sábado, 20 de abril de 2024
Memória São-carlense

Jamir Schiavone, um presidente da Câmara que marcou a história

26 Abr 2019 - 07h00Por (*) Cirilo Braga
Jamir Schiavone, um presidente da Câmara que marcou a história - Crédito: Arquivo Câmara Municipal de São Carlos Crédito: Arquivo Câmara Municipal de São Carlos

Em 2010, quando o ex-presidente da Câmara Municipal de São Carlos Jamir Leôncio Schiavone (1934-2012) foi avisado de que receberia homenagem por ocasião do Dia do Legislativo, em 15 de setembro daquele ano, eu me lembro de sua alegria. Decerto pelo inesperado da notícia, ele reagiu com aquela satisfação de quem olhava caminho percorrido até ali e percebia que, sim, tudo aquilo de fato mereceria um registro.

O advogado, professor e político que ele foi me chamava atenção desde que o conheci no final dos anos 1970, porque conseguia aliar a seriedade com que se portava no cargo público com o bom humor e a presença de espírito do homem de rádio que era. 

A peculiar gargalhada ao final dos “causos” que narrava, as incursões como goleiro do time dos vereadores e o entusiasmo do torcedor do Corinthians eram o contraponto à sisudez que tantas vezes assumiu na ribalta política, atento ao que anos depois se definiu como “liturgia do cargo”.

Jamir naquele ano de 2010 personificava o testemunho de capítulos importantes da história da Câmara e da cidade de São Carlos na segunda metade do século passado. (E, aqui pra nós, era divertido ouvi-lo narrar peripécias e improvisos dos programas de rádio).

Nascido no dia 12 de setembro de 1934, filho de João Schiavone e Martina Garcia Ferreira Schiavone, Jamir pertenceu a uma geração que iniciava cedo no trabalho e tinha como mestres as pessoas mais velhas, com as quais aprendeu não apenas ofícios, mas a cultivar a boa convivência humana e conferir uma dimensão histórica a suas tarefas.  Isso só se aprende com a vida.

Do casamento com Laura Levez Schiavone teve os filhos César Alexandre, Celso Augusto e Célio Alberto. Em segundas núpcias foi casado com Rosangela Brenha Schiavone. Era um homem repleto de histórias, contadas a quem quisesse ouvir e o encontrasse naquele período na chácara no Condomínio Encontro Valparaiso II.

Alguns episódios de seus dois mandatos na Presidência da Câmara foram revelados no livro “Memórias de Um Presidente” lançado em 2010, com texto de sua neta Lívia e prefácio do Professor Francelino Grando.

O foco foi o ponto alto da carreira política de mais de vinte anos (1960-1983). Mas sua biografia já moldava o perfil do político desde a juventude, quando trabalhou como office boy da Associação Comercial e Industrial de São Carlos, tendo seu primeiro contado no ramo da advocacia no escritório do Dr, Ulysses F. Nunes.

Jamir também trabalhou como balconista de loja de calçados, preparador de flores, auxiliar de escritório, escriturário-datilógrafo, radialista e auxiliar de compra do Lápis Johann Faber Ltda, sendo sócio fundador do Johann Faber Clube, bem como na formação do Sindilápis.

Na sua trajetória acadêmica, formou-se em Estudos Sociais com Habilitação em Educação Moral e Cívica pela UNAERP (Faculdade de Educação de Ribeirão Preto) e bacharelado em Ciências Jurídicas pelo Instituto de Ensino Superior Unificado. Na pós-graduação especializou-se em estudos de problemas brasileiros pela Universidade de São Paulo (USP), ensino público e privado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Direito Penal pelo Instituto Paulista de Ensino Superior Unificado (Faculdade de Direito de São Carlos).

Foi professor secundário no Ginásio Antônio Militão de Lima, Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião, Colégio Jesuíno de Arruda, Escola Industrial Paulino Botelho e Senac São Carlos. Pelo Centro Educacional Diocesano La Salle, lecionou as matérias de História, Estudos Sociais e Geografia, exerceu a coordenação pedagógica dos cursos técnicos de Contabilidade, Química, Supletivo de 1º e 2º graus e Secretariado e Magistério. Coordenador da Cadeira de Estudos de Problemas Brasileiros da Fundação Educacional São Carlos, foi também Diretor Executivo da Fundação Educacional de São Carlos.

Como advogado, foi assessor jurídico do Centro Educacional Diocesano "La Salle", do Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários de São Carlos e da Associação dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de São Carlos, além de sócio fundador da Associação dos Aposentados e Pensionistas do INSS de São Carlos

Radialista desde 1957 trabalhou nas principais emissoras da cidade, como locutor e comentarista esportivo, apresentador de programas jornalísticos e religiosos.

Foi agraciado por muitos anos com comentarista esportivo em “Melhores do Esporte” do Programa “Antena Esportiva” da Rádio Progresso de São Carlos e sua biografia registra participação no Teatro do Estudante tendo atuado com o artista são-carlense Vicente de Arruda Camargo.                  

