quarta, 24 de abril de 2024
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Luto coletivo em grandes tragédias

18 Fev 2019 - 06h50Por (*) Bianca Gianlorenço
Luto coletivo em grandes tragédias -

Tragédias que envolvem acidentes ou emergências, como a de Brumadinho, do Ninho do Urubu e o acidente do jornalista Ricardo Boechat, têm suas particularidades.

O luto decorrente dessas mortes é intensificado pela forma abrupta e violenta com que ocorreram. E, por isso mesmo, exige atenção. O processo pode afetar as dimensões física, psíquica, emocional, comportamental e social dos indivíduos.

Com a dor e o pesar, existe um sentimento de injustiça, raiva e impotência. Perdas repentinas retiram a chance de despedidas, de possíveis reparações, de ajustes de pendências da vida. É uma retirada brusca e radical, e isso pode provocar uma reação aguda de luto, diferente daquela que vemos quando alguém morre devido a uma doença, pois nessas situações houve, muitas vezes, tempo para despedidas.

Lutos muito agudos podem também acontecer quando vemos a morte de crianças — o ciclo da vida parece invertido. Falta sentido.

O luto é consequência de uma perda significativa, que pode ser concreta, como a morte de um familiar, ou simbólica, como alguém em Brumadinho que viu sendo devastada a área onde morava ou a escola onde estudava.

Nos sentimos mobilizados emocionalmente, mesmo quando não conhecemos as vítimas, porque temos empatia pela dor do outro, reagimos à imagem do sofrimento alheio.

No acidente aéreo em que morreu o time da Chapecoense, em 2016, vimos um estádio lotado de pessoas chorando. De repente sentimos o luto nos atingir.       Coletivamente, o luto acontece mesmo quando não existe vínculo íntimo com quem se foi. Isso ocorre porque a dor do outro é também uma dor sentida por nós, pelas nossas questões, pela identificação e ameaça à perda, porque olhamos ao nosso redor e temos medo de perder as pessoas que amamos. Então, junto à solidariedade e empatia pela dor do outro, sentimos receio pelos nossos.

A dor encosta em nós. Esse é um dos efeitos de uma grande tragédia: ela nos coloca em situação de alarme, nos faz pensar que tudo pode mudar de uma hora para outra, retira bruscamente a ilusão de controle e previsibilidade do mundo.

O luto pode trazer complicações de saúde, e, segundo alguns estudos, as mulheres são a população mais vulnerável, junto aos idosos. Viúvas adoecem mais depois da perda de cônjuges, procuram por mais cuidados médicos no primeiro ano de luto. Se houver uma propensão, o estresse agudo provocado pela perda provocará um desequilíbrio biológico e orgânico. O luto, então, pode fazer adoecer.

Os homens, por sua vez, diferentemente das mulheres, não têm espaço social reconhecido para expressar medos, dor e luto. Eles sofrem uma hesitação do pesar, como se tentassem controlar seus sentimentos, e inibem o luto, o que pode também trazer malefícios para sua saúde.

Com o tempo, a dor do luto tende a diminuir de intensidade, mas estará sempre presente. O vínculo é contínuo, não se encerra com a morte. Acontece como se em cada lembrança, em cada saudade, a dor retornasse. Ela passa também a fazer parte de nós. Por isso, falamos hoje em adaptação ao processo de luto, não mais em aceitação. Eu aprendo a conviver, a encontrar um espaço interno para acomodar minha dor.

Quando a morte surge de uma forma absolutamente abrupta, o estado de choque inicial é desconcertante. Os questionamentos também podem permanecer por um longo período, sendo mais um fator de angústia e podendo levar a distúrbios psicossomáticos.

A cicatrização de uma ferida, a recuperação e a vida nova levam tempo. Não há solução mágica ou imediata: é preciso se adaptar à nova situação.

(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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