quinta, 28 de março de 2024
Polícia

Mulher é “enterrada viva” em golpe do seguro de vida

30 Mai 2017 - 14h11
Dentro do caixão havia apenas uma pedra, um saco com serragem e uma barra de ferro. Foto Milton Rogério - Dentro do caixão havia apenas uma pedra, um saco com serragem e uma barra de ferro. Foto Milton Rogério -

Há tempos a reportagem vem acompanhando as apurações da Polícia Civil que investiga algumas pessoas em São Carlos (SP) que teriam se unido e montado um golpe para fraudar corretoras de seguro e com isto, arrecadar entre R$ 800 mil a R$ 1,4 milhão. Elas teriam forjado a morte da ex-moradora de rua Cristiane da Silva, de 39 anos.

A outra parte da trama teria sido realizada na cidade de Descalvado (SP) (distante 44 km de São Carlos), onde foram montadas as apólices de seguros que só não foram executadas e pagas devido a quadrilha descobrir que policiais do 2º Distrito Policial de São Carlos já estavam apurando o crime.

O São Carlos Agora apurou que um cartório de registro civil de São Carlos estaria recebendo documentos oficiais, mas fraudados e teria expedido a "certidão de óbito" em nome de Cristiane. 

A Polícia Civil já identificou como mentor do crime um ex-agente funerário de 47 anos, que teria se unido ao seu genro, um corretor de seguros de 25 anos. A filha do ex-agente, uma dona de casa de 24 anos e esposa do corretor, que seria a pessoa que receberia o seguro de vida de Cristiane e um médico que prestava serviços na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), da Vila Prado também são alvo da investigação. O médico teria expedido a declaração de óbito falsa no início deste ano.

DOCUMENTOS

Cristiane no túmulo que foi aberto em seu nome. (foto SCA)

As investigações do 2º Distrito Policial apontaram que o ex-agente funerário teria se juntado com o genro, um corretor de seguros, que prestava serviços a uma empresa na cidade de Descalvado e ambos deram início a um plano que tinha tudo para dar certo, porém não contavam que a polícia acabaria descobrindo o plano. No dia 28 de junho de 2016, após se encontrar com Cristiane (então moradora de rua), dizendo que gostaria de ajudá-la, o ex-agente funerário a levou até o prédio do Poupatempo, instalado na vila Pelicano, onde ela deu entrada na segunda via de seu Registro Geral (RG) e outros documentos. No momento em que deixavam o prédio, o ex-agente funerário se apoderou do protocolo, dizendo que para facilitar a vida dela, ele próprio apanharia a documentação e a entregaria sem problemas.

Já no mês de outubro do mesmo ano, o corretor de seguros adquiriu em nome de Cristiane da Silva, seis apólices de seguros de vida, montadas através de uma empresa instalada em Descalvado, cujos seguros foram firmados através de cinco operadoras e nestes documentos a pessoa que aparece como beneficiária seria a dona de casa, filha do ex-agente funerário.

DECLARAÇÃO DE ÓBITO

Como já tinha relacionamento de amizade com o médico de 29 anos, que prestava serviços na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), o ex-agente funerário teria convencido o profissional da saúde a fornecer no dia 28 de janeiro deste ano a Declaração de Óbito oficial da unidade de saúde, na qual foi inserida o nome da moradora de rua Cristiane da Silva, cujo médico indicava e assinava o documento atestando que a ela havia falecido na residência de "morte súbita", em decorrência de várias doenças que havia adquirido. O médico, para firmar a declaração e dizer que Cristiane não seria moradora de rua, transcreveu na própria declaração o endereço do ex-agente funerário como sendo local em que a mulher teria falecido, na noite do dia 28 de janeiro.

Equipe do 2º DP acompanha os trabalhos. (foto Milton Rogério/SCA).

SEPULTAMENTO

Com a declaração de morte clínica e documentação original em mãos, o ex-agente funerário preparou um caixão e pelo início da manhã do dia 29 de janeiro deste ano, deu início ao falso funeral de Cristiane, encaminhando ainda um caixão lacrado para o cemitério Nossa Senhora do Carmo, onde informava que o sepultamento teria que ser rápido devido as ordens médicas e apresentava como responsável pelo sepultamento sem o velório o corretor de seguros que efetuou naquela manhã o pagamento de R$ 131,92, referente as despesas do cemitério e adquiriu a sepultura 91 da quadra M-2, em parcelas a ser pagas no SIM (Serviços Integrados do Município), avaliada em R$ 1.548,18.

Após realizar todos os trâmites legais, apresentando inclusive o atestado de óbito assinado pelo médico da UPA, o caixão foi enterrado pelos coveiros do cemitério que não imaginavam a trama que teria por trás daquele funeral.

Já no dia 20 de março, a dona de casa de 24 anos, esposa do corretor de seguros e filha do ex-agente funerário, compareceu em um cartório de registro civil, instalado na vila Prado e registrou a morte de Cristiane, cujo cartório através de documentos originais e a própria declaração de óbito expediu para a declarante (dona de casa), a "Certidão de Óbito".          

INDICIAMENTO DA QUADRILHA

Quando os participantes da trama se preparavam para dar entrada no recebimento das seis apólices do seguro, teriam abortado a sequência do crime, pois tomaram conhecimento que os policiais do 2º Distrito Policial de vila Prado, estariam averiguando a história da moradora de rua, a qual era dada como morta, porém estava viva e hoje não mora mais na rua e sim está amasiada com um homem na região sul de São Carlos.

Os policiais civis se aprofundaram nas investigações e após localizarem Cristiane ela contou sobre sua vida e seus documentos e a partir de algumas informações a Polícia Civil acabou identificando toda quadrilha que está sendo investigada e todos os integrantes do bando serão chamados para dar suas versões sobre o crime.

O delegado Walkmar da Silva Negré que está à frente dos trabalhos, no mês de abril, após identificar cada um dos envolvidos na trama macabra, indiciou o ex-agente funerário, sua filha, o genro e o médico nos crimes de estelionato, falsidade ideológica e associação criminosa. A autoridade policial representou junto ao Ministério Público Estadual (MPE) e Poder Judiciário pela exumação do caixão.

MORTA-VIVA

No último final de semana a reportagem acompanhou Cristiane da Silva até o túmulo que foi aberto em seu nome.

Ela fez questão de colocar a mão na sepultura e disse que foi uma sensação terrível. Cristiane disse que até agora, para a justiça brasileira ela está morta e ainda disse que se sente uma morta-viva e exige justiça. A advogada Sandra Nucci que vem acompanhando Cristiane, disse que ela vai ter que provar à justiça que está viva. "Nós estaremos buscando os direitos de Cristiane, inclusive recuperando seus documentos e inicialmente vamos provocar a anulação da "Certidão de Óbito", que é um documento oficial, mas foi expedido através de um crime", disse Sandra.

Na semana passada, após analisar toda trama o poder judiciário autorizou a abertura do caixão, bem como determinou que o procedimento fosse acompanhado pelo delegado Walkmar da Silva Negré, além de advogados de Cristiane, o advogado representando os denunciados nos crimes, bem como peritos criminais, assistentes e um médico legista, para que pudesse no local analisar os possíveis restos mortais da pessoa que por ventura pudesse estar sepultada no lugar de Cristiane.

Nesta terça-feira, por volta das 14 horas, a sepultura foi aberta e o caixão retirado. Quando aberto, para surpresa de todos, havia no interior apenas uma pedra e um saco com material semelhante a serragem.

Abaixo, entrevista com o advogado Dr João Carlos Cazu, que acompanha o agente funerário.

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