. A atuação dos afrodescendentes é proeminente nas artes, nos esportes, na educação, na culinária, na religião e nos costumes... é uma riqueza cultural imensa”.

Segundo Braga, ainda há resistência ao reconhecimento do valor da etnia negra. “O que acontece é que, infelizmente, ainda persiste a tentativa de apagar ou minimizar essa participação na história oficial da cidade. É como se quisessem excluir os negros da construção de São Carlos. Mas não se pode negar os fatos. A gente precisa, sim, valorizar essa trajetória e reconhecer o papel fundamental da comunidade negra ao longo dos anos”.

Assim, há quem tente excluir a participação dos negros em momentos importantes da história do Brasil. “Pouca gente sabe, por exemplo, que durante a Revolução Constitucionalista de 1932, muitos afrodescendentes se alistaram como voluntários. Dois dos herois são-carlenses sepultados na Praça dos Voluntários, Alípio Benedito e Benedito da Silva, em afrodescendentes. E isso se repetiu em vários outros momentos históricos. Mas o preconceito e a discriminação acabaram apagando esses feitos da memória coletiva”.

Mesmo assim, segundo Braga, houve resistência. “A atuação de entidades como o Grêmio Flor de Maio e o Centro de Cultura Afro-Brasileiro Congada foi essencial nessa luta por justiça e igualdade aqui em São Carlos. Eles fizeram — e ainda fazem — um trabalho muito importante”.

Segundo o memorialista, as novas gerações precisam conhecer essas histórias. “Saber quem foram Odette dos Santos, Chica Lopes, Professora Maria Domingas Gonçalves, Adalberto Gonçalves, o Bebeto, Jair Rodrigues, Nelson Prudêncio... gente que viveu aqui e foi gigante nas áreas em que atuou. Eles são parte da alma de São Carlos”, destaca ele. 


A LEI ÁUREA - A abolição da escravatura ocorreu por meio da Lei Áurea, aprovada no dia 13 de maio de 1888 com a assinatura da regente do Brasil, a princesa Isabel. A abolição da escravatura foi a conclusão de uma campanha que pressionou o Império para que a instituição da escravidão fosse abolida de nosso país. Porém as consequências do período ainda reverberam nos tempos atuais, como dito por Joana D’Arc de Oliveira no livro “Da senzala para onde? Negros e negras no pós-abolição em São Carlos-SP (1880-1910)”, publicado em 2018:

"Em 13 de maio de 1888, aquele que foi considerado um dos maiores movimentos populares do século XIX no Brasil, atingiria seu objetivo: a conquista da liberdade. Nessa data, homens e mulheres negros, escravos ou libertos, acreditaram ter chegado ao fim a luta travada por eles frente ao sistema escravista por meio de revoltas, fugas, assassinatos, homicídios, condutas e negociações variadas. O 13 de maio simbolizava, enfim, a liberdade no último país das Américas a abolir a escravidão. 

Passados 137 anos de conquista da lei Áurea por esses sujeitos, percebemos que os anseios e esperanças diante da liberdade não significaram garantias e direitos a esses indivíduos que, desde então, continuam lutando por cidadania e inserção social. 

Ainda hoje, a marginalização social, espacial, econômica e cultural dessa população é sentida cotidianamente, somadas a essa situação a violência sistemática que atinge negros e negras em todo o país. A luta não teria fim em 13 de maio de 1888 como previram nossos ancestrais!"

LIBERTAÇÃO ANTECIPADA? – A historiadora da Fundação Pró-Memória e pesquisadora da história de São Carlos, afirma que é comum entre os memorialistas locais e mesmo entre muitos são-carlenses a ideia de que o fim da escravidão em São Carlos teria acontecido meses antes da abolição oficial, em 13 de maio de 1888. Isso se apoiaria em uma nota do Jornal do Senado do Império, de 14 de maio de 1888, onde se lê “Em São Paulo, diversas cidades libertaram seus escravos no ano passado. Em São Carlos do Pinhal, o fim do cativeiro foi proclamado em dezembro”.

“Contudo, não há nenhum registro na imprensa local, nos documentos da Câmara Municipal ou em qualquer outra fonte que comprove essa ação e, segundo análises de eventos similares em outras cidades, parece ter sido mais um evento de propaganda política, onde a abolição teria se consolidado pelas dádivas de bondosos senhores”, destaca ela. 

Segundo Leilla, é preciso salientar que apenas três proprietários de escravizados são citados por terem feito a alforria nessa ocasião, logo, cativos continuaram a existir na cidade até a abolição. Junte-se a isso a verificação das alforrias registradas pelo futuro Conde do Pinhal (um dos citados como tendo alforriado seus escravos, mas que ainda possuía escravizados em 1888), em 1887 onde a liberdade foi dada “sob condições”, ou seja, só se efetivaria a liberdade após mais algum tempo de trabalho, chegando até cinco anos a mais de cativeiro:

“Concedo liberdade (…) para que goze como se nascesse de ventre livre, com a condição, porém de prestar-me serviços de lavoura por cinco anos, a contar da data desta carta de liberdade sem que por esses serviços tenha direito a qualquer indenização e dando-lhe alimentação, vestuário e tratamento em suas enfermidades” (Carta de Liberdade registrada no livro de notas nº60, f.67v. 1º Tabelião de Notas e Protestos de São Carlos, 1887)

O trabalho historiográfico frente aos eventos que envolveram a abolição da escravatura no Brasil tem se ampliado e desfeito alguns sensos comuns que estão intrinsecamente ligados a uma visão idealizada da ‘libertação’ e do papel de autoridades, senhores e personagens de destaque na dita história oficial, e que deixaram de lado a resistência dos escravizados, suas vivências e o seu papel histórico antes e depois do período escravista.

MARCAS DO PASSADO – A historiadora explica ainda que como acontece em qualquer lugar marcado por um passado escravista, e tão recente como é o caso do Brasil, ainda temos marcas profundas nas relações entre as pessoas de etnias diferentes, em especial no que concerne ao preconceito racial, o racismo religioso e o menosprezo fenotípico tão entranhado em nossa sociedade.

Porém, ela ressalta a resistência dos afrodescendentes como forma de reduzir esta chaga. “Mas, nas últimas décadas, isso tem sido combatido de maneira mais forte e insistente, e já apresenta bons resultados, com o conhecimento e reconhecimento do papel dessas populações para o Brasil, de forma geral, e para cada rincão desse país – pelo contributo cultural, artístico, musical, alimentar, nos modos de viver, no papel feminino na memória e nas histórias familiares e de grupos. E, mais ainda, como essas pessoas construíram através do trabalho, antes e agora, esse país. E como tem o direito de se reconhecerem e orgulharem de seus ascendentes”.

Leila destaca que não se pode mais pensar os afrodescendentes apenas da perspectiva da escravização. “Eles já mostraram que são e estão muito longe dessa herança e deram e continuam contribuindo com esse país e com todos nós”, conclui ela.

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