quinta, 28 de março de 2024
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Automutilação: cortando a dor

21 Mai 2018 - 05h00Por (*) Bianca Gianlorenço
Automutilação: cortando a dor -

Um grande erro sobre a automutilação é acreditar que essa doença se trata de chamar atenção. Isso porque normalmente a área escolhida para ser afetada é fácil de esconder com roupas ou acessórios. Pessoas que cortam o pulso, por exemplo, costumam usar pulseiras ou mangas compridas para disfarçar as feridas. As que ferem as coxas ou a barriga a mesma coisa.

E quando essas áreas ficam aparentes, há uma grande atividade para esconder os danos. Seja com maquiagem ou adotando uma posição que disfarce o ocorrido. Se a intenção fosse chamar atenção, por que não fazer em um local mais aparente, ou deixar que seja vista a ferida? O automutilador teme que suas ações sejam descobertas por dois motivos.

 Para não ser criticado por seus atos, visto que dificilmente eles são compreendidos.

E para poder continuar praticando a mutilação a si mesmo.

Dessa forma, esconder as feridas, faz a pessoa se privar de atividades que envolvam a exibição de seu corpo. E aquela cena de filme que se passa na cabeça das pessoas, de jovens sentados se cortando juntos é bastante fora da realidade. Quando um automutilador descobre que alguém está praticando o mesmo ato, costuma tentar prestar ajuda desejando que a pessoa pare com esse comportamento, por saber que é nocivo.

Porque é realizada a automutilação?

Para as pessoas com o emocional estável pode ser difícil de compreender ou assimilar que alguém pode ferir a si mesmo achando que está fazendo o bem, mas é isso que ocorre.

O perfil do automutilador, geralmente, é a pessoa emocionalmente abalada, que passou por algum trauma, alguma situação que não foi elaborada anteriormente causando sofrimento emocional. As vezes a própria pessoa não sabe o motivo pelo qual está sofrendo, só sabe que está e quer acabar com aquilo. Essas pessoas costumam ter dificuldade de se expressar verbalmente, de se relacionar com as pessoas, além de possuírem baixa autoestima. A automutilação nesses casos vem como um alívio emocional momentâneo. É uma forma de escapar da intensa dor emocional que acompanha a pessoa o tempo todo em sua vida e vivenciar por um tempo apenas a dor física.

Sim, por mais estranho que possa parecer, a dor física nesse momento parece um alívio, pois distrai e leva embora por alguns segundos aquela dor emocional tão intensa e insuportável.

Se ainda está difícil de entender, imagine aquelas pessoas que vivem com uma condição física ou ferida que doem o tempo todo. Com o tempo, essas pessoas tendem a viciar em analgésicos, pois livra a dor por alguns momentos. A situação com a pessoa que se automutila é a mesma, mas ela se utiliza da dor física para conseguir alguns segundos de liberdade da dor emocional, sendo que não existe um analgésico para dor emocional.

O que fazer?

A pessoa que se automutila está claramente em grande sofrimento, e é assim que deve ser vista e tratada. É ideal aproximar-se da pessoa com empatia e, fazê-la entender que precisa buscar ajuda. O apoio e compreensão dos amigos e familiares nesse momento são bastante importantes. As vezes não vemos o que está tão evidente. Temos o hábito de menosprezar o sofrimento psíquico, nos preocupamos apenas com as dores físicas. Se por exemplo, o filho tem uma pneumonia, os pais correm para leva-lo ao médico, agora se está em depressão, vem o discurso que eu ouço muito na clínica: “A é fase”. Não, não é fase. Tanto os adolescentes como os adultos, precisam ser saudáveis mentalmente para conseguirem resolver seus conflitos sem precisar se cortar, se bater, etc.

O profissional que atende essa pessoa deve ajudar o paciente a encontrar outras maneiras de lidar com esse sofrimento, além de compreendê-lo. Por isso a psicoterapia é indispensável nesses casos. O acompanhamento de um psiquiatra também pode vir a ser necessário.

Por mais que essa pessoa precise de atenção empática, o objetivo inicial dela ao se ferir nunca foi o de receber atenção, mas sim de lidar com um sofrimento intenso que pode intensificar se sua atitude é incompreendida e tomada como banal. Por isso é importante tomar conhecimento da gravidade e delicadeza do assunto, para não reproduzir o tipo de discurso leigo e prejudicial. Se há um pedido de atenção na automutilação, é o pedido silencioso de socorro de uma pessoa em sofrimento intenso.

Causas

 É mais comum na adolescência por ser uma época muito difícil, cheia de dúvidas, medos e angústias. Ferir-se pode ser um modo de aliviar a tristeza e a dor emocional. Há jovens que buscam esse alívio nas drogas, nos games, no sexo, e outros na automutilação, porém, adultos não estão livres de cometer esse ato.

Quando há um episódio de automutilação, há sempre fatores que acabaram desencadeando a crise, como rejeição social, perdas, problemas em casa, medo, raiva, entre outros sentimentos e situações.

As causas são multifatoriais, como insegurança, baixa autoestima, impulsividade, problemas na infância (negligência, abuso, estresse), dificuldades sociais (bullying), problemas familiares (pais divorciados ou ausentes), violência doméstica, entre outros. Por outro lado, a automutilação também é um dos critérios para diagnóstico de transtornos psiquiátricos, como transtorno boderline e depressão.

Tratamento

O acompanhamento com psicoterapia é essencial para ajudar essas pessoas a darem nome às suas emoções e a identificarem formas saudáveis e adequadas de lidar com os seus problemas e angústias, além de aumentarem a autoestima e aprenderem a gostar de si mesmos.

(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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