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Educação

Ex-aluno do IFSC de São Carlos é referência para pesquisadores brasileiros

14 Fev 2019 - 08h52Por Redação
Ex-aluno do IFSC de São Carlos é referência para pesquisadores brasileiros - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

‘Researcher senior’ no Lab Lee, coordenado pelo Prof. Jeffrey E. Lee, na Universidade de Toronto, Canadá, Vitor Hugo Balasco Serrão, 31 anos, e ex-aluno do Instituto de Física de São Carlos, é referência para os jovens pesquisadores brasileiros que desejam construir carreira no exterior, ou, como o próprio salienta “(...) não veem no Brasil abertura e investimentos necessários para o desenvolvimento científico (...)”.

Paulistano de nascimento, Vitor sempre se interessou bastante pela área de ciências, embora tivesse igualmente uma grande tendência para a área de história. “Eu me dava muito bem em ciências e meu pai sempre gostou muito de história, de humanas, então eu fiquei balançado entre aquilo que eu realmente gostava e o desejo de meu pai: fazer história e seguir carreira em humanas, ou fazer carreira na área de ciências? Eu nunca decidi isso, até o momento em que ingressei no ensino médio”, explica Vitor. Na escola pública de Barueri, cidade da Grande São Paulo onde fez ensino médio, Vitor destacou-se em ambas as áreas de estudo, mas foi especialmente incentivado pelos professores a fazer cursos ligados às disciplinas de exatas e biológicas. “Pressionado de ambos os lados, não sabia muito bem o que queria, então resolvi prestar medicina. Obviamente... Não passei”, acrescenta, com humor, aparentemente aliviado.

No ano seguinte, o cursinho pré-vestibular onde ingressou categorizava os alunos em salas de acordo com o interesse de cada um – humanas, exatas e biológicas – e, assim, decidido em cursar história, matriculou-se em humanas. Entretanto, segundo Vitor, a decisão perdurou apenas até metade daquele ano. “Eu e alguns de meus amigos prestamos o vestibular de meio de ano na Unesp. A ideia era prestar para um curso concorrido, como forma de treinamento, e assim poderíamos ver nossas capacidades. Acabei passando em biotecnologia. Foi quando os meus professores me questionaram: ‘se você passou por causa das disciplinas de exatas e biológicas, porque você não segue um curso nessa área?’. Nem esperei mais. Migrei imediatamente para exatas”, diz Vitor, acrescentando: “Por coincidência, foi o ano do lançamento do Curso de Ciências Físicas e Biomoleculares, na USP de São Carlos, que era exatamente a vertente que eu estava procurando”.

A mudança de São Paulo para São Carlos não foi difícil, segundo o ex-aluno. O único vestibular prestado na cidade de São Paulo foi a Unifesp, que mesmo depois da aprovação, não era a primeira opção de Vitor. “Meu pai me perguntou por que eu não ficava em São Paulo, mas o que eu queria era sair de lá. Optei por São Carlos não só por ser um curso da USP, mas também pelo fato de ser um curso novo”, enfatiza.

Segundo Vitor, por ter sido a primeira turma do curso, os ingressantes de 2006 observaram várias mudanças na grade horária, que foi adaptada durante os anos. “O curso, por ser dentro do Instituto de Física, era de Física com matérias de Bioquímica e Biomolecular, então era uma grade horária muito densa para os alunos. Durante os anos, essa grade foi alterada: matérias entraram, saíram, deixaram de existir, mudaram, reduziram, transferiram de semestre, viraram requisito... Tudo para alinhar o que era necessário com o que é humanamente possível”, acrescenta, bem humorado. “Eu gosto muito da minha formação. É muito completa”.

O Curso de Ciências Físicas e Biomoleculares, embora concluído idealmente em quatro anos, tomou mais um ano de Vitor, que realizava muitas atividades no Instituto. “Eu deveria ter formado em 2009, mas formei só em 2010. Uma das causa disso é porque eu fiz várias coisas durante a graduação, e isso me atrasou um pouco: fundei a empresa-júnior (IFSCJr.), fiz estágio na OPTO (com o Prof. Jarbas Caiado de Castro Neto), joguei futsal na Atlética durante quatro anos, e toquei na Bateria os cinco anos que fiquei na faculdade, além de fazer Iniciação Científica com o Prof. Richard Charles Garratt e com o Prof. Otávio Henrique Thiemann em cristalografia de proteínas”, diz Vitor, que ainda acrescenta não se arrepender. “Junto com a graduação eu consegui fazer muita coisa, e ainda formar em cinco anos. Acho que isso foi muito interessante”.

