terça, 23 de abril de 2024
Memória São-carlense

“Os Inimitáveis”, a banda que viveu e reviveu um sonho

18 Jan 2019 - 06h55Por (*) Cirilo Braga
“Os Inimitáveis”, a banda que viveu e reviveu um sonho - Crédito: Santhus Video Film/Divulgação Crédito: Santhus Video Film/Divulgação

Foi como embarcar no DeLorean do filme “De Volta para o Futuro” presenciar a solenidade em que aos integrantes do conjunto musical são-carlense “Os Inimitáveis” foram homenageados pela Câmara de São Carlos em novembro de 2008. A máquina do tempo levaria para mais de quatro décadas antes, quando um grupo de garotos formou uma banda pop.

Foi num bate papo em 1967 que eles tiveram a ideia de montar um "conjunto musical". Em plena era dos festivais. Do iê-iê-iê e da jovem guarda, bastaram quatro meses de ensaio e o grupo percebeu que os instrumentos de que dispunham eram limitados para encarar a empreitada. O projeto musical só vingaria se adquirissem equipamentos mais modernos.

Quem então poderia salvá-los? Ninguém senão Waldomiro Sant´Anna de Oliveira e Emília Berto Pegatim, pais de integrantes do grupo, que foram a São Paulo e compraram todo o equipamento necessário, mas não como simples mecenas, mas fiadores: o pagamento ficaria sob a responsabilidade da banda com as futuras apresentações.

O lançamento da banda foi no restaurante “Bambi”, na rua Dona Alexandrina, ponto de encontro dos jovens são-carlenses -  um acontecimento inédito pois pela primeira vez um conjunto musical de São Carlos se apresentava com órgão e trompete. A formação básica dos conjuntos da época era bateria, baixo e guitarras.

A casa ficou lotada e, assim, nascia oficialmente “Os Inimitáveis”. Na formação inicial estavam Aparecido Jacomo Pegatin - "Keko" (na bateria), Neurivaldo Cleomar Sierra - "Vadinho" (na guitarra base e vocal), "Wanderley" Martins de Oliveira (guitarra solo), "Wlademir" José de Oliveira (contrabaixo), José Barbosa - "Zé Caçula" (teclado e vocal), José Eleutério Sobrinho - "Zé do Pistom" (pistom) e José Orestes Ananias - "Zé Orestes" (vocal) e, mais tarde, como convidados Silenze (pistom) e Sebastião Saidel (saxofone).

Depois de algumas apresentações, o proprietário da casa, Mariano Marigo vendo a grande aceitação do conjunto musical por parte dos jovens da cidade, resolveu cobrar ingressos. Houve certa preocupação por parte do conjunto, de tocar com casa vazia, mas mesmo assim a casa continuou lotada, com pessoas se aglomerando na porta.

Com repertório inspirado nos grandes sucessos da época como The Beatles, The Rolling Stones, Bee Gees, Mutantes, Renato e seus Blue Caps, Roberto Carlos e outros, “Os Inimitáveis” tocavam inicialmente em restaurantes locais. Em pouco tempo a fama do conjunto se espalhou pela cidade de São Carlos e região. Com isso surgiu o interesse de empresários em levar os garotos a se apresentar em clubes, casas noturnas, shows e participar de festivais e concursos em várias cidades.

A Abasc, cujo diretor social Alberto Antonio Ivo de Medeiros (Bertinho) se notabilizava por trazer apenas artistas renomados, contratou o conjunto para tocar aos domingos na famosa boate da “Associação”.

Colegas de escola começaram a acompanhar o grupo em todas as cidades onde se apresentava. Iam de carro formando uma espécie de caravana, agiam como seguranças da banda, carregavam instrumentos, auxiliavam na montagem e tudo isso só para poder assistir aos shows.

Wlademir contava que quando retornavam a uma cidade, os fãs se aglomeravam. Entre autógrafos, fotos e bate papo com os fãs, o assédio aumentava a tal ponto que razões de segurança impediam que os rapazes pudessem dar atenção a tanta gente ao mesmo tempo.

No auge do sucesso, nos anos de 1967 a 1970, “Os Inimitáveis” lotavam cinemas e clubes. Eram acompanhados do que havia de mais moderno em aparelhagem, som e luz, em shows com artistas como Eduardo Araújo, Paulo Sérgio, Valdirene, Wanderley Cardoso, Reginaldo Rossi, os Carbonos entre outros. Com frequência em suas viagens se encontravam com bandas e cantores famosos em postos e restaurantes das estradas.

Nesse período, Marcos Randal, cantor em São Carlos convidou "Os Inimitáveis" para acompanhá-lo na gravação de seu disco, na Gravadora Soberana em São Paulo. Como houvesse outro conjunto homônimo, a pedido da gravadora a banda passou a se chamar "Inimitáveis Som Sete".

O lançamento do disco de Marcos Randal do qual os "Inimitáveis Som Sete" eram os instrumentistas aconteceu no "Cine Avenida" com participação de vários artistas de São Paulo. José Fernandes, respeitável crítico de música, fez um reconhecimento especial à atuação da banda no disco.