Na carreira política, foi eleito vereador à Câmara Municipal de São Carlos, de 1960 a 1983, colaborando no exercício das atividades nas Comissões Permanentes, assim como ocupando o cargo na Mesa Diretoria. Foi presidente da Câmara Municipal nos períodos de 1977 e 1979 e de 1981 a 1983. Homem de partido, no ano de 1982 se dispôs a concorrer à Prefeitura Municipal. Nos anos seguintes exerceu a assessoria de Gabinete do Vice-governador Orestes Quércia, tendo sido também assessor parlamentar e de Gabinete da Presidência da Imprensa Oficial do Estado, advogado da Secretaria Estadual do Trabalho, diretor Administrativo da Prefeitura de São Carlos e Professor de Direito Penal e Prática Forense Penal da Faculdade de Direito de São Carlos (Fadisc).

Quando presidente da Câmara em dois mandatos, se engajou em muitas lutas em prol de benefícios para uma São Carlos que nos anos 70 e princípio dos anos 80, reafirmava sua importância no mapa de São Paulo.

Foi de sua atuação nesse período que mais se orgulhou. E não sem razão, por ter sido uma etapa rica em episódios reveladores do “estilo Jamir” -  no dizer do professor Francelino e, seu amigo e prefaciador do livro “Memórias de um Presidente”, “o político que exercita seus valores e o faz em um período crucial na história do país”.

Ao ser personagem de seu próprio relato, Jamir contou que no primeiro mandato como presidente da Câmara, iniciado em fevereiro de 1977, buscou ser presidente de fato e de direito e melhorar as acomodações dos vereadores. No período, recuperou o primeiro pavimento do Edifício Euclides da Cunha e realizou uma reforma do prédio histórico. Desatou uma polêmica quando decidiu colocar lâmpadas coloridas diante da tribuna no plenário: luz amarela para avisar o orador de que tinha um minuto para concluir a fala, e luz vermelha quando o tempo estava esgotado. “A imprensa numa brincadeira muito sadia resolveu publicar que o presidente estava adotando os cartões para punir vereadores com advertência e expulsão do plenário”, contou. O jornal “Notícias Populares” de São Paulo divulgou que Jamir instalou um “semáforo” no plenário. Apesar do panorama autoritário da política nacional na época, o vereador tirava de letra as gozações da mídia, afinal era também ele um homem de imprensa.

Naquele primeiro ano como presidente da Câmara, a grande empreitada era o trabalho para a duplicação da rodovia Washinton Luiz, a “rodovia da morte”. A luta era para que a rodovia no seu traçado natural se tornasse via doméstica e que a secretaria dos Transportes do Estado desse continuidade ao projeto da chamada “Via Norte”, que passaria pelo sul da cidade.

No livro, Jamir recordou que a imprensa local esteve presente em todos os atos daquele movimento, principalmente a Rádio Progresso, que liberou seu repórter Aldomiro Pedrino para acompanhar todas as audiências. A seu ver, o custo da obra seria menor com o prolongamento da Via Norte, passando pelo lado oeste da cidade, do Posto Castelo até a cidade de Ibaté.

Diante da resistência do governo estadual, que alegou impossibilidade de atender ao pleito, São Carlos acabou por conquistar uma série de obras no trecho de 13km da estrada que corta a cidade. Foram então construídos três trevos completos, dois em diamante combinados com nove passagens em desnível para facilitar o acesso de moradores. Por esse motivo, São Carlos é a cidade do interior que mais possui trevos de acesso à rodovia estadual.

Entre os muitos temas tratados como presidente da Câmara, estiveram a construção do terminal rodoviário, a luta pela manutenção da Fundação Educacional São Carlos, e conquistas locais como: o centro social do Sesc em 1978, as varas cíveis e criminais conquistadas pelo Judiciário, a batalha do Orçamento de 1979, a criação do “plantão do recesso” na Câmara, a criação do Centro de Defesa do Consumidor no Legislativo, a transmissão das sessões ao vivo pelo rádio, e as lutas contra a discriminação da cidade na instalação de repartições regionais do Estado.

Em 1981, Jamir colocou a Câmara como mediadora do impasse instalado entre a Prefeitura, a concessionária de ônibus e os estudantes que realizaram o movimento “Pula Roleta”. Na época, auditoria militar da II região instaurou IPM (Inquérito Policial Militar) e processos contra estudantes e entidades passaram a ser enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

Ao terminar o meu mandato de vereador e presidente da Câmara em 31 de janeiro de 1983, Jamir declarou que saia “com a impressão que combati o bom combate e na opinião de muitos munícipes e de meus pares consegui realizar um bom trabalho”.

De fato, havia inserido seu nome na galeria de representantes públicos empenhados em expandir os horizontes da cidade e valorizar a atividade dos representantes da população.

Certamente esta é a grande mensagem de Jamir, que em vida foi laureado com o título de “Cidadão Benemérito de São Carlos”, homenageado pela Câmara Municipal no "Dia do Legislativo São-carlense” e a “Ordem do Mérito Educativo em grau de Comendador”. E após seu falecimento aos 77 anos, no dia 18 de julho de 2012, teve seu nome dedicado à Sala de Protocolo e Arquivo da Câmara Municipal e a uma rua localizada no bairro Encontro Valparaiso II.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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