Finalizada a graduação no IFSC/USP, Vitor se viu dividido entre seguir carreira na área acadêmica ou de business, dúvida que logo foi resolvida ao cursar, paralelamente ao mestrado, o curso de Engenharia de Produção. “Eu resolvi cursar Engenharia de Produção, porque eu resolveria parte da graduação e faria apenas a parte administrativa. Infelizmente, por me dedicar ao mestrado naquela época, não passei no vestibular e resolvi fazer MBA”, conta Vitor. O aluno dividia-se entre o mestrado com o Prof. Otávio Thiemann (IFSC/USP), como orientador, também em cristalografia, e o MBA em Gestão Empresarial e Comunicação na Fundação Getúlio Vargas (FGV) de Ribeirão Preto. “Ela [FGV] tem um consórcio com o Pearson College, em Boston, então eu fiz parte do MBA lá, durante o mestrado. Tive que adiar a conclusão do MBA porque não estava conseguindo equilibrar com o que precisava fazer para o mestrado. Terminei o MBA em 2014, quando já estava no doutorado”.

Sobre o doutorado, Vitor tinha clara a ideia de conciliar a carreira acadêmica e a área de business. “Aqui no IFSC/USP nós temos casos de sucesso, como por exemplo, o Prof. Jarbas Caiado de Castro Neto e o Prof. Vanderlei Salvador Bagnato, que conseguem intermediar as duas áreas”, menciona Vitor. Em 2013, entretanto, com problemas familiares, a bolsa de doutorado não era mais suficiente parar suprir as necessidades financeiras de Vitor, que decidiu prestar o concurso para vaga de professor substituto no departamento de Física da UFSCar. “O salário era muito bom e eu passei. Fiquei dois anos como professor substituto, até ir para o ‘Ciências Sem Fronteiras’, na Holanda, no começo de 2015”, conta Vitor, que passou sete meses trabalhando no mesmo laboratório que visitou durante o mestrado. “No final de 2015 voltei para concluir o doutorado, mas não fiquei muito mais tempo no Brasil”.

Entre os anos de 2015 e 2016, Vitor constatou que o investimento científico do país estava decaindo e, por isso, já era hora de fazer carreira internacional: então, inscreveu-se para um pós-doutorado fora do Brasil, tendo sido aprovado no Harvard Medical School, em Boston (EUA), como ‘researcher’, no final de 2016. “O laboratório buscava publicações de alto impacto, e isso demandava tempo. Eu era o cara que tinha acabado de chegar, no meio de pós-doutores muito mais antigos. O plano era concretizar a minha publicação durante os três anos do meu contrato e sair; mas em um ano, percebi que o projeto não iria mais para frente, eu queria me mover rapidamente, mas vi que ficaria igual aos meus colegas de laboratório: eu não queria isso”, relata. “Conversei com o meu chefe e chegamos a um acordo que estava na hora de sair”.

Aplicando para outras vagas, Vitor recebeu oferta da Universidade de Toronto para trabalhar no laboratório do Prof. Jeffrey E. Lee, em mecanismos de fusão. “Se pararmos para pensar na evolução, existem dois tipos de organismos que conseguem entrar nas células sem destruí-las - os vírus e o esperma durante o processo de fecundação. Lee trabalha entendendo como se dão esses processos e eu entrei para coordenar a parte de fertilização”, explica Vitor, que pretende seguir com a área, mesmo após a saída do laboratório. “Fora do país, quando você sai de um laboratório, você leva parte dele para a continuação de sua carreira. Conversando com o meu chefe, concordamos que eu darei continuidade à parte de fertilização”.

Quanto ao local de atuação, Vitor não tem dúvidas em continuar no exterior. “Estou mudando minha carreira para continuar fora do país, definitivamente. Fora do Brasil existe a cultura de resultados. Não importa o quanto você vai gastar para chegar a determinado resultado, pois os investidores querem que você obtenha o resultado prático dentro do prazo estabelecido. Já no Brasil, o investimento é escasso e aí você é obrigado a refletir se participar do projeto vale a pena; se o que você ganha pelo seu tempo se sobrepõe aquilo que você gasta”, menciona Vitor, de certa forma desnudando a realidade de pesquisa no Brasil. “Sobre os financiamentos, hoje em dia há um retrocesso no investimento em pesquisa. Qualquer país que esteja em crise investe na ciência: aqui a pirâmide está invertida”.

Segundo nosso entrevistado, a carreira de pesquisador, embora bem consolidada para os termos brasileiros, ainda tem o que avançar muito. As diferenças de modelos de contratação entre o Brasil e o exterior são mencionadas por Vitor como fator importantíssimo para o planejamento do futuro profissional. “A forma de contratação de pesquisadores e docentes no exterior é diferente do que ocorre no Brasil. No Brasil, é formulado um concurso e cabe a você se inscrever quando é aberta a chamada, Já no Canadá, por exemplo, a contratação é feita através de indicações. Por exemplo, um departamento precisa de um novo profissional, então eles se perguntam quem poderá suprir essa necessidade. Se o seu nome surge, você é convidado a apresentar um seminário e conversar com os outros docentes: se gostarem de você e perceberem que você de fato preenche aquela lacuna, você é convidado”, aponta Vitor. “É necessário um currículo bem estruturado e é nisso que atualmente estou trabalhando. Pretendo finalizar meus projetos durante os próximos três anos, concluir os artigos que preciso para direcionar minha vida e fazer disso tudo o meu ‘business card’”, enfatiza Vitor.

Quando obtido o ‘business card’ e contratado como professor, ou pesquisador, Vitor salienta que um profissional bem estabelecido atinge um salário suficiente para viver bem no hemisfério norte. “O salário inicial de um pesquisador é de, em média, 45 mil dólares canadenses por ano – que equivale a 135 mil reais - mais ou menos R$ 10 mil por mês, podendo chegar a 55 mil. Já um professor, começa a ganhar cerca de 90 mil dólares canadenses por ano e, durante a carreira, consegue atingir os 150 ou 160 mil. Se comparado ao que um pós-doutor ganha hoje no Brasil, é pouco, mas vale lembrar que no Canadá a desigualdade salarial é pequena, diferentemente do que acontece no nosso país: se no primeiro existe os que ganham menos e os que ganham mais, no segundo existem os que ganham muito e os que ganham quase nada. Lá a faixa é muito próxima”. Vitor ainda menciona a possibilidade de progredir tanto na carreira, quanto no aspecto financeiro. “No Canadá existe um ‘schoolarship’ famoso, o Bending. É uma espécie de FAPESP do Canadá. Se você consegue esse financiamento, o seu salário dobra e possibilita mais oportunidades: pode dar simpósios, aulas, etc. A sua função de pesquisador não é restrita, não existe contrato de dedicação exclusiva, você pode fazer outras atividades que complementam o seu trabalho”.

A junção do próprio mérito com a formação de qualidade obtida no Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) foi o que, na opinião do ex-aluno, trouxe a conquista profissional presente. “Durante a graduação, fiz muitas disciplinas que não me agradavam, para as quais não tinha aptidão – era muito amplo –, mas que você é obrigado a fazer para conseguir o diploma. Foi pesado, foi sofrido. Olhando fotos minhas antes de entrar na graduação é possível perceber a quantidade de cabelo que eu tinha e quanto eu perdi ao longo do tempo. O IFSC é 90% responsável por isso”, brinca Vitor. “Só depois do mestrado e do doutorado – onde eu fiz disciplinas que me agradavam mais – quando fui para o exterior, que percebi o quanto o curso é diferencial. Fora do Brasil é muito difícil encontrar uma formação abrangente que abrace física, química e biologia, e mais raro ainda encontrar quem saiba das três disciplinas e consiga discutir todas elas. No fim, eu preciso estudar muito pouco para o meu pós-doutorado. Eu não tenho dificuldades”.

Aos alunos de Ciências Físicas e Biomoleculares do IFSC/USP, Vitor Serrão declara: “Vale a pena perder o cabelo!” (Rui Sintra)

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