A gravadora "Soberana", satisfeita com o desempenho do grupo, convidou os garotos para acompanhar cantores durante as gravações. Outras propostas começaram a aparecer e foram se multiplicando: boates em Santos, São Paulo e o tão disputado show de calouros do programa Silvio Santos.

Diante dos compromissos que se multiplicavam, os empresários dos "Inimitáveis Som Sete", convocaram seus integrantes e seus pais para numa reunião discutir as prioridades artísticas e empresariais do grupo.

Como num conto inacabado, em 1970 sonho e realidade apresentaram-se como uma encruzilhada no caminho da banda. E o sonho ficava pelo caminho quando, em fase de prestar vestibular, “Os Inimitáveis” precisavam decidir. Naquele momento, se fossem assinados novos contratos, teriam que abandonar definitivamente os estudos.

Decidiu-se que, assim que todos os compromissos fossem cumpridos, a banda terminaria. Wlademir contava que a influência dos pais pesou bastante na decisão; eles queriam ver seus filhos formados e com uma profissão segura.

A paralisação da ascendente trajetória dos “Inimitáveis Som Sete” foi então irremediável. Alguns deles continuaram a carreira, como o tecladista Zé Caçula e o vocalista Zé Orestes. Vadinho e José Eleutério Sobrinho (Zé do Piston) tocaram na banda do Circo Moscow.  Caçula também acompanhou o famoso Mazzaropi como músico durante sete anos, e foi integrante da banda da dupla Milionário & Zé Rico. Mas a existência artística do “conjunto musical” idealizado três anos foi mesmo como um meteoro: de curta duração, sucesso brilhante e muita intensidade.

Assim cada um dos “Inimitáveis” seguiu seu destino, trabalhando em áreas diversas que tornariam cada vez mais distantes aqueles momentos de glória vividos nos palcos. Para eles, todas as histórias, todos os acontecimentos marcantes seriam guardados como item valioso de “coisas que você precisa fazer antes de morrer”.

Por isso, na primavera de 2008 quando o contrabaixista Wlademir José de Oliveira me contava a trajetória da banda (que sim, retornava!), seus olhos brilhavam. Não era o senhor grisalho que estava diante de mim, mas o garoto que 40 anos antes estivera entre os líderes de “Os Inimitáveis”.

Após a paralisação da banda, Wlademir ingressou na Escola Superior de Agrimensura de Araraquara, onde se formou engenheiro agrimensor em 1974. Trabalhou empresas de engenharia civil e topografia e depois no DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) como engenheiro responsável pelo escritório de apoio técnico do departamento em São Carlos. Foi agente técnico do comitê da bacia hidrográfica Tietê/Jacaré para análise de projetos técnicos visando à liberação de recursos financeiros aos municípios e em 2002 recebeu o título de Cidadão Honorário de São Carlos.

Em 2008 quando conversamos, ele os colegas de “Os Inimitáveis” se preparavam para receber a homenagem na Câmara Municipal, fruto da retomada do trabalho que se consolidou em 5 de maio de 2007, exatos 37 anos após a última (e então “definitiva”) apresentação de “Os Inimitáveis”. O show de regresso aconteceu na sede de campo do São Carlos Clube, na entrega do Troféu Imprensa - "Walter Bagnato”.

Na retomada do trabalho, a formação era de uma Big Band, composta por  Aparecido Jacomo Pegatin - "Keko" (bateria),  Daniel Barbosa Salvador  (guitarra base e solo), Daniel Luis da Silva (trompete/fluguel), Neurivaldo   Cleomar Sierra - "Vadinho” (guitarra base),  Lucinei Alves Custódio (Vocal e Backing Vocal), Piter Gargarela (trompete), Sérgio Roberto Gargarela (saxofone), Fernando Rossi  (teclado), Veronica Laveli de Souza(vocal e backing vocal), Wagner Antonio Chiba de Castro(vocal e backing vocal),  Wanderley Martins de Oliveira (guitarra base e solo) e Wlademir José de Oliveira (contrabaixo).

Revê-los em ação no Sesc, em junho de 2010 era como experimentar as mesmas sensações do público que acompanhou a banda nos vibrantes anos 1960. No palco, o entusiasmo de Wlademir parecia imutável. As pessoas apreciam flashback pela possibilidade de conexão com outra época. A música constrói essa ponte, como se constatou em cada apresentação dos Inimitáveis e está documentado na playlist da banda.

A entrevista no programa “Assunto do Dia”, do comunicador José Antonio na Rádio Universitária, no dia 15 de abril de 2016 – um ano até ali pródigo em apresentações da banda –, seria uma das últimas do band leader Wlademir, falecido um mês depois, no dia 16 de maio. Sua morte repentina caiu como um raio num dia de sol para os músicos, os muitos amigos e a imensa legião de fãs dos “Inimitáveis”.  Partia um dos mais inimitáveis do grupo, o contrabaixista que se sobressaía pela “alegria de tocar e estar com a banda”, como escreveu postumamente um amigo. Sua jornada, concluída prematuramente aos 65 anos, terá sido como a metáfora da história da banda na qual viveu e reviveu um sonho. Sim, um sonho que garotos sonharam juntos desde aquele descontraído bate papo em 1967.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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