quinta, 28 de março de 2024
Memória São-carlense

Xavierzinho, administrador e líder político de trajetória singular

22 Mar 2019 - 07h00Por (*) Cirilo Braga
Xavierzinho, administrador e líder político de trajetória singular - Crédito: Arquivos Câmara Municipal e FPMSC Crédito: Arquivos Câmara Municipal e FPMSC

Completaram-se nesta quarta-feira, dia 20 de março, os 25 anos do falecimento de Francisco Xavier Amaral Filho, Xavierzinho, um dos homens públicos de mais intensa atividade política em São Carlos no século passado. É impossível dissociar a sua vida da história do poder público local, sobretudo a partir dos anos 1950.

Nascido em 12 de setembro de 1927, filho de Francisco Xavier Amaral e Maria da Penha Carvalho Amaral, Xavierzinho – como ficou conhecido -  formou-se contador e ainda jovem ingressou na política. Casado com a professora Núbia Fiorentino Amaral, já aos 21 anos assumiu o posto de diretor da Câmara Municipal e incumbiu-se de grande responsabilidade num período de transformação política e retorno à Democracia.  A Constituição de 1946 estabelecera as Câmaras como órgãos representativos locais, cujos membros passavam a ser eleitos de forma direta pelo sistema eleitoral de representação proporcional.

Em 1948 a Câmara tinha 27 vereadores e reconquistava prerrogativas constitucionais, como a utilização de seus recursos orçamentários, transferidos por duodécimo pelo executivo municipal. Em “Crônicas do Tempo Antigo”, o jornalista Octavio Carlos Damiano observou que a partir de então o Legislativo voltava a funcionar com atribuições já claramente estabelecidas, adquirindo assim características nitidamente políticas. Tinha início um tempo de debates com grande variedade e amplitude de assuntos abordados pelos vereadores em suas manifestações por escrito ou orais.

O primeiro partido ao qual Xavierzinho se filiou foi o PSP (Partido Social Progressista), fundado por Ademar de Barros, interventor em São Paulo e depois por duas vezes governador do Estado, um dos políticos paulistas de maior influência na história.

Em seguida transferiu-se para o Partido Social Democrático (PSD) até a dissolução dos partidos e criação do bipartidarismo pelo Ato Institucional No.2 (AI -2), pelo regime militar no ano de 1965. Na ocasião, Xavier ingressou na Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido que apoiava o regime instalado em 1964, liderando uma sublegenda da sigla.

Logo na primeira legislatura para a qual foi eleito aos 25 anos em 1952 (quando a Câmara transferia-se para o prédio do Fórum), Xavier tinha como colegas no parlamento figuras expressivas da cidade e políticos experientes. Ali estavam Alderico Vieira Perdigão, Aldo de Cresci, Antonio Adolpho Lobbe, Antonio Donatto, Aurélio Cattani, Ernesto Cardinalli, Ernesto Gonçalves Rosa Júnior, Francisco Emmanuel de Paula, Guerino Petrilli, Hélio Pistelli, Itagyba Cardoso de Toledo, João Batista de Arruda Barros, João Miguel, José Marrara, Josué Mariutti Seppe, Leôncio Zambel, Orlando Marques e Samuel Valentie de Oliveira.

Reeleito, não seria diferente o panorama no segundo mandato, de 1956 a 1959. Estavam nesta legislatura Alderico Vieira Perdigão, Alfredo Petrilli, Antonio Donatto, Ary Pinto das Neves, Bruno Panhoca, Carlos Torres de Campos, Emílio Fehr, Francisco Silva Maia, Hermínio Bernasconi, Itagyba Cardoso de Toledo, João Miguel, José Fernando Martins Bonilha, José Ferraz, José Marrara Mário Maffei, Mauro Soares Teixeira, Orlando Marques e Vicente Paulo de Arruda Camargo.

Na ocasião, a cidade de São Carlos tinha o apelido de "Athenas Paulista", pelo número e expressão dos centros de ensino que concentrava, característica impulsionada pela implantação da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo. Ampliavam-se também os investimentos industriais no município.

Como diretor do Legislativo, Xavier sobressaía pelo profundo conhecimento dos trâmites do Parlamento, das atribuições dos vereadores e do Direito Público, em especial o Direito Administrativo. Como parlamentar, o domínio dos ditames do Regimento Interno da Casa – que ajudou a formular - impulsionou uma eficiente desenvoltura em plenário e sua presença nas comissões permanentes.

O respeito entre seus pares se traduziu na eleição para a presidência da Mesa Diretora da Câmara no biênio 1956-1957. No período, exerceu interinamente a chefia do Executivo Municipal no mês de julho de 1956, após o falecimento do prefeito Luis Augusto de Oliveira, até a posse do prefeito Alderico Vieira Perdigão. Como presidente da Câmara, uma de suas iniciativas foi a criação da Biblioteca Jurídica na Câmara Municipal de São Carlos, instalada em 1956, quando foi editada a Lei No 3342/56.

Em 1º janeiro de 1960, Xavier iniciava novo período como vereador, com mandato até 31 de dezembro de 1963. Desta feita, com ele assumiu seu irmão José Bento Carlos Amaral e uma edilidade repleta de grandes tribunos: Alderico Vieira Perdigão, Alfredo Petrilli, Antonio Stella Moruzzi, Ary Pinto das Neves, Belmiro Favoretto, Benedito Carlos Pereira, Carlos Torres de Campos, Ernani Pinheiro Lima, Francisco Silva Maia, João de Santi, José Bento Carlos Amaral, José Fernando Porto, José Ferrazini, José Marrara, Mário Maffei, Mário Tolentino, Orlando Marques e Romualdo Pozzi.

Com debates acalorados e muitos oradores se alternando na tribuna, nessa época era comum que as sessões plenárias avançassem pela madrugada. Marcaram o período a expansão urbana e o fim do contrato com a CPE, a operadora de bondes na cidade.

Em 1960 o Regimento Interno da Câmara foi elaborado com a colaboração do Dr. Hely Lopes Meirelles, então Juiz de Direito em São Carlos, e serviu de modelo para similares em diversas Câmaras Municipais do país. No mesmo ano, o prédio da Câmara recebeu o nome de Edifício Euclides da Cunha, em homenagem ao autor de "Os Sertões", que residiu na cidade na época em 1900, quando acompanhava como engenheiro do Estado a construção do prédio do Grupo Escolar "Coronel Paulino Carlos".

Destaque-se que a cada nova eleição, Xavierzinho ampliava suas votações, após campanhas em que apresentava um lema recorrente: “O amigo de sempre”.

Em 1º de janeiro de 1964 a posse para o mandato até 31 de janeiro de 1969 marcaria uma nova etapa e o fortalecimento de sua liderança.  No mandato, formavam com ele a Câmara Municipal Adhemar Ranciaro, Alderico Vieira Perdigão, Antonio Stella Moruzzi, Bruno Panhoca, Emílio Fehr, Jamir Leôncio Schiavone, João Miguel, João de Santi, José Fernando Porto, José Bento Carlos Amaral, José Marrara, José Pereira Pinheiro Filho, José Mariutti Sepe, Mário Maffei, Miguel Arthur, Orlando Marques, Orlando de Oliveira e Romualdo Pozzi.

O golpe militar de 1964 acabou por produzir a Constituição de 1967, com redação oficial dada pela Emenda Constitucional n° l, de 17 de outubro de 1969, que reduziu o número de vereadores. Na época, a Câmara continuou suas atividades políticas na vigência do bipartidarismo – com a existência de duas legendas, a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Todavia, a Câmara Municipal enfrentava restrições do ponto de vista da autonomia decisória, tendo o Executivo grande poder de iniciativa legislativa.

O Ato Institucional No.5 (AI-5) instituiu a CGI (Comissão Geral de Investigações), que tinha jurisdição em todo o território nacional e conduzia inquéritos gerando mudanças políticas nos municípios.

Esse ambiente conferiu contornos dramáticos à legislatura de 1969 a 1973, para a qual Xavier foi eleito ao lado de outros 14 vereadores: Antonio Cabeça Filho, Antonio Stella Moruzzi , João Miguel,João Muniz, João de Santi, João Orlando Ruggiero, José de Campos Pereira, José Marrara, Josué Mariutti Seppe, Mário Maffei, Miguel Arthur, Orlando Marques, Orlando de Oliveira e Rodolpho Partel.  Após ser chamado para depor à CGI, Xavier manteve-se no cargo e parte dos vereadores com assento na Câmara naquele período renunciaram ao mandato. Fato também marcante na política local foi a intervenção federal no município em 1970, após a destituição do prefeito José Bento Carlos Amaral.

Todavia, São Carlos registrou naquela etapa a implantação de novos equipamentos públicos, como o novo Mercado Municipal e o Teatro, investimentos na captação e distribuição de água, a criação do SAAE e a instalação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Com um polo industrial diversificado, o município orgulhava-se em ter uma das maiores bacias leiteiras do Estado.

Ao término de sua quinta legislatura consecutiva, Xavier encerrou a jornada parlamentar em 30 de janeiro de 1973. Como diretor da Câmara, seguiu sendo reconhecido, mesmo por adversários, como um homem muito inteligente e dedicado ao trabalho. Na atividade política e na liderança do órgão público, conquistou o respeito de integrantes de outras esferas de poder (Executivo e Judiciário) e incentivou instituições da cidade. O Tiro de Guerra local, o Corpo de Bombeiros, as polícias Civil e Militar, clubes de serviço, União Cívica Feminina e entidades da comunidade tinham o seu integral apoio. Como são-carlense, prezava pelas tradições da cidade e pela prevalência da ordem.

Tribuno notável, Xavier enfatizava seus discursos, sempre de improviso, usando um jargão próprio em seus pronunciamentos. “Alguém precisa respeitar alguém”, era sua máxima quando avaliava que algo estava em desalinho nas ações da administração da cidade.   Como também se valia da expressão “jamais em tempo algum”, para expressar perplexidade ou espanto diante de um fato e “a qualquer custo e a qualquer preciso” quando queria assinalar a urgência de alguma medida ou atitude. Ao apresentar denúncias em plenário, dizia que alguém estava fazendo “tabula rasa”, ou seja, não levando em conta os preceitos legais ou ignorando o que se disse anteriormente.

“Cidadão Benemérito do Município”, Xavierzinho era funcionário efetivo e permaneceu como diretor da Câmara até o ano de 1993. Pai de seis filhos (Silvia, Samuel, Francisco Xavier Neto, Silmara, Sérgio e Marco Antonio), dois deles seguiram a trilha do pai ingressando na vida pública: Samuel e Marquinho. Samuel, falecido em 2007, presidiu a Câmara no biênio 1985-1986. Marquinho, atualmente em seu quinto mandato, comandou o Legislativo em 2013 e 2014.

Falecido no dia 20 de março de 1994 aos 66 anos de idade, Francisco Xavier Amaral Filho teve seu nome atribuído oficialmente à Biblioteca Jurídica da Câmara Municipal e também a uma rua localizada no Residencial Monsenhor Romeu Tortorelli.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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