sábado, 20 de abril de 2024
Memória São-carlense

A cidade do mestre Aduar Dibo

02 Nov 2018 - 07h00Por (*) Cirilo Braga
A cidade do mestre Aduar Dibo - Crédito: Álbum de família Crédito: Álbum de família

Jamais conheci alguém capaz de amar São Carlos com tamanha intensidade como fez ao longo da vida o professor e cronista Aduar Kemell Dibo, que durante 44 anos escreveu periodicamente na imprensa local e em suas colunas soube como ninguém externar esse amor por sua cidade natal.

Nascido em 1926, filho de um imigrante sírio e uma descendente de italianos, dentista e professor que se casou com Zilá Dibo e teve cinco filhos (Carlos Eduardo Tuca, Lucia Helena, Angela, José Paulo e Silvana), Adu – como era conhecido – encontrou no jornalismo sua forma de expressão.  Entre 26 de julho de 1966 e 11 de junho de 2010 seus escritos não só espelharam a sociedade local como trouxeram a essência de sua personalidade profundamente humanista.

O 161º aniversário de São Carlos é um bom momento para enfatizar o quanto a sua trajetória serve de exemplo aos filhos desta cidade.

Um texto publicado em sua coluna Sabe lá o que é isso? no jornal “A Folha” em agosto de 1966, narrando seu retorno da capital fluminense dava a noção do sentimento que nutriu por sua terra.

Eis a nota, intitulada “Minha volta do Rio”:

“Creio que todos os são-carlenses são seduzidos por este rincão, pois quanto mais longe, mais ficamos presos a ele. De madrugada cheguei. Saltei na praça. Um gostoso silêncio me envolveu depois que o ônibus se foi. Senti o cheiro da minha terra, o gosto deste ar, o aroma dos saborosos pães (do Caruso) ali pertinho; senti enfim que já estava em São Carlos, próximo de casa, do consultório dos amigos, de tantas coisas boas. O nevoeiro estava baixo e toda a grama da praça brilhava com os diademas do orvalho. Somente quem ama sua cidade se eleva na grandeza de sua fé por ela. O verdadeiro amor pela pátria começa aqui onde se nasce, onde se trocam os primeiros passos, onde os pais estão sepultados, onde se tem ilusões. São Paulo é grande, o Brasil muito maior e São Carlos é tão pequena que cabe melhor em nossos corações. A profundidade do amor que se tem pela terra em que se vive dificilmente se compreende e muito menos se descreve. Longe, sente-se bem isto”.

Adu dizia gostar de São Carlos por ter aqui suas raízes. Numa outra época, comentou: “Sempre que me afasto sinto aquele apelo nostálgico da terra em que nasci, para que nunca a esqueça. E como esquecê-la se quando aspiro este ar sinto não o ar que me rodeia e envolve, mas o da minha própria infância e juventude, já tão distante. Aqui em São Carlos o tempo é para mim um leque a se desdobrar. Uma ponta é o ontem e outra o ante ontem e o meio será o hoje. Uma sequência lógica de dias caminhando para o futuro, numa trajetória ora serena ora tempestuosa, com muitas incógnitas e esperanças”.

Falecido em junho de 2010, aos 84 anos, Adu deixou à família, aos colegas de magistério, odontologia, imprensa e amigos um legado de decência, generosidade e sabedoria que atravessa o tempo.

Na “Coluna do Adu”, que editou até os últimos dias de vida, enumerou temas que ao longo dos anos fizeram parte da vida da coletividade são-carlense, sem deixar de pleitear uma linha direta de ônibus para São Paulo, lutar por uma melhor divulgação da cidade, procurar pelo Fusca que lhe fora furtado, divulgar tudo que dizia respeito ao São Carlos Clube e registrar os encontros com os ex-colegas do Colegial de 1949 da escola “Dr. Álvaro Guião”.

