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Os pensamentos trágicos e o medo de viver

18 Jun 2018 - 05h44Por (*) Bianca Gianlorenço
Os pensamentos trágicos e o medo de viver -

As pessoas cercadas por pensamentos trágicos costumam ver consequências espantosas em todos os acontecimentos.

Se eles sentem dor de barriga, têm medo de ir ao médico porque suspeitam que possa ser um tumor maligno. Se acendem uma fogueira, na sua cabeça aparece a imagem de uma queimadura de terceiro grau devido a algum descuido. Quando sobem num avião, desfilam pela sua mente imagens de si mesmos agarrando-se ao colete salva-vidas.

Por natureza, costumamos reagir com uma certa dose de medo ou apreensão diante do novo, do incerto. No entanto, para algumas pessoas esse pequeno terror se converte numa catástrofe sem limites, que os assedia e faz de sua existência um verdadeiro inferno.

As pessoas com pensamentos catastróficos estão cheias de maus pressentimentos. O fio do seu raciocínio geralmente se constrói a partir da premissa “E se”. Por isso surgem em sua mente perguntas como “E se eu pegar o ônibus e ele quebrar? “E se apresentar as minhas ideais e todos rirem de mim? “E se ao cruzar a avenida não perceber que vem um carro a toda a velocidade?”

Sempre imaginam os piores cenários possíveis em toda situação. Já se previnem de algo que não aconteceu, pois O “E se”, não existe. Essas pessoas sofrem de pensamentos.

Os pensamentos trágicos não são um problema independente. No geral, estão associados a estados de ansiedade e/ou depressão mais profundos. Quem se encontra num elevado grau de ansiedade, por exemplo, diante de um aumento do seu ritmo cardíaco, acredita que sofrerá um infarto. Quem sofre de depressão vê a si mesmo em situação de abandono ou rejeição, vivendo debaixo de uma ponte, pedindo esmola em alguma rua ou morrendo sozinho num hospital comunitário.

A verdade é que todos nós temos pensamentos trágicos às vezes, mas o que os converte num sintoma é a regularidade desses raciocínios e seu caráter obstinado. Claro que podemos ir ao zoológico e ser atacados por um leão, mas as possibilidades de que isso ocorra são ínfimas. Também podemos ser atropelados, mas há mais pessoas que não sofrem de tais acidentes do que aquelas que realmente sofrem. É importante vivermos com cautela, tomarmos cuidados em determinadas situações, mas se prevenir de viver pois algo de ruim está predestinado a acontecer, não é nada saudável!

No cérebro humano um pensamento recorrente influencia inclusive a maneira como nossos neurônios se conectam. Quando mais se pensa em algo, mais ele volta à mente. É o que acontece no caso dos pensamentos trágicos: se repetem tanto que acabam fixando-se. E como ficam fixos, se repetem constantemente mesmo sendo um evidente autoengano.

Quase todas as pessoas passam pelo menos alguma vez por uma situação catastrófica. Mais cedo ou mais tarde nos veremos confrontados com a morte de algum ente querido, com algum caso de saúde difícil de lidar ou simplesmente com a incerteza de não saber o que fazer depois de alguma mudança drástica. No entanto, se essas situações fossem constantes, não suportaríamos.

O que as pessoas que são assediadas por pensamentos trágicos não entendem é que todas essas situações podem ser abordadas e superadas. O que temem no fundo é ficar numa situações de extrema vulnerabilidade: situações diante das quais não podem reagir, ou que os deixem, literalmente, paralisados e sem poder fazer algo. No fim das contas isso significa ignorar um fato: contamos com recursos para que, diante de toda situação, por mais difícil que seja, possamos oferecer uma resposta.

Por trás das pessoas com pensamentos trágicos pode existir uma infância difícil. Aprenderam, desde crianças, que o medo é hostil e que os perigos espreitam por todos os lados. Quando eram pequenos não entendiam muito bem de onde viria o próximo risco, e isso fez com que construíssem no seu interior um mecanismo de pensamento exageradamente defensivo.

Para enfrentar esses tipos de pensamentos é necessário avalia-los, filtrar a realidade. É impossível nos prevenirmos de algo que não aconteceu, mas pessoas com esse tipo de pensamentos vive assim, por isso o medo é constante.

A psicoterapia é uma forte aliada, pois o psicólogo ajudará a pessoa a enxergar de um modo diferente a sua realidade.

(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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