quinta, 25 de abril de 2024
Memória São-carlense

A História passou pelo Palacete Conde do Pinhal

11 Mai 2018 - 06h32Por (*) Cirilo Braga
A História passou pelo Palacete Conde do Pinhal - Crédito: Arquivo histórico e acervo pessoal Crédito: Arquivo histórico e acervo pessoal

Não escapa ao reparo de nenhum habitante da cidade que o Palacete Conde do Pinhal é uma das construções históricas mais importantes de São Carlos. O prédio, que abriga atualmente o Centro dos Profissionais da Educação, foi tombado há 40 anos pelo Condephaat, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo.

Destinado a ser a residência de Antonio Carlos de Arruda Botelho, o Conde do Pinhal, um dos fundadores da cidade, o edifício teve a sua construção comandada comandada pelo engenheiro italiano Pietro David Cassinelli e foi Inaugurado em 1895. A sua finalidade original foi atendida até 1901, quando o Conde faleceu subitamente e em seguida a família deixou o palacete.

Em 1906, as Irmãs do Santíssimo Sacramento, recém chegadas à cidade,ali instalaram o Colégio São Carlos, utilizando-o até 1913. Em 1918, o município tomou posse do imóvel, que em 1921 passou a sediar a Câmara Municipal e a Prefeitura até o ano de 1952. A partir de então, apenas a Prefeitura permaneceu no local até 1982. Depois disso, o prédio sediou a Secretaria Municipal de Educação e mais recentemente o CFE.

Logo defronte ao prédio, na Praça Paulino Carlos, está fincada a estátua do Conde do Pinhal, que parece fazer uma saudação a quem a vê a partir da sala principal do Palacete, o angito salão nobre, alcançado por lances de escadas que lembram velhos transatlânticos e de onde se tem uma bela vista da Catedral.

Conheci o lugar no final dos anos 1970, nos tempos de colegial do Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião, quando compartilhava com os colegas uma visão quase mitológica do prédio, por conta dos relatos nas aulas de História. Mais que a suntuosidade do imóvel ? que apresenta já no hall de entrada, belíssimas pinturas de Benedito Calixto (1853-1927) ? e o requinte do seu mobiliário, interessavam os eventos que ali se deram. A sensação de estar no mesmo ambiente em que estiveram os grandes vultos da história local, com aqueles ternos bem cortados, relógios de bolso e bastos bigodões. Cheiravam rapé, é verdade, usavam escarradeiras, mas seus retratos estavam na parede.

Passaram-se alguns meses desde a visita estudantil, e ali estava eu novamente, fazendo incursões diárias pelo palacete como repórter do jornal "Correio de S.Carlos", com caneta e bloquinho em punho para entrevistas com o prefeito Antonio Massei. Dona Neuza Massei Porto, filha do saudoso ex-prefeito, me presenteou com uma foto da época, tirada no salão nobre.

“Eu vou lhe dar uma entrevista! Eu vou lhe dar uma entrevista!”. Achava divertido ouvir a frase, assim duplicada, pronunciada em seu sotaque peculiar pelo advogado Elicio de Cresci Sobrinho, toda vez que me via à espera do prefeito na ante-sala do gabinete. As entrevistas eram na verdade aulas de Direito.Chamava minha atenção o fato do Dr. Elicio nunca dizer “acho”; ele costumava e ter certezas em matéria de Direito Administrativo. “Isso pode; isso não pode”. Não eram palpites, citava o artigo do código, recitando postulados, não deixando dúvida do profundo conhecimento naquela que é a disciplina por excelência da convivência humana.

Seu pai, Dr. Aldo De Cresci, o advogado do Prefeito Massei, me parecia o elo entre os antigos habitantes do palacete do Conde. Traduzia a palavra elegância, não só pela indumentária, impecável, destacada pelo terno de linho branco e não raro gravata borboleta, como pela atenção que dava a todo interlocutor. “Ganhamos mais uma”, disse ele ao irromper certa tarde no gabinete de Massei com o anúncio de uma cassação de liminar.

Entrevistei Dr.Aldo para a publicação de uma revista de aniversário do São Carlos Clube, que fundou e do qual foi autor dos estatutos ao lado dos colegas os doutores Aurélio Cattani, Ulysses Fernandes Nunes e Eduardo Maia Filho.Vi a figura de vida e hábitos simples, o orador notável de fala tranquila, esbanjando modéstia ao narrar fatos de sua história. Como não ver nele a ponte entre várias épocas?

A rotina de ir ao Palacete do Conde do Pinhal todo final de tarde para sair dali com pelo menos uma notícia para a edição seguinte rendia papos extras com o prefeito no café do Bar do Arnaldo, onde passávamos a ser “o menino” e “seu Massei”. Como se apenas no velho prédio voltássemos a encarnar os personagens do repórter e do chefe do Executivo. Outra coisa curiosa essa.

Dario Inocentini, o assessor de Imprensa, sempre me acudia quando corria o risco de voltar à redação sem novidades. Dava tempo de percorrer departamentos, e não secretarias, para falar com o Daniel dos Santos dos Serviços Urbanos ou o Ariovaldo Brigante, de Obras e Viação. O horário das “tertúlias”, perto das seis da tarde, me permitia observar a rotina dos funcionários da Prefeitura, muitos dos quais marcaram época. Dona Lurdes Cassinelli,minha vizinha de bairro,trabalhava no protocolo.Dona Idelzita Ferraz no expediente; o saudoso Luizinho Bortolani já às voltas com o sindicato e os plantões esportivos; Esmeralda a telefonista, Waldomiro Lourenço, o contador; Cláudio Bareato no planejamento; Pedro Conti, garçom equilibrista das bandejas. No gabinete, Murilo Porto e João Victor Rosa, o filho da dona Bárbara, prima de meu pai. Ary Bertossi, Paulo de Méo e um time de sobrenomes italianos: Deresti, Nineli, Santezi, Masseli.

Servidores públicos são algo mais que coadjuvantes de um governo, são protagonistas da ação administrativa.Tanto melhor o governante que souber enxergá-los como auxiliares e não somente como peças móveis de uma engrenagem impessoal. Anônimos, a qualquer tempo constituem a face visível da chamada “administração”.

Ainda que por vezes uma gestão se pareça com o interstício de uma vida, ainda que avancem a tecnologia e o conhecimento, se transformem os métodos de trabalho, as ferramentas, alterem-se os cenários, o essencial permanece.

Uma paisagem nova de repente acontecendo por dentro da paisagem velha, ensina que o que vale é a humanidade de um governo, do exercício dele, seja em palacetes ou edifícios os quais, afinal de contas, apenas se convertem no abrigo e no testemunho da história escrita por gente.

 

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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