Sua coluna publicada em vários jornais se tornou o lugar onde os são-carlenses se encontravam. Ancestral das redes sociais da Internet unia as pessoas dando à cidade o aspecto de uma grande família, por meio da divulgação de acontecimentos do dia a dia dos leitores e também de clubes, associações, profissionais liberais, indústrias, escolas e tantas instituições.

Adu levantava informações, checava, escrevia, editava, paginava, revisava e acompanhava a distribuição da coluna com entusiasmo juvenil.  Adorava caminhar pela cidade e encontrar amigos para um café, na sua humildade definindo-se como “um mero escrevinhador”.

Quando Adu faleceu ocorreu-me a certeza de que seus escritos deveriam ser rememorados de alguma forma e não apenas nas lembranças de seus leitores. Seria preciso encontrar uma forma de retribuir ao cronista um sentimento que herdou de seu pai e cultivou pela vida toda: a gratidão.

Zilá, sua amada, teve a generosidade de disponibilizar-me o acervo das colunas guardado num cômodo do apartamento da família no Edifício Winston Monteiro Ricetti, no centro de São Carlos. Não apenas isso: Zilá pacientemente puxou pela memória muitas passagens da vida de Adu, que pude complementar com familiares e amigos, oferecendo um perfil do cronista.

O resultado foi o livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” que tive a oportunidade de lançar em 2016. Um despretensioso apanhado de quatro décadas de produção jornalística de um mestre – antes disto um grande ser humano.

Professor por 33 anos, Aduar dizia ter aprendido quase tanto quanto ensinou. A coluna jornalística informativa que produziu marcou época na imprensa local. Nela procurava se desculpar das inevitáveis falhas que ocorriam na redação (e seus escritos foram publicados em cinco jornais da cidade ao longo do tempo). O objetivo era sempre incentivar quem estivesse hesitante e mostrar o lado positivo das pessoas.

Conversar com o Adu significava estar em contato com ensinamentos de um mestre surpreendente que eu conhecia desde os tempos em que o via nas oficinas de “O Diário”, às sextas feiras, debruçado sobre as páginas pacientemente organizadas pelo diagramador Flávio Wellichan.

Certa vez deparei com uma insólita notinha, perdida entre tantos registros de sua lavra. Dizia: “Quando me perguntam o que sou neste jornal, a bem da verdade, respondo: Nada!  Apenas um simples colaborador participando da retaguarda de uma grande equipe”, escreveu ele certa vez. Acrescentava: “Não sendo jornalista,político, sociólogo ou economista e nem radialista, cabe-me ficar atrás dos grandes valores da casa, procurando seguir (feliz) o meu destino de simples escrevinhador”.

Discípulo de Ibrahim Sued, inventou um jeito novo de escrever, cunhando expressões com um estilo próprio, moldado à cidade do interior. O que então seria uma previsível coluna social virou uma revista de acontecimentos da semana.

Patrocinadores fiéis o acompanharam por anos a fio, como também aqueles que copiavam até mesmo o formato de sua coluna. Irritava-se algumas vezes com o fato, que em suma representava o reconhecimento de que o seu modo de olhar a sociedade de São Carlos era de fato especial.

O tempo passava, mas sempre era possível reconhecer – como dizia na seção “O Passado Manda Lembranças” - o mesmo Adu que os ex-alunos viram em classe, o devoto de Padre Teixeira que ensinou tantos estudantes a cultivar a modéstia e a gratidão e continuamente se reinventar.

Quando a cada ano a folhinha do calendário marca o 4 de Novembro, o “niver” da cidade, eu me lembro do jeito que ele noticiava os aniversários, dizendo que a data era para ser comemorada “em ritmo de festa” ou “com o mais puro scotch”.

Mais de oito anos após seu falecimento, sua frase sobre o tempo segue perfeita: “uma sequência lógica de dias caminhando para o futuro, numa trajetória ora serena ora tempestuosa, com muitas incógnitas e esperanças”.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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