quinta, 28 de março de 2024
Artigo Rui Sintra

Sem ciência não há progresso e riqueza

16 Ago 2018 - 16h40Por (*) Rui Sintra
Sem ciência não há progresso e riqueza - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Uma sociedade é nada quando menospreza a ciência e o conhecimento, estando principalmente nas mãos dela inverter a situação.

Em uma interessantíssima conversa mantida com o conhecido pesquisador e professor da USP de São Carlos, Vanderlei Bagnato, mais uma vez descortinei a “sede” que esse acadêmico, cientista e homem público nutre pelo bem-estar da sociedade e a ânsia que ele tem em ver o Brasil ir para frente, rumo à modernidade e desenvolvimento. É óbvio que nossa conversa se encaminhou para as áreas da educação e da ciência, que, para ele, ainda são tênues e cheias de carências, motivo pelo qual Vanderlei Bagnato sugeriu que suas reflexões pudessem, de alguma forma, ficar espelhadas no site do Instituto que ele dirige (Instituto de Física de São Carlos /USP): o que acabou por acontecer.

Contudo, não resisto a deixar perante os meus leitores a visão desse cientista são-carlense, cuja entrega, abnegação e entusiasmo pela educação, pelo conhecimento e pela ciência, se aglomeram no sonho de poderem ser disseminadas pela sociedade.

O melhor exemplo de como uma sociedade pode - e deve - reagir à frase grifada no início deste texto vem dos Estados Unidos, na década de 60 do século passado, quando as autoridades descobriram que tinham que fazer uma grande ação científica junto da sociedade americana, para que ela passasse a ter um capital técnico-cIentífico elevado. Foi uma decisão não apenas com base para legitimar as ações do governo de então, mas principalmente para valorizar o quanto essas mesmas ações iriam desenvolver o próprio país daí em diante. Foi assim que os Estados Unidos começaram uma verdadeira ação massiva na implantação de museus, construção de laboratórios, criação de brinquedos educativos relacionados com ciência, enfim, valorizando a educação fora do ambiente formal da área científica, algo que até aí tinha sido desprezado.

Essa ação causou uma verdadeira revolução nos Estados Unidos e todo o mundo começou a valorizar a ciência nos mais diversos segmentos: esse sucesso resultou, por exemplo, em um apoio total da sociedade ao projeto Apolo, que logrou enviar os primeiros homens à lua, entre outros inúmeros projetos científicos da NASA, bem como a formação de grandes instituições de apoio a tecnologias dedicadas à saúde e a outras áreas consideradas de ponta. Para que tudo isso acontecesse nos Estados Unidos, o governo teve que ser parte do processo e os cientistas tiveram que assumir, por seu lado, o controle, a ação desse processo, algo que está longe de acontecer no Brasil, já que o primeiro passo deveria ter sido o governo criar programas que permitissem os cientistas divulgar a ciência, a nível popular.

Bagnato recorda que houve uma época em que o CNPq começou a fazer, com alguma frequência, editais para a divulgação da ciência: “O CNPq continua fazendo isso, mas atualmente de uma forma muito tímida, muito modesta, não dando continuidade aquilo que iniciou, diga-se, com algum entusiasmo. Então, é necessário que haja, de alguma maneira, uma ação nacional no nosso país para que a ciência tome espaço nos noticiários, na media e na mente das pessoas, algo que possa ter um impacto tão forte quanto a indignação referente à corrupção, à incompetência das lideranças nacionais, a um inconformismo popular igual ao que tem animado a sociedade relativamente a tudo isso”, sublinha Bagnato.

Para este cientista, o fato é que não se pode esperar algo positivo dos líderes nacionais a este respeito, restando, para isso, esperar algo que venha da sociedade, sendo necessário que se popularize a ciência, tornando-a um patrimônio social: a isso se chama capital técnico-científico. “O capital cultural é tudo aquilo que diz respeito à cultura que é partilhada por todos, independente da condição social, ou da capacidade intelectual. Há fatos que devem ser responsabilidade de todos nós, independente da escolaridade, raça, credo ou status social. E com o designado capital técnico-científico é a mesma coisa, ou seja, todos temos que participar desse grande movimento. Obviamente, quem ensina ciências tem que saber de ciências: você não pode pedir para um vereador sair por aí dando aulas sobre o que não sabe. Então, essa ação envolve vários atores: existe quem fala, existe quem organiza, quem valoriza, quem escuta, etc..”, enfatiza Vanderlei Bagnato.

Na opinião de Bagnato, há necessidade de se aproveitar aquilo que existe, começando exatamente pelas pequenas cidades, dando, como exemplo, a cidade de São Carlos: “A cidade de São Carlos tem um museu e ele tem que ser altamente frequentado. Daí, nós precisamos do poder legislativo da cidade para fazer alguns programas, para implementar e votar alguns projetos que atraiam as escolas públicas e as privadas, conclamando as universidades e os institutos de pesquisa instalados na cidade a colaborarem ativamente. Existem inúmeras possibilidades, incluindo a participação de instituições privadas, começando, por exemplo, com a Fundação Ayrton Senna, que financia inúmeros projetos, e a própria UNESCO, só para dar dois exemplos. Repare que São Carlos nunca recebeu uma exposição patrocinada pela UNESCO. Tudo isso e muito mais tem que ser feito e é extremamente importante que nós tenhamos a legitimidade e o apoio das autoridades locais para fazer isso”, salienta o cientista.

Recentemente eleito Diretor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da USP, Vanderlei Bagnato tem sido um dos que mais tem promovido ações para disseminar o conhecimento científico junto da população, só que, segundo sua apreciação, o efeito é muito pequeno: “Os canais de TV, as rádios, os jornais e a media eletrônica devem valorizar essa atitude em prol do empoderamento e da educação da população relativamente ao conhecimento, à ciência, introduzindo conceitos positivos e educacionais no seio dela”, enfatiza o cientista, acrescentando que acredita que a população brasileira, comparativamente ao que aconteceu nos Estados Unidos, na década de 60, estará ao nível daquilo que se espera dela: ou seja, quem decide a evolução do conhecimento de uma população é a liderança política e obviamente, neste caso, a liderança técnico-científica. “Se nós decidirmos que temos que prover educação científica e que temos que criar esse capital técnico-científico na educação, a sociedade vai adquirir isso. Ela já adquiriu outros capitais, porque não pode adquirir mais esse?”, questiona Vanderlei.

Em relação ao Instituto no qual é diretor, Vanderlei Bagnato afirma que o IFSC/USP tem uma responsabilidade enorme, já que a instituição começou a fazer divulgação científica exatamente para quem não é cientista, havendo a necessidade de ter ações massivas envolvendo a media escrita, falada e a televisiva. “Nosso Instituto é um dos que tem que liderar isso, porque se ele não fizer mais ninguém faz”.

Para concluir, Vanderlei Bagnato também lamenta o fato de não existir uma representação da ciência nos órgãos legislativos e executivos. “Há necessidade de termos pessoas que valorizem a ciência e o capital técnico-científico, principalmente nos órgãos legislativos. Não temos deputados, nem senadores, muito menos vereadores que defendam essa necessidade. Por exemplo, quando tivemos representantes científicos nos poderes legislativo e executivo aqui em São Carlos, vimos que o efeito disso foi muito positivo, independente de partidos políticos.  Tem pessoas (poucas) que estão disponíveis para fazer esse trabalho, até porque estão completamente engajadas em sua missão científica, em fazer ciência para que o país avance”.

Para este cientista, se não houver pragmatismo nos próximos três anos, o Brasil vai ter grandes dificuldades em se recuperar, pois não tem como criar perspectivas para as pessoas e nem as pessoas que estão dentro das universidades estão enxergando até onde se pretende chegar para dar a volta ao ponto atual da situação nacional.

Por tudo isto, o meu respeito e consideração por Vanderlei Bagnato são imensos. Pena não termos gente pensando como ele no destino de nossa Nação.

 

(*) O autor é Jornalista profissional / Membro da GNS Press Association (Alemanha) / Correspondente internacional freelancer